Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
A importância da Cláusula de Exclusividade na delimitação dos Contratos Subordinados e Contratos de Prestação de Serviços
Mestrado em Direito e Prática Jurídica Ciências Jurídico-Empresariais
▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ 2018
Agradecimentos
Pela elaboração da minha dissertação de Mestrado, com o tema “A importância da Cláusula de Exclusividade na delimitação dos Contratos Subordinados e Contratos de Prestação de Serviços”, devo alguns agradecimentos:
Em primeiro lugar, um especial agradecimento à Dra. ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇, por toda a orientação, cuidado e disponibilidade demonstrada durante este percurso.
Aos meus Pais, que desde sempre me apoiaram e nunca duvidaram, em momento algum, das minhas capacidades para alcançar tudo a que me proponho, uma palavra de carinho, amor e amizade profunda.
Ao ▇▇▇▇▇▇▇, minha maior sorte e mestre na dissipação de todas as minhas dúvidas e angústias, por me mostrar que tudo é possível quando pomos tudo o que somos no mínimo que fazemos.
Por fim, um agradecimento às minhas amigas de todas as horas, e em especial à Si, que com entusiasmo me mostrou a importância de aprofundar o tema sobre o qual incide a presente dissertação.
Índice
Modo de Citar 6
Glossário 7
Sumário 8
Abstract 10
Capítulo I – Introdução 12
1. Enquadramento do tema e propósito da dissertação 12
Capítulo II – A Cláusula de Exclusividade 14
1. Noção 14
2. Fundamentos 15
3. A ausência de previsão legal expressa, no regime jurídico-laboral português, da cláusula de exclusividade 16
4. A cláusula de exclusividade e o pluriemprego
4.1. O pluriemprego e a sua relação com a cláusula de exclusividade 17
4.1.1. Admissibilidade do pluriemprego 18
4.1.2. Política de emprego e pluriemprego 20
4.1.3. As limitações ao pluriemprego 23
4.1.3.1. Limitações legais 23
4.1.3.2. Limitações convencionais 25
4.2. A relação entre exclusividade, pluriemprego e segurança social 28
Capítulo III – O Pacto de Exclusividade 32
1. O direito ao trabalho e liberdade de trabalho 33
2. Pressupostos do pacto de exclusividade 37
2.1. Os Interesses legítimos e sérios do empregador 40
2.1.1. Noção 41
2.1.2. O ónus da prova do interesse do empregador 43
2.1.3. O conteúdo da limitação e o principio da proporcionalidade 44
2.2. A compensação a atribuir ao trabalhador 47
2.2.1. Fundamento 47
2.2.2. O princípio da autonomia privada 49
2.2.3. A relação entre a atribuição de uma compensação e o dever de lealdade 52
2.2.4. Modo de previsão do quantum da compensação e critérios da sua fixação 53
3. O pacto de exclusividade e o trabalho a tempo parcial 55
4. A revogação e violação do Pacto de Exclusividade 57
Capítulo IV - O pacto de exclusividade noutros ordenamentos jurídicos 59
1. O pacto de exclusividade no ordenamento jurídico espanhol 59
2. O pacto de exclusividade no ordenamento jurídico francês 60
Capítulo V - Outros pactos limitativos da liberdade de trabalho – pacto de não-concorrência e pacto de permanência 62
1. Pacto de não-concorrência 62
1.1. Noção e fundamentos 62
2. Pacto de permanência 66
2.1. Noção e fundamentos 66
Capítulo VI – Contrato de trabalho 69
1. Noção 69
2. Delimitação do contrato de trabalho 73
2.1. O método indiciário – subordinação ou autonomia? 73
2.2. A presunção de laboralidade ínsita no CT 76
2.3. A exclusividade enquanto indício de contrato de trabalho 79
Capítulo VII – O Contrato de Prestação de Serviços 81
1. Noção 81
2. Indícios do contrato de prestação de serviços 85
3. A exclusividade enquanto indício do contrato de prestação de serviços 89
Capítulo VIII – Nota Conclusiva 92
Bibliografia 96
Modo de citar
As obras e artigos mencionados e citados são referidos pelo nome do autor, título, seguidos da edição, identificação da editora e ano.
A jurisprudência citada é referida pelo tipo de decisão em causa, seguida da identificação do Tribunal que proferiu a decisão, data e número do processo.
As citações em língua estrangeira são feitas na língua original.
A presente dissertação foi escrita de acordo com o antigo acordo ortográfico.
Glossário
Art. – Artigo
CC – Código Civil
CRCSPSS – Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social
CRP – Constituição da República Portuguesa CT – Código do Trabalho
DL – Decreto-Lei
IAS – Indexante dos apoios sociais LCT – Lei do Contrato de Trabalho Pág. – Página
Ss. – Seguintes
STJ – Supremo Tribunal de Justiça TRL – Tribunal da Relação de Lisboa TRP – Tribunal da Relação do Porto
v.g. – verbi gratia
Sumário
No âmbito da presente dissertação temos como objectivo desenvolver a temática dos pactos de exclusividade, com especial enfâse na importância que estes assumem quando se esteja perante uma situação de qualificação contratual. A delimitação dos contratos subordinados, designadamente do contrato de trabalho, e do contrato de prestação de serviços tem-se revelado, ao longo dos tempos, de difícil concretização, em especial pelas alterações que as relações laborais têm vindo a sofrer ao longo dos tempos. Com efeito, vínculos contratuais que antes se mostravam de simples qualificação, hoje em dia já não o serão, fazendo com que a jurisprudência se tenha de socorrer de determinados indícios, internos e externos ao negócio jurídico celebrado, elencados pela doutrina, tendo em vista a correcta delimitação contratual da relação laboral estabelecida entre
trabalhador e empregador.
De entre os indícios externos com maior relevo podemos destacar a exclusividade no exercício de funções, que, em termos substantivos se têm como cláusula ou pacto de exclusividade.
O pacto de exclusividade é um pacto limitativo da liberdade de trabalho, através do qual se restringe a possibilidade de o trabalhador, vinculado através de um primeiro contrato de trabalho, exercer outras actividades profissionais, por conta de outrem ou em regime de trabalho independente, sejam estas actividades paralelas concorrentes, ou não, com a da entidade empregadora.
Sendo um pacto limitativo da liberdade de trabalho revestir-se-á de natureza excepcional, devendo, por este motivo, o conteúdo da limitação – a qual pode assumir duas modalidades distintas, uma em que apenas se visa restringir o exercício de actividades concorrentes na pendência da relação laboral, e outra que vista a restrição de toda e qualquer actividade, independentemente de se encontrar, ou não, em concorrência com a actividade desenvolvida pelo empregador – ser sempre fixado tendo em conta as funções em causa, bem como o princípio da proporcionalidade, tendo por fundamento um interesse sério e legitimo da entidade empregadora.
Por último, tendo presente os efeitos que um pacto desta natureza produz na esfera do trabalhador, deverá ser-lhe atribuída uma compensação que se mostre justa e equitativa face à limitação resultante do pacto de exclusividade.
Palavras-chave: pacto de exclusividade; interesse sério e legítimo; compensação; limitação da liberdade de trabalho; indício; contrato de trabalho; contrato de prestação de serviços
Abstract
On the thesis herein, our purpose is to elaborate the exclusive arrangement subject, with special emphasis on the importance assumed by the referred arrangement when faced with a situation of agreement qualification.
The delimitation of subordinate agreements, in particular the employment agreement and the service agreement hasn’t been an easy process over the years, especially because of the changes that the working relations have suffered. In fact, working arrangements that were previously characterized as simple qualification today will no longer be so. Thus the law court have to reach for certain evidences, internal and external to the agreement made, highlighted by the legal theory, in order to a due delimitation of the contractual relationship established between the employee and the employer.
Among the most important external evidence, we can highlight the performance of working duties under an exclusive arrangement.
The exclusive arrangement is an arrangement that intends to reduce work freedom, by which it restricts the possibility of the employee, already part in a working relationship, to engage in other professional activities, by an employment agreement or self-employment, whether or not they compete with the employer activity.
A work freedom restriction agreement is an exceptional case, reason why the scope of the restriction - which can take two distinct forms, one that only intends to restrict the exercise of competing activities during the working relationship, and another that restricts any activity, in competition, or not, with the activity carried out by the employer - must always be fixed taking into account the working duties assumed by the employee and the proportionality principle, always regarding a serious and legitimate interest of the employer.
Finally, bearing in mind the effects of this kind of arrangement on the worker's part, a financial gain must be grant, which should be fair and equitable concerning the restriction resulting from the exclusive arrangement.
Key-words: exclusive arrangement; serious and legitimate interest; financial gain; work freedom restriction; evidence; employment agreement; service agreement
Capítulo I Introdução
Enquadramento do tema e propósito da dissertação
No âmbito do Direito laboral, o pacto de exclusividade constitui, certamente, um tema de grande importância nos dias de hoje em que as empresas assumem uma dinâmica cada vez maior nos seus processos de produção, e em que a manutenção de determinados trabalhadores (os denominados “assets”) se reveste da maior importância, procurando estas empresas, enquanto entidades empregadoras, afastar qualquer tipo de eventual concorrência por parte destes trabalhadores, estendendo-se esta preocupação a quadros médios e intermédios.
Tendo presente a ideia supra, entende-se que o pacto de exclusividade, enquanto contrato que tem em vista a restrição da liberdade de trabalho do trabalhador através da limitação da possibilidade de exercício de actividades profissionais paralelas por parte deste, seja por conta de outrem, seja em regime de trabalho autónomo, independentemente destas actividades serem, ou não, concorrenciais com a actividade desenvolvida pela entidade empregadora, assume-me como um tema de sensibilidade extrema.
A relevância deste tema faz-se sentir, também, pelo facto de o pacto de exclusividade, enquanto pacto limitativo da liberdade de trabalho do trabalhador, direito constitucionalmente consagrado no art. 47.º da CRP, não gozar de regulamentação expressa no Direito laboral português, fazendo-se assim sentir um enorme vazio legal quanto a este tema diz respeito.
Por último cumpre atender à dificuldade suscitada na delimitação do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, importando, assim, ter em atenção todos os indícios contratuais existentes, internos e externos, designadamente a exclusividade de funções enquanto indício externo da existência de um contrato de trabalho, integrando, este indício, na grande maioria das vezes, uma posição de destaque no âmbito da análise jurisprudencial quando lhe seja submetida uma questão de qualificação contratual.
Em face do exposto, propomo-nos, na presente dissertação, num primeiro momento, fazer uma análise daquilo que se entende por cláusula de exclusividade e os seus fundamentos. Por entendermos ser impossível dissertar sobre o pacto de exclusividade sem falar de pluriemprego, iremos, também, debruçar-nos sobre a relação da cláusula de exclusividade com o fenómeno do pluriemprego, assim como a relação deste tipo de pacto limitativo da liberdade de trabalho com outras áreas do ordenamento jurídico. Mais adiante iremos analisar, mais detalhadamente, quais as condições de que depende a admissibilidade da cláusula de exclusividade, bem como sobre quais as consequências do seu incumprimento ou revogação. Mais, e não obstante a presente dissertação incidir na sua quase totalidade sobre a cláusula de exclusividade no ordenamento jurídico português, faremos ainda uma breve alusão a outros ordenamentos jurídicos.
Num segundo momento iremos tratar do tema da delimitação do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, aos seus indícios, dando especial enfoque à exclusividade de funções enquanto indício relevante para a qualificação contratual.
Capítulo II
A cláusula de exclusividade
1. Noção
A cláusula, ou pacto de exclusividade, enquanto cláusula limitativa da liberdade de trabalho do trabalhador – a qual não encontra acolhimento expresso no CT por oposição ao pacto de não concorrência e ao pacto de permanência, os quais, tal como refere ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO1, são tidos como cláusulas acessórias típicas do contrato de trabalho e que se encontram expressamente
previstos – que, como veremos mais adiante em capítulo autónomo, é caracterizada por, tipicamente, implicar a proibição do exercício de qualquer outra actividade profissional remunerada, quer esta se encontre, ou não, em concorrência com a actividade desenvolvida pelo empregador, por parte do trabalhador que haja celebrado um contrato de trabalho com aquele, enquanto esta relação laboral se encontrar em vigor, traduzindo-se esta cláusula, nas palavras de ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ TELES DE MENEZES LEITÃO, num “plus face ao dever de não concorrência que apenas proíbe o exercício de actividade concorrente”2.
A posição doutrinária quanto à definição do que se considera um pacto de exclusividade é pacífica, tal como também o é a nível jurisprudencial.
A este respeito, refere o ▇▇▇▇▇▇▇ do STJ, datado de 21 de Setembro de 20173, a propósito do tema da delimitação do contrato de trabalho que mais adiante iremos abordar, que “Como indícios externos temos: - A exclusividade, ou seja, o facto de o prestador de serviço não desenvolver a mesma actividade ou outra idêntica para outros beneficiários (…)”.
1 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pág. 230. A Autora refere, também, que no âmbito dos pactos limitativos da liberdade de trabalho do trabalhador, tal como o é o pacto de exclusividade, importa atentar no princípio civil geral do cumprimento pontual dos contratos, em consonância com as regras da boa-fé (art. 762.º, n.º 2 do Código Civil), no princípio da liberdade de trabalho (art. 58.º, n.º 1da CRP), bem como no princípio geral da autonomia privada.
2 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Almedina, pág. 327.
3 Acórdão do STJ, datado de 21 de Setembro de 2017, proferido no âmbito do Processo n.º 2011/13.7TTLSB.L2.S1 (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
Já não será tão pacífica a posição da jurisprudência nacional quanto à sua admissibilidade face aos direitos, liberdades e garantias do trabalhador que são objecto de limitação por este tipo de pacto, mormente as previstas no art. 47.º, n.º 1 e no art. 58.º, n.º 1 da CRP.
De referir, ainda, e desde já, que a cláusula de exclusividade constitui uma limitação voluntária por parte do trabalhador da sua liberdade de trabalho, sendo tal limitação estabelecida por acordo entre empregador e trabalhador, tendo, assim, subjacente o princípio da autonomia privada, o qual permite que as partes possam convencionar modificações ao regime legal supletivo previsto no CT. Refira-se, contudo, que a autonomia e a liberdade contratuais do trabalhador – que goza de protecção legal dos seus direitos, liberdades e garantias, por via da lei laboral, bem como através da CRP – não são, por este motivo, absolutas, em especial pelo facto de uma cláusula de exclusividade ser, por definição, reversa à flexibilidade e à liberdade de trabalho, o que faz com que a sua aplicação seja de carácter excepcional.
2. Fundamentos
Como adiante iremos explanar, a validade de um pacto de exclusividade deverá, sempre, ser aferida caso a caso.
Com efeito, a licitude de um pacto de exclusividade dependerá, invariavelmente, do facto de o interesse do empregador poder ser considerado, ou não, como legítimo ou digno de protecção. Ou seja, dever-se-á, no caso concreto, analisar se o interesse que se pretende acautelar com a celebração de um pacto de exclusividade, encontra, ou não, justificação quando analisado em conjunto com a natureza do cargo e das funções a desempenhar pelo trabalhador. Cumpre, assim, determinar se as funções associadas ao cargo assumido pelo trabalhador exigem a sua total disponibilidade e dedicação, tendo presente, nomeadamente, a responsabilidade, complexidade técnica e tempo associados às referidas funções que o trabalhador deverá exercer.
Daqui se retira que o conteúdo do interesse legítimo do empregador apresenta particular importância no âmbito da temática da exclusividade, uma vez que este tipo de cláusulas, caso não tenham por objectivo primário a protecção de um interesse legítimo do empregador, podem ser entendidas, tal como refere ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇, como abusivas face aos direitos do trabalhador, no sentido de poderem surgir no âmbito de contratos de trabalho precários, em contratos de trabalho a tempo parcial ou com um período normal de trabalho semanal muito reduzido4.
3. A ausência de previsão legal expressa, no regime jurídico-laboral português, da cláusula de exclusividade
Como já fizemos notar ao longo da presente dissertação, o pacto de exclusividade, enquanto pacto limitativo da liberdade de trabalho, não encontra reflexo no CT português.
Com efeito, até ao presente, uma eventual previsão da cláusula de exclusividade no CT apenas encontrou lugar no anteprojecto do CT 2003, não tendo, contudo, transitado para o próprio CT.
Diferentemente, o pacto de não-concorrência, bem como o pacto de permanência encontram-se expressamente previstos, respectivamente, no art. 136.º e 137.º do CT.
Não obstante, a ausência expressa do pacto de exclusividade no âmbito da Lei Laboral não impediu que este tipo de pactos encontrasse o seu lugar do Direito Laboral português por outra via.
Atente-se, a este respeito, no n.º 1, do art. 136.º do CT, o qual dispõe que “É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato”.
4 ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Volume I., Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 631.
Ora, resulta, então, de uma interpretação à contrario sensu, feita genericamente por parte da doutrina5, do preceito supra citado, que será permitida a aposição de cláusula limitativa da liberdade de trabalho durante a vigência do contrato de trabalho, não se olvidando, contudo, que sempre se deverá atender ao facto de a admissibilidade do pacto de exclusividade se encontrar na dependência da verificação dos pressupostos acima explanados.
Embora se sinta um vazio legal no CT no que respeita ao pacto de exclusividade, esta cláusula encontra-se já prevista em legislação autónoma, como seja no n.º 5, do art. 11.º6 da Lei n.º 4/2008, de 7 de Fevereiro, alterada, consecutivamente, pela Lei n.º 195/2009, de 14 de Setembro e pela Lei n.º 28/2011, de 16 de Junho, a qual regula o contrato de trabalho e estabelece o regime de segurança social aplicável aos trabalhadores das artes do espetáculo e do audiovisual que desenvolvam uma actividade artística, técnico-artística ou de mediação destinada a espetáculos ou a eventos públicos.
Somos, então, a entender que, utilizados com alguma frequência, como deixámos observado, o CT deveria ser adaptado no sentido de prever, expressamente, a par com os seus pactos “vizinhos”, o pacto de exclusividade.
4. A cláusula de exclusividade e o pluriemprego
4.1. O pluriemprego e a sua relação com a cláusula de exclusividade
Quando se trata do tema da exclusividade no Direito do Trabalho, em especial nos contratos de trabalho, cumpre analisar o fenómeno, ambíguo e crescente – designadamente pelo facto da sociedade, no âmbito das relações laborais que nesta se estabelecem, ter vindo a sofrer incontáveis alterações às típicas relações de trabalho (subordinado e autónomo) – do pluriemprego.
5 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, Almedina, pág. 204.; ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 551.
6 Prevê o art. 11.º, n.º 5 da referida Lei que “As partes podem estabelecer, por escrito, que o trabalhador realiza a sua actividade artística em exclusivo para o empregador, mediante a fixação de uma compensação adequada para a prestação do trabalho em regime de exclusividade”.
O pluriemprego é, como o próprio nome indica, a situação em que determinado trabalhador desempenha mais do que uma actividade profissional remunerada, seja esta por conta própria ou por conta de outrem.
Para nossa análise importa atentar nas situações em que, pelo menos, uma das actividades desenvolvidas pelo trabalhador o é ao abrigo de um contrato de trabalho, por forma a que a relação laboral que por força deste se estabeleceu, esteja submetida ao Direito do Trabalho.
4.1.1. Admissibilidade do pluriemprego
Cumpre assim analisar a questão que mais frequentemente se coloca quando se fala em pluriemprego, se o trabalhador, quando haja já celebrado um contrato de trabalho, através do qual se vinculou a desempenhar determinadas funções em benefício de uma entidade empregadora, pode exercer outra actividade profissional, remunerada, independentemente de esta poder ser desempenhada em regime de subordinação ou regime autónomo.
▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ CORDEIRO entende que “(…) a celebração dum contrato de trabalho não implica a alienação, a favor do empregador, de toda a força de trabalho do trabalhador: ele apenas se obriga na precisa medida do contrato celebrado, dentro de certos limites temporais”7, concluindo este Autor que, tendo presente os direitos fundamentais da liberdade de trabalho e direito de trabalho, com especial ênfase no primeiro, o trabalhador não perde, à partida, a possibilidade, e o direito, de poder desempenhar outras actividades, nomeadamente através da celebração de contratos de trabalho laterais.
Ainda que em regra se permita o exercício de actividades profissionais em regime de pluriemprego, a verdade é que determinadas profissões podem deparar-se com impedimentos legais, impedimentos esses que não permitem ao trabalhador exercer actividades profissionais paralelas. A este propósito refira-se o exemplo dos magistrados, que se encontram, desde logo, vinculados a deveres
7 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, in Manual do Direito de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 549.
deontológicos de conduta, não podendo exercer, por este motivo, em paralelo, advocacia. Neste caso, não será de defender o pluriemprego, uma vez que os interesses públicos e do ordenamento se sobrepõem à liberdade de trabalho ínsita na Constituição.
▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ admite, ainda, a existência de limitações convencionais, designadamente através da celebração de pactos de exclusividade, convenções colectivas ou do próprio conteúdo do contrato de trabalho.
No mesmo sentido, RAÚL VENTURA8 ao equacionar a possibilidade da
“ocupação [do trabalhador] em mais de um fundo de trabalho”, admitindo, à semelhança de ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇, limitações legais e contratuais à liberdade de trabalho. ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ressalva, contudo, que o exercício de actividades na modalidade de pluriemprego não deverá prejudicar a actividade desempenhada para nenhuma das entidades empregadoras.
Também PEDRO ROMANO MARTINEZ9 entende que, na pendência de um contrato
de trabalho, e desde que em estrito respeito pelos deveres a que se encontra sujeito para com o empregador, nada obsta a que o trabalhador desempenhe uma segunda actividade profissional, idêntica ou diversa, para uma entidade empregadora distinta da primeira, ou por conta própria. Refere este Autor que esta liberdade de trabalho se encontra, contudo, limitada pelo dever que sobre o trabalhador impende de não concorrência, previsto no art. 128.º, n.º 1, alínea f), do CT, pelo que, em sentido contrário, será lícito o exercício de mais do que uma actividade sempre que esta não contenda com o referido princípio de não concorrência.
Na mesma linha de pensamento, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ refere que “(…) o pluriemprego é bastante comum, principalmente quando o trabalho é a tempo parcial (…)”10.
8 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ in Teoria da Relação Jurídica de Trabalho, Volume I, Porto, 1994, pág. 304 e ss.
9 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 636.
10 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, pág. 257.
Atente-se, ainda, na posição assumida por MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO11 quanto à admissibilidade do pluriemprego, que responde, também, positivamente a esta questão. A referida Autora invoca, pertinentemente a nosso ver, dois argumentos a favor do pluriemprego, um de índole estrutural e outro de índole constitucional. O primeiro prende-se com o facto de o trabalhador não
despender, em regra, a sua total disponibilidade para com o empregador com o qual celebrou o primeiro vínculo contratual laboral, o que lhe permite desempenhar outras actividades, mesmo que ao abrigo de um outro contrato de trabalho. O segundo argumento prende-se com o princípio constitucionalmente consagrado da liberdade de trabalho, que, no entender da Autora, “obsta à imposição de limites ao trabalhador no acesso ao emprego”, concluindo, com base nos argumentos expostos, pela admissibilidade do pluriemprego. Contudo, também esta Autora, advoga no sentido da existência de restrições ao princípio do pluriemprego.
Em nossa opinião, e tendo presente os direitos constitucionais que o fundamentam, como a liberdade de trabalho, o pluriemprego deve ser, em regra, admitido à luz do Direito do Trabalho. Com efeito, o trabalhador, tendo em vista a angariação de (mais) fundos de subsistência deverá gozar da possibilidade do exercício de mais do que uma actividade profissional remunerada, seja esta desempenhada para um outro empregador ou por conta própria. Concordamos, também, com o entendimento segundo o qual podem, e dependendo das profissões em apreço, devem existir limitações à liberdade de trabalho, sejam estas legais ou convencionais, como seja através da celebração de um pacto de exclusividade.
4.1.2. Política de emprego e pluriemprego
Não obstante a generalidade da doutrina e da jurisprudência admitir a possibilidade de o trabalhador apresentar mais do que um vínculo contratual,
11 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 122 e ss.
situação de pluriemprego, tal posição pode ser entendida, por vezes, como contrária às políticas de emprego existentes.
Com efeito, perante um cenário de desemprego, a admissão do pluriemprego pode revelar-se infrutífera, designadamente pelo facto de, numa situação de falta de emprego, caber ao Estado, tal como resulta do art. 58.º, n.º 2, alínea a) da CRP, promover e executar políticas de pleno emprego.
De facto, refere mesmo ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ que “o exercício de uma actividade laboral em exclusividade é prática corrente, aparecendo muitas vezes ditado por políticas estaduais relativas à dinamização do mercado (…)”12.
Neste sentido, alguma doutrina13 defende a existência de uma proibição geral ao pluriemprego, entendendo que esta será legítima à luz do preceito constitucional supra referenciado. Tal doutrina chega mesmo a colocar a questão de saber se o facto de os cidadãos gozarem de liberdade de trabalho, isto é, de escolha de profissão, lhes permite exercer mais do que uma actividade.
Parece-nos, contudo, excessivo vedar por completo a possibilidade de o trabalhador desenvolver mais do que uma actividade profissional remunerada, impondo-se um regime de exclusividade total, pelo que não podemos concordar com um entendimento de limitação absoluta à liberdade de trabalho, perfilhando assim a posição de ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ CORDEIRO, que defende que “(…) deveres puramente programáticos, a cargo do Estado, não podem justificar a restrição de liberdades: seria o caso da proibição pura e simples de ocupações laterais, como via de prosseguir o pleno emprego”14.
PEDRO FURTADO MARTINS15 entende, a este respeito, que embora uma posição
de tal modo extrema seja imensamente dúbia, considera, também, ser de constatar o cuidado com uma melhor repartição do trabalho existente, defendendo, assim, que, deste prisma, se poderão equacionar algumas limitações
12 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 1.
13 ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇ ▇▇▇▇▇▇▇, VITAL in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, Coimbra, 1993, pág. 264 e ss.
14 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, in Manual do Direito de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 550.
15 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, Almedina, pág. 195.
ao fenómeno do pluriemprego, designadamente através da celebração de pactos de exclusividade.
Embora haja quem defenda uma limitação total da liberdade de escolha de profissão, através de uma proibição geral do pluriemprego, a verdade é que, tanto quanto é do conhecimento, nunca vigorou em Portugal um preceito com tal conteúdo e amplitude. Pode falar-se, sim, em limitações sectoriais, como o fez o Autor acima identificado, limitações estas impostas por situações de extrema crise económica nos sectores em causa16.
Na verdade, a conjuntura que se vive actualmente no país parece apontar mais no sentido do apoio ao pluriemprego do que no da limitação do exercício de mais do que uma actividade de trabalho por parte dos cidadãos trabalhadores. Um dos exemplos desse facto é a promoção do trabalho a tempo parcial, matéria que será tratada mais adiante na sua relação com o pacto de exclusividade.
Assim, podemos considerar lícito o exercício do pluriemprego, não existindo, no Direito do Trabalho nenhuma norma genérica que imponha a exclusividade de funções a cargo do trabalhador.
Por sua vez, no âmbito da função pública, tal como refere PEDRO FURTADO MARTINS17, já será possível encontrar referências ao exercício em exclusivo de determinadas actividades. E na realidade compreende-se que assim seja, por forma a não se verificar uma situação de incompatibilidade ou de impedimento. Este Autor refere alguns exemplos de cargos da Administração Pública aos quais
é vedado o recurso ao pluriemprego, como seja o caso dos presidentes de institutos públicos e directores-gerais, e também os presidentes dos conselhos de administração de empresas públicas de sociedades anónimas com capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
16 ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ a este respeito refere o exemplo da proibição sectorial que se fez sentir na comunicação social, aplicada através da publicação do DL n.º 645/76, de 30.06, tendo a mesma sido, contudo, revogada pouco tempo depois, porquanto se entendia que a limitação imposta representava uma discriminação dos profissionais do sector.
17 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, Almedina, pág. 197.
4.1.3. Limitações ao pluriemprego
Tal como já referimos supra, a doutrina, na sua generalidade, bem como a jurisprudência nacionais, admitem a existência do pluriemprego. De onde se conclui que o problema que este fenómeno gera não será tanto ao nível da sua admissibilidade, mas dos limites, legais ou convencionais, que o pluriemprego enfrenta, entre os quais se enquadram os pactos de exclusividade.
4.1.3.1. Limitações legais
A lei pode impor restrições à liberdade de trabalho, seja por questões deontológicas, seja por questões de interesse público, como tivemos já oportunidade de referir anteriormente a propósito dos magistrados que por questões de índole deontológica não podem exercer simultaneamente a magistratura e advocacia, ou a existência de diversas incompatibilidades no que respeita ao exercício de funções públicas. Não obstante, qualquer tipo de restrição, legal ou convencional, sempre deverá ser devidamente justificada, por forma a não obstar arbitrariamente ao princípio fundamental da liberdade de trabalho.
A título de exemplo, para além dos casos já anteriormente referidos, existe a proibição constante do art. 247.º do CT, o qual se encontra sob a epígrafe “Exercício de outra actividade durante as férias”, dispondo esta norma que “o trabalhador não pode exercer durante as férias qualquer outra actividade remunerada, salvo quando já a exerça cumulativamente ou o empregador o autorize”.
Esta proibição legal visa proteger interesses do empregador, que ao proceder ao pagamento das férias do trabalhador a seu cargo, pressupõe que este as aproveite para descansar e restabelecer forças para o exercício das suas funções naquela empresa.
Outra limitação legal ao pluriemprego prende-se, essencialmente, com os limites diários e semanais do período de trabalho impostos pelo art. ▇▇▇.▇, ▇.▇ ▇, ▇▇ ▇▇▇▇.
Cumpre salientar, a respeito das limitações legais, que, embora o fenómeno do pluriemprego se encontre numa situação de proliferação, a legislação laboral portuguesa, assim como o regime contributivo e previdencial, não têm vindo a acompanhar tal evolução, traduzindo-se este facto numa desproporcionalidade dos direitos e obrigações que impendem sobre os trabalhadores pluriactivos e monoactivos.
Assim, em face da inexistência, quase total (refira-se que o pluriemprego encontra reflexo na lei laboral quando se trate de trabalho de menores) de normas que regulem as situações de pluriemprego, refere, bem em nossa opinião, JOÃO ZENHA MARTINS19, que a legislação laboral deverá sofrer alterações no sentido de abranger cenários em que os trabalhadores exerçam mais do que uma actividade
profissional remunerada.
O mesmo já não se verifica no ordenamento jurídico alemão, que prevê na sua legislação laboral as situações de pluriemprego. Mas este sistema jurídico apresenta reservas apertadas quanto à admissibilidade do exercício de mais do que uma actividade profissional remunerada por parte do trabalhador, tendo como limites a duração da prestação de trabalho. Assim, o sistema alemão considerará inadmissível a prática de mais do que uma actividade profissional, por um mesmo trabalhador, sempre que o desempenho dessas duas, ou mais actividades, ponha em causa a dignidade do trabalhador, bem como o seu bem-estar físico e psicológico. Considera a doutrina alemã que tal situação ocorrerá quando se encontrem, em face da cumulação de actividades laborais por parte do trabalhador, excedidos os limites de períodos de trabalho permitidos por lei, diários (oito horas) ou semanais (quarenta e oito horas).
18 Este artigo dispõe que o período normal de trabalho não pode exceder as oito horas diárias e quarenta e oito horas semanais.
19 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 3.
Por outro lado, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ sufraga um entendimento diverso do perfilhado pela doutrina alemã. Este autor entende que a admissibilidade, ou não, do pluriemprego deve ter por base não um critério atinente à pessoa do trabalhador, mas um critério mais centrado na relação laboral, ainda que consciente de que tal posição poderá representar uma ameaça à integridade física e psicológica do trabalhador, em especial pelo facto de este critério poder fomentar o surgimento de situações que visem defraudar os limites normais de horários de trabalho. Ainda assim, entende este Autor que o trabalhador deve gozar de uma margem de autonomia volitiva quanto à hipótese do exercício de uma outra actividade profissional, o que, sendo uma acção voluntária por parte do trabalhador impede a sua associação ao contexto de subordinação que impera numa relação laboral, uma vez que a decisão de desempenhar um outro trabalho, para além daquele que já desempenha, é uma decisão do trabalhador que ocorre à margem do primeiro contrato de trabalho celebrado. Não obstante, esta autonomia não pode ser absoluta, devendo, assim, prevenir-se situações de abuso de direito ou fraude à lei sempre que a prática de uma segunda actividade tenha finalidades contrárias à lei20.
4.1.3.2. Limitações convencionais
No que às limitações convencionais concerne, atente-se em primeiro lugar às limitações que derivam da própria profissão em causa e das funções que nessa profissão se desempenham. Na verdade, esta é uma limitação com bastante relevo, uma vez que, e como refere ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ “o limite mais
20 ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ exemplifica uma situação de abuso de direito e fraude à lei, referindo que “Será (…) esse o enquadramento seguível em relação a um trabalhador que, mantendo mais do que um vínculo laboral com o mesmo empregador, ultrapassa o limite estabelecido para o período normal de trabalho”, fazendo notar, contudo, que esta duplicação de vínculos para com o mesmo empregador pode encontrar, por vezes, justificação na (i) ausência de integração da prestação na mesma organização produtiva, (ii) na diferenciação funcional, (iii) na natureza ocasional ou (iv) numa situação em que se verifique a suspensão do primeiro contrato de trabalho celebrado com o empregador.
significativo ao exercício de actividades paralelas é constituído pelo próprio dever de trabalhar”21.
No mesmo sentido, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ CORDEIRO quando refere que o próprio contrato de trabalho pode restringir o exercício de determinadas actividades paralelas por parte do trabalhador que se encontre vinculado por aquele.
Com efeito, a restrição em apreço pode resultar do conteúdo do contrato de trabalho celebrado, especificando o Autor acima identificado que assim será “(…) quando a actividade lateral impossibilite o dever principal de trabalhar ou quando conduza a incumprimentos imperfeitos (…) ou sempre que ela contunda com o dever de lealdade (…)”22.
Assim, sempre que o exercício de outra actividade, para além da estabelecida no âmbito do contrato de trabalho celebrado com a primeira entidade empregadora, puser em causa o bom cumprimento do dever principal de prestação a que o trabalhador se encontra adstrito ou as suas capacidades para o exercício da mesma, o pluriemprego encontrar-se-á vedado ao trabalhador.
Veja-se a este respeito o caso dos desportistas profissionais, aos quais é legalmente imposto que preservem todas as condições necessárias ao bom desempenho da prática desportiva em que se encontrem inseridos profissionalmente.
Os limites convencionais podem, ainda, resultar de convenções colectivas de trabalho, como bem faz notar ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO23, a propósito da temática do pluriemprego e a cláusula de exclusividade.
Uma restrição à prática de actividades paralelas por parte do trabalhador, designadamente quando obste à celebração de outro contrato de trabalho, que resulte de imposição por instrumento colectivo de trabalho sempre deverá ter subjacente a prossecução de interesses superiores ao direito fundamental da
21 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, Almedina, pág. 199.
22 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, in Manual do Direito de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 551.
23 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 123.; ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, in Manual do Direito de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 550.
liberdade de trabalho. Para além deste requisito, cumpre proceder ao pagamento de uma contrapartida financeira adequada em prol da imposição de um regime de exclusividade que se mostra, mormente, mais desfavorável ao trabalhador, sendo que, caso esta contrapartida não tenha lugar, a convenção deverá perder a sua aplicabilidade.
Outros ordenamentos jurídicos já não partilham do mesmo entendimento, como o sistema alemão ou espanhol, de acordo com os quais as convenções colectivas de trabalho não são um instrumento válido para proceder à limitação da liberdade de trabalho, obstando, assim, ao pluriemprego.
Mas, como bem faz notar ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, “(…) uma coisa é admitir que as convenções colectivas de trabalho imponham uma obrigação de exclusividade, contra a vontade dos trabalhadores (…) outra (…) é reconhecer a possibilidade de as convenções definirem as condições do regime de exclusividade, cuja aplicação fica necessariamente condicionada ao acordo do trabalhador”24, situação que, no entendimento do Autor, não só é licita, como desejável, tendo em vista colmatar o vazio legal existente neste domínio.
Por último, e no que ao tema da presente dissertação importa, iremos abordar a limitação convencional ao pluriemprego resultante da celebração de um pacto de exclusividade.
Este tipo de pactos, são, conforme já tivemos oportunidade de explicar, acordos celebrados, voluntariamente, entre entidade empregadora e trabalhador, tendo em vista a aposição de um regime de exclusividade no contrato de trabalho em causa, através do qual surge para o trabalhador uma obrigação de não exercício de mais nenhuma outra actividade profissional remunerada, concorrencial ou não, com a do empregador.
Do referido supra resulta que, quando o pacto de exclusividade apenas tenda a obstar à celebração de um novo vínculo contratual quando este contenda com a actividade levada a cabo pelo empregador, o mesmo é dizer, quando a actividade paralela tenha natureza idêntica ou equivalente, ou seja mesmo concorrente com
24 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, Almedina, pág. 201.
a do empregador, o pacto de exclusividade revestirá, como refere PEDRO FURTADO MARTINS25, a natureza de pacto de não concorrência que deverá vigorar na pendência do contrato de trabalho26.
Por outro lado temos os pactos de exclusividade que vedam ao trabalhador o exercício de toda e qualquer actividade para além daquela que resulte do contrato de trabalho celebrado com o empregador, seja esta concorrencial, ou não, com aquela, e desempenhada por conta de outrem ou por conta própria27.
Neste contexto, em que o pluriemprego pode ser alvo de limitações convencionais, designadamente através da celebração de pactos de exclusividade, cumpre agora aferir da admissibilidade dos mesmos, temática que, ainda, hoje, não se revela pacífica como já pudemos constatar quando nos referimos aos direitos constitucionais da liberdade de trabalho e direito de trabalho, no âmbito do ponto 1 do presente capítulo.
4.2. A relação entre exclusividade, pluriemprego e segurança social
Como já tivemos oportunidade de referir, não é viável falar de exclusividade no Direito do Trabalho sem se abordar o tema do pluriemprego (temática sobre a qual já nos estendemos sobejamente no ponto 2 do capítulo IV da presente dissertação).
Assim, parece-nos também pertinente fazer uma breve referência quanto às implicações que, tanto o exercício de determinada actividade por parte do trabalhador, em regime de exclusividade, como no regime de pluriemprego, têm no regime previdencial e contributivo português.
25 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, Almedina, pág. 202.
26 A este propósito ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ dá alguns exemplos de pactos de exclusividade que apenas contendem com o exercício de actividades concorrenciais com a da entidade empregadora, como seja, por exemplo, o pacto de exclusividade previsto no contrato colectivo de trabalho celebrado com a Associação da Imprensa não Diária, que veda o exercício de actividades paralelas em empresas de comunicação social.
27 Também a este respeito ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ dá alguns exemplos, como seja o pacto de exclusividade previsto no acordo de empresa da Agência Lusa, o qual determina o não exercício de outra actividade permanente e remunerada.
Em regra, um cidadão apenas exerce uma actividade profissional, quer esteja ou não vinculado por um pacto de exclusividade, normalmente ao abrigo de um contrato de trabalho, isto é, exercendo a sua actividade por conta de outrem.
O facto de o trabalhador se encontrar ao serviço de uma entidade empregadora gera, na esfera daquele, uma obrigação contributiva, tal como resulta do art. 24.º do CRCSPSS. Esta norma dispõe que “São abrangidos pelo regime geral, com carácter de obrigatoriedade, os trabalhadores que exercem actividade profissional remunerada ao abrigo de contrato de trabalho nos termos do disposto no Código do Trabalho”.
Ora, muito embora a obrigação de contribuir para a Segurança Social surja na esfera do trabalhador, quando este inicia uma relação laboral com o empregador, será a entidade empregadora, quando estejamos perante trabalho por conta de outrem, que, nos termos do art. 39.º, do CRCSPSS, deverá ser considerada como entidade contribuinte.
A entidade contribuinte, in casu o empregador, deverá, ao abrigo do disposto no n.º 1, do art. 40.º, do CRCSPSS, declarar à segurança social, em relação a cada um dos trabalhadores ao seu serviço, o valor da remuneração que constitui a base de incidência contributiva, os tempos de trabalho que lhe corresponde e a taxa contributiva aplicável.
No que ao presente caso interessa, cumpre atentar no art. 44.º, n.º do CRCSPSS, o qual dispõe que “Para a determinação do montante das contribuições das entidades empregadoras e das quotizações dos trabalhadores, considera-se base de incidência contributiva a remuneração ilíquida devida em função do exercício da actividade profissional ou decorrente da cessação do contrato de trabalho nos termos do presente Código”.
Será, portanto, este o regime aplicável sempre que nos encontremos perante uma relação laboral, entre trabalhador e empregador, que tenha por base um contrato de trabalho no âmbito do qual tenha sido acordada uma cláusula de exclusividade.
Situação distinta se dará quando um trabalhador se encontre vinculado a mais do que um contrato de trabalho ou se encontre ao abrigo de um contrato de
trabalho e exerça outra actividade profissional independente que não para a mesma empresa ou para empresa do mesmo agrupamento empresarial. Na verdade, existe um quase vazio normativo, não só no que respeita ao Direito do Trabalho, mas também a nível de segurança social, no que respeita ao pluriemprego.
Por este motivo, quando um trabalhador exerça mais do que uma actividade profissional remunerada será “penalizado” com quotizações autónomas para a segurança social, tendo subjacentes as várias actividades por si desempenhadas, mediante a aplicação da taxa contributiva às remunerações que são a base de incidência contributiva a ser efectuada tendo em atenção a quantidade de vínculos contratuais laborais que o trabalhador celebrou, tal como resulta do citado art. 44.º, n.º 1, do CRCSPSS, e não a pessoa do trabalhador em si (critério ad personam28).
Prevê-se, contudo, incidência normativa, no art. 129.º do CRCSPSS, quando se verifique uma situação de pluriemprego, em que o trabalhador se encontre vinculado por um contrato de trabalho e desempenhe outra actividade profissional independente para a mesma empresa ou para empresa do mesmo agrupamento empresarial, caso em que a base de incidência contributiva será referente à actividade profissional independente correspondendo, assim, ao montante ilíquido dos honorários devidos pelo seu exercício, tal como previsto no art. 130.º do CRCSPSS. No presente caso, a taxa contributiva relativa aos trabalhadores será a mesma que for aplicável ao respectivo contrato de trabalho por conta de outrem, conforme resulta do art. 131.º do CRCSPSS. De referir que este cenário, em que o trabalhador acumula o trabalho por conta de outrem com trabalho por conta própria, pode gozar de isenção contributiva. Com efeito, e tal como previsto no art. 157.º do CRCSPSS29, quando o trabalhador independente reúna,
28 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 2.
29 Efectivamente resulta do presente art. 157.º, n.º 1, alínea a), que o trabalhador independente, que exerça, tanto uma actividade remunerada por conta de outrem, como uma actividade em regime de autonomia, não se encontrará na obrigação de contribuir para o Sistema de Segurança Social Português sempre que, cumulativamente, “i) O exercício da actividade independente e a outra actividade sejam prestados a entidades empregadoras distintas e que não tenham entre si uma relação de domínio ou de grupo; (Redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro)
cumulativamente, determinadas condições, poderá ser considerado isento da obrigação de contribuir.
Assim, e muito embora o CRCSPSS preveja uma única situação de pluriemprego, tal não se mostra suficiente, porque, como bem faz notar ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, a presente situação de vazio legal ignora a “desmesura do esforço contributivo sempre que se verifique o exercício em concomitância de atividades laborais por conta de outrem”30.
Deste modo, se por um lado o exercício de determinada actividade em regime de exclusividade se mostra limitativo de certos direitos fundamentais, como sejam o direito de trabalho e, em especial, a liberdade de trabalho, por outro lado, e como se pôde observar no âmbito do regime de Segurança Social aplicável supra analisado, o desempenho, por parte de um trabalhador, de um único trabalho, em regime de exclusividade, mostra-se, excluindo a excepção prevista no referido art. 129.º do CRCSPSS, menos penoso do que a opção pelo exercício de mais do que uma actividade laboral remunerada.
De onde se conclui que, atento o cenário de crescimento das situações de pluriemprego, urge adequar, não só a legislação laboral ora em vigor, a qual, como referido, apenas contempla situações de pluriemprego quando se trate do exercício de actividades paralelas por menores de idade, como, também, numa fase posterior, se deverá proceder à adaptação da legislação (v.g. o CRCSPSS) que com aquela deverá ser relacionada, tendo em vista uma uniformização dos direitos dos trabalhadores que optem pelo exercício de diferentes actividades profissionais em regime de pluriemprego a par com os trabalhadores que apenas desempenhem uma actividade profissional remunerada.
ii) O exercício de actividade por conta de outrem determine o enquadramento obrigatório noutro regime de protecção social que cubra a totalidade das eventualidades abrangidas pelo regime dos trabalhadores independentes; iii) O valor da remuneração anual considerada para o outro regime de protecção social seja igual ou superior a 12 vezes o valor do IAS”.
30 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 2.
Capítulo III
O pacto de exclusividade
Antes de procedermos à análise da questão referente aos pactos de exclusividade enquanto critério de delimitação do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, cumpre, em primeiro lugar, aferir dos direitos constitucionais que este tipo de pacto visa restringir, bem como o que podemos entender como pacto de exclusividade, quais as suas condições de admissibilidade, os problemas que este tipo de pacto limitativo da liberdade de trabalho suscita, primordialmente ao nível do ordenamento jurídico português, sendo, também, a final, feita uma breve análise deste tipo de pactos noutros dois ordenamentos jurídicos.
Tem-se verificado, no ordenamento jurídico português, bem como noutros ordenamentos jurídicos estrangeiros, uma crescente flexibilização do Direito do Trabalho, sendo certo que este fenómeno tem como causa as transformações que as relações laborais têm vindo a sofrer na sociedade.
Ainda assim, prevê-se, no Direito Laboral, o que se intitula como “pactos limitativos da liberdade de trabalho”, sendo estes celebrados, sempre, em nome de legítimos e sérios interesses da entidade empregadora, podendo, esta limitação, ocorrer na vigência, bem como após a cessação do contrato de trabalho.
Assim, existem três pactos limitativos da liberdade de trabalho que cumpre enunciar: (i) o pacto de exclusividade, o qual é objecto da presente dissertação, e que, como já anteriormente referido não encontra reflexo no CT, (ii) o pacto de permanência e (iii) o pacto de não-concorrência, sendo que estes dois últimos se encontram regulados na lei laboral portuguesa.
Neste sentido, iremos agora ocupar-nos, mais concretamente, sobre a temática da cláusula de exclusividade, a qual, não obstante não encontrar lugar expresso no CT, merece a nossa melhor atenção tendo presente os efeitos que produz na esfera jurídica, tanto do trabalhador, como na do empregador.
1. O direito ao trabalho e liberdade de trabalho
O Direito do Trabalho, no nosso ordenamento jurídico, apresenta uma elevada componente de protecção do trabalhador. Com efeito, os direitos do trabalhador, em especial do trabalhador por conta de outrem, encontram-se devidamente acautelados não só no CT, mas também no âmbito da CRP, sendo mesmo esta denominada pela doutrina como “Constituição Laboral”31.
A Constituição Laboral e o CT representam algumas das fontes internas do Direito do Trabalho, encontrando-se, a Constituição, numa relação de superioridade hierárquica face ao CT.
▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ sufraga o entendimento segundo o qual existe uma Constituição Laboral formal e uma Constituição Laboral material. Na primeira acepção, a Constituição Laboral é entendida como o conjunto de preceitos que digam respeito à relação laboral subordinada. Na acepção da materialidade, a constituição laboral é tida como aquela que “exprime o conjunto de normas e de princípios que estruturam e legitimam determinada ordem jurídica na área do trabalho subordinado”32.
Em suma, a Constituição Laboral é, como refere ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, constituída pelo conjunto de regras que directa, ou indirectamente, digam respeito ao Direito do Trabalho.
Neste ponto pretende-se analisar o tratamento dado pela nossa Lei Fundamental à actividade laboral, mais concretamente sobre o direito ao trabalho e liberdade de trabalho.
Em primeiro lugar, e porque aqui nos debruçamos sobre o tema da limitação da liberdade de trabalho, importa referir, como o faz MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, que a actividade laboral deve ser encarada como uma actividade livre.
31 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, 2.ª Edição, Almedina, 2009, pág. 155 e ss.; ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 159 e ss; ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Volume I, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986/1987, pág. 251 e ss.; ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ DE e ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ in Constituição da República Portuguesa Comentada, Lex, 2000; ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ in Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, 1999, pág. 120 e ss.
32 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Volume I, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986/1987, pág. 254.
Tal como refere a Autora, a liberdade de trabalho deve ser apreciada de duas perspectivas distintas: por um lado, a actividade laboral deve ser livre no sentido em que o trabalhador deve gozar de liberdade, não só enquanto trabalhador, mas como sujeito inserido na sociedade. Por outro lado, uma actividade laboral é livre quando é objecto de um acto voluntário, tanto por parte do empregador, como do trabalhador, não devendo a relação laboral, nunca, ser imposta a nenhuma das partes. A este respeito, e a título de exemplo, refira-se que o trabalho penitenciário, bem como o trabalho comunitário, não se encontram sobre a égide do Direito do Trabalho, uma vez que estamos perante cenários onde a actividade laboral é imposta ao trabalhador.
Os princípios constitucionais atinentes ao direito juslaboral mais relevantes apresentam-se na categoria dos direitos, liberdades e garantias, tal como resulta do art. 18.º da CRP. Como faz notar a Autora supra identificada, este normativo constitucional, desenvolve-se em três prismas (i) na aplicação directa e imediata destas normas, (ii) na sua imposição imediata, tanto a indivíduos públicos como privados e (iii) na limitação das restrições que lhes sejam impostas ao mínimo e, sempre, com salvaguarda do seu conteúdo essencial.
Importa, ainda, ter presente que a CRP consagra princípios constitucionais laborais que dizem respeito a todo e qualquer tipo de trabalhador, independentemente do tipo de relação laboral estabelecida, e, bem assim, princípios constitucionais que apenas dizem respeito a trabalhadores que se encontrem numa relação laboral onde exista subordinação jurídica.
Neste sentido, e atentos os efeitos produzidos pelo pacto de exclusividade, iremos analisar dois dos princípios constitucionais laborais que dizem respeito à integralidade dos trabalhadores, sendo estes relativos à liberdade de trabalho e direito de trabalho.
O primeiro princípio, respeitante à liberdade de trabalho, encontra-se no art. 47.º da CRP, enquanto norma preceptiva, sob a epígrafe “liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública”33, no capítulo referente a direitos, liberdades
33 O n.º 1 do art. 47.º da CRP estatui que “Todos têm direito a escolher livremente a profissão ou género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”.
e garantias pessoais. Deste preceito resulta que o trabalhador goza do direito de escolher a profissão ou género de trabalho que mais lhe aprouver, não devendo, nunca, ser sujeito a qualquer tipo de pressão ou imposição no que à escolha da sua actividade laboral concerne.
Neste sentido, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ ao referir que “ninguém pode ser coagido a seguir uma profissão, nem impedido de desenvolver uma determinada actividade”34. Como refere ainda este Autor, a norma prevista no art. 47.º, n.º 1 da CRP reflecte um princípio geral de liberdade dos cidadãos, com ênfase no Direito do Trabalho.
Muito embora ninguém possa ser impedido de desenvolver uma determinada profissão, também as empresas não se encontram vinculadas a uma obrigação de contratação graças ao princípio da autonomia privada, gozando, também estas, de liberdade na escolha dos candidatos que se lhes apresentam, em especial devido ao facto de existirem profissões cujos candidatos carecem de habilitações específicas, sejam elas físicas ou intelectuais.
Quanto à limitação da liberdade de trabalho, através da celebração de pactos de exclusividade, a jurisprudência não é pacífica, veja-se a este respeito o Acórdão do STJ, datado de 10 de Dezembro de 2009, de acordo com o qual, e tendo presente a doutrina citada no âmbito da Sentença recorrida, o direito de trabalho não deve, por qualquer forma, ser restringido, “«no âmbito do moderno Direito do Trabalho, “a celebração dum contrato de trabalho não implica a alienação, a favor do empregador, de toda a força de trabalho do trabalhador”, devendo entender-se que, por força da liberdade de emprego, “o trabalhador não perde a legitimidade para exercer outras ocupações profissionais, inclusive recorrendo à celebração de contratos de trabalho laterais” (▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 549)», prosseguindo: «E, se é verdade que do ponto de vista da lei ordinária se regista uma omissão no tratamento da exclusividade, a verdade é que tendo a liberdade de trabalho ascendido à categoria de direito fundamental (Art.º 47.º/1 da CRP) dificilmente uma cláusula de exclusividade se compagina com a protecção constitucional. O
34 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 168.
Art.º 47.º/1 da CRP dispõe que todos têm direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, o que implica “não ser forçado a escolher (e a exercer) uma determinada profissão”, mas também “não ser impedido de escolher (ou exercer) qualquer profissão” (▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Vol. I, 653). Ou, noutras palavras, a liberdade de trabalho, tanto se revela liberdade de escolha, quanto de exercício de qualquer profissão, sendo que a liberdade de escolha se decompõe, entre outros, em “direito de escolher livremente, sem impedimentos, nem discriminações, qualquer profissão” e a de exercício no “direito de não ser privado, senão nos casos e nos termos da lei e com todas as garantias, do exercício da profissão” (▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 475 e 476)(…)”.
No caso do aresto supra, acabou por concluir o STJ, no âmbito do Recurso que lhe foi submetido, que “Na perspectiva de restrição à liberdade de trabalho, não releva, com autonomia, a obrigação de exclusividade, eventualmente consignada em cláusula acessória do contrato, referida a actividades concorrentes, pois tal obrigação é inerente à relação laboral, como seu elemento essencial, por força do estabelecido na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho de 2003, como afloramento do dever geral de lealdade. Quer isto dizer que o problema da validade, à luz das garantias consignadas nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da Constituição, de uma cláusula de exclusividade só pode colocar-se quando dela resulte, para o trabalhador, a obrigação de não exercer para outrem ou por conta própria actividades não concorrentes com a do empregador.”35
O segundo princípio referido, encontra reflexo na CRP, no capítulo referente aos direitos e deveres económicos, no seu art. 58.º, sob a epígrafe “direito ao trabalho”, estatuindo desde logo, o seu n.º 1, que todo o cidadão tem direito ao trabalho.
35 Acórdão do STJ, de 10 de Dezembro de 2009, proferido no âmbito do Processo n.º 09S0625 (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
O conteúdo deste direito fundamental visa, como refere ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, garantir que o trabalhador tem o direito a desempenhar uma actividade tendo em vista a sua subsistência e do seu agregado familiar e, também, para que o trabalhador se sinta realizado a nível pessoal, cabendo, posteriormente, ao Estado garantir o direito ao trabalho, designadamente através do desenvolvimento de políticas de pleno emprego e não às empresas, que, na realidade, não têm qualquer obrigação de contratar quem não considerem apto ao exercício das funções em causa36.
Embora os preceitos supra enunciados se encontrem sistematicamente localizados na CRP de forma distinta, como já se deixou observado, ambos encerram em si direitos fundamentais de aplicação juslaboral, não existindo, entre eles, qualquer tipo de relação hierárquica.
Tendo presente as normas constitucionais laborais enunciadas, compreende- se, e concorda-se, com o facto de os pactos de exclusividade se apresentarem como de carácter excepcional, uma vez que vêm impor uma limitação (ainda que voluntária) da liberdade laboral do trabalhador. É por este motivo que os pactos de exclusividade devem ter sempre por base interesses sérios e legítimos do empregador, de tal forma que a protecção desses interesses seja digna de protecção legal, permitindo, assim, o afastamento ou a limitação dos princípios constitucionais acima explanados.
2. Pressupostos do pacto de exclusividade
Recorde-se que a noção de cláusula de exclusividade foi já por nós, sucintamente, tratada no âmbito do Capítulo II da presente dissertação.
Conforme já referido, a cláusula, enquanto cláusula limitativa da liberdade de trabalho do trabalhador caracteriza-se por, tipicamente, implicar a proibição do exercício de qualquer outra actividade profissional remunerada, quer esta se encontre, ou não, em concorrência com a actividade desenvolvida pelo
36 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ in Curso de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 411.
empregador, por parte do trabalhador que haja celebrado um contrato de trabalho com aquele, enquanto esta relação laboral perdurar.
Assim, ainda que “não ponha em causa o dever de não concorrência, a liberdade de trabalho pode encontrar-se condicionada por um pacto de exclusividade, por via do qual o trabalhador fica impedido de desenvolver qualquer outra actividade, por conta ▇▇▇▇▇▇ ou por conta própria, em benefício de outrem”37.
Tal como refere ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇, um pacto de exclusividade constitui, para além de uma limitação voluntária de direitos fundamentais previstos na CRP (art. 47.º, n.º 1 e art. 58.º, n.º 1) por parte do trabalhador – sendo tal limitação estabelecida, em regra, por acordo entre empregador e trabalhador, tendo subjacente o princípio da autonomia privada, o qual permite que as partes possam convencionar modificações ao regime legal supletivo previsto no CT – o pacto de exclusividade constitui, também, uma restrição voluntária por parte do trabalhador dos seus direitos de personalidade. Não obstante, e num cenário em que o pacto de exclusividade seja entendido como legal, sempre será de se admitir a revogação do mesmo nos termos da Lei Civil, devendo a entidade empregadora ser devidamente indemnizada, tema que trataremos mais adiante.
Na mesma linha de pensamento ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO38, acrescenta
que o pacto de exclusividade será nulo se, visando a concretização do dever de lealdade, na vertente de não concorrência, se revelar contrário aos interesses públicos e aos princípios que a estes subjazem.
Assim, observando o dever de não concorrência ínsito no CT, no art. 128.º, n.º 1, alínea f), o qual apenas veda ao trabalhador a possibilidade de desempenhar uma actividade concorrente com a do empregador, o pacto de exclusividade pode ser entendido como uma extensão deste princípio, uma vez que, na sua vertente mais pura, este pacto veda, também, o exercício de qualquer actividade pelo trabalhador na pendência do contrato de trabalho, seja ou não concorrente com a actividade levada a cabo pela entidade empregadora.
37 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 7.ªEdição, Almedina, 2015, pág. 658.
38 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, in Manual do Direito de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 550.
Tal como anteriormente mencionado, a doutrina e a jurisprudência encontram- se em consonância quanto àquilo que se entende como sendo um pacto de exclusividade, o mesmo já não se dirá quanto à sua admissibilidade, designadamente pela limitação – ao nível de direitos fundamentais, como sejam o direito de trabalho e a liberdade de trabalho, ambos previstos na dita Constituição laboral, e direitos de personalidade – que este tipo de pacto impõe ao trabalhador.
O tema de que se trata na presente dissertação é controverso, uma vez que a celebração de um pacto de exclusividade implica uma séria restrição a direitos dos cidadãos constitucionalmente consignados, o direito de trabalho e, em especial, a liberdade de escolha de profissão, pelo que, se por um lado os pactos de exclusividade são admitidos à luz do Direito Laboral português, dentro dos limites já anteriormente observados, permitindo-se, deste modo, limitar certos direitos fundamentais do trabalhador, por outro lado essa possibilidade só será viável quando se encontrem verificados determinados requisitos de admissibilidade.
A respeito da admissibilidade escreve ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO39 que
as “(…) cláusulas de exclusividade, que vedam o pluriemprego na pendência do contrato de trabalho (…)” são admissíveis “(…) desde que tais cláusulas correspondam a uma limitação objectiva e razoável do princípio da liberdade de trabalho (…)”.
Assim, apenas quando seja possível constatar da existência de interesses sérios e legítimos da entidade empregadora – que o ordenamento entenda serem suficientemente relevantes por forma a permitir uma restrição daqueles direitos constitucionais ao trabalhador e, bem assim, tendo em consideração os efeitos que tal limitação terá na esfera do trabalhador, quando seja atribuída uma compensação, por parte do empregador, ao trabalhador, em face da limitação assumida – será possível entender como lícito o pacto de exclusividade.
A aferição da validade deste tipo de pactos limitativos da liberdade de trabalho deve ser sempre efectuada caso a caso, pois apenas neste âmbito será possível determinar se a protecção dos interesses da entidade empregadora encontra
39 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 232.
justificação face à natureza do cargo e das funções desempenhadas pelo trabalhador.
Em face do exposto, iremos seguidamente debruçar-nos sobre a análise das condições de admissibilidade dos pactos de exclusividade, em especial as referidas no ponto anterior.
2.1. Os interesses legítimos e sérios do empregador
Tal como já anteriormente referido, o ponto de partida para a celebração de um pacto de exclusividade será, sempre, a existência de interesses do empregador que sejam considerados dignos de protecção jurídica, em detrimento da liberdade de trabalho, constitucionalmente consagrada, de que goza o trabalhador, pois que apenas se justificará aferir da existência de compensação se este requisito se encontrar preenchido.
Atente-se, neste sentido, nas sábias palavras de JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES40
segundo as quais “(…) tais cláusulas devem (…) corresponder a um interesse da empresa. Esta (…) exigência é particularmente importante face ao perigo de as cláusulas de exclusividade aparecerem associadas a contratos de trabalho precários ou a contratos de trabalho a tempo parcial e até com um período normal de trabalho semanal muito reduzido”.
Também a jurisprudência dos tribunais superiores se pronunciou a este respeito, no Acórdão do STJ, de 10 de Dezembro de 200941, ao referir que “cuja licitude [das cláusulas de exclusividade], apreciada à luz das normas constitucionais, há-de ser averiguada, segundo critérios de adequação e proporcionalidade, em função de um real e efectivo interesse do empregador (atendendo, designadamente, ao sector económico em que a empresa se insere) correlacionado com a natureza das tarefas objecto do contrato (tendo em conta a complexidade técnica destas, o tempo exigido para um eficiente desempenho e a
40 ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 631.
41 Acórdão do STJ, datado de 10 de Dezembro de 2009, no âmbito do Processo n.º 09S0625 (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
responsabilidade do trabalhador, que podem requerer disponibilidade total) — cfr. ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ obra citada, p. 631. Uma tal ponderação é susceptível de reconduzir a obrigação de exclusividade à própria essência do contrato, na perspectiva de que, sem a exclusividade, os fins por ele prosseguidos não seriam plenamente atingidos”.
Cumpre, assim, aprofundar aquilo que se deve entender como interesses sérios e legítimos da entidade empregadora dignos de protecção, se estes carecem, ou não, de ser devidamente provados e, bem assim, se a limitação que deriva da exclusividade é proporcional ao fim que visa atingir.
2.1.1. Noção
O conceito de “interesse sério e legítimo do empregador” deve ser devidamente delimitado.
Com efeito, se todo e qualquer interesse do empregador se pudesse configurar como sendo sério e legítimo, o uso das cláusulas de exclusividade iria tornar-se prática corrente (porque surgiria sempre como conveniente à entidade empregadora) e deixaria de possuir natureza excepcional, que, recorde-se, é uma das características deste tipo de limitação.
Assim, com a celebração do pacto de exclusividade o empregador deve, por princípio, pretender a salvaguarda do desgaste físico e psicológico do trabalhador, sempre que o cargo e funções por este a desempenhar exija um elevado nível de rigor técnico, concentração e dedicação. O empregador pode também querer, com a limitação da liberdade de trabalho do trabalhador, garantir o cumprimento rigoroso do contrato de trabalho celebrado, por parte do trabalhador a seu cargo.
Neste sentido recorde-se o já mencionado aresto do STJ, de 10 de Dezembro de 2009, o qual refere que para se aferir da legitimidade do interesse do empregador se deve atender à complexidade técnica das funções a desempenhar pelo trabalhador, o tempo exigido para que o desempenho seja frutífero e, bem assim, a responsabilidade associada ao cargo assumido. Com efeito, entende a
jurisprudência neste Acórdão que, verificando-se estas condições, o empregador poderá exigir do trabalhador a sua total disponibilidade.
A este respeito refere JOÃO ZENHA MARTINS42 que o interesse sério do
empregador não se basta com a intenção de acautelar cenários de conflito de interesses durante a vigência do contrato de trabalho, porquanto essas situações já se encontram restringidas ao trabalhador pela imposição do dever de não concorrência, enquanto afloramento do dever de lealdade para com o empregador, previsto no art. 128.º, n.º 1, alínea f), do CT.
Não obstante, defende este mesmo Autor, que, mediante a análise casuística da situação em apreço, e perante prova idónea do empregador, se poderá, eventualmente, admitir a aposição de uma cláusula de exclusividade num contrato de trabalho tendo em vista prevenir interesses puramente comerciais ou de mercado da empresa que, sem a previsão do exercício de funções, por parte do trabalhador, em regime de exclusividade, se poderia mostrar prejudicada pelo trabalhador que se encontrasse sujeito, somente, ao dever de não concorrência.
Veja-se também a posição assumida por ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ a este respeito, cujo entendimento vai no sentido de que apenas se pode proibir o exercício de actividades paralelas àquela que se encontra subjacente ao contrato de trabalho celebrado, quando tal proibição tenha como fundamento um interesse do empregador digno de protecção. Segundo este Autor, a exigência de uma fundamentação material para a restrição do desempenho de outras actividades profissionais remuneradas encontra assento na limitação resultante dos pactos de não-concorrência, sendo que a limitação que resulta dos pactos de exclusividade é mais intensa do que a que resulta daqueles, uma vez que dos pactos de exclusividade pode resultar a limitação ao trabalhador de outras actividades profissionais concorrentes com a do empregador, ou, numa vertente mais absolutista da exclusividade, o exercício de qualquer outra actividade ainda que não concorrencial com a da entidade empregadora.
42 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 8.
Em face do exposto, e não desconsiderando a excepção apontada por JOÃO ZENHA MARTINS43, pode concluir-se que o conceito de interesse sério e legítimo do empregador não se mostra de simples apreensão, como por vezes pode parecer, devendo este ser sempre analisado em linha com o cargo e com as funções a desempenhar pelo trabalhador a cargo da entidade empregadora, e se estas
exigem do trabalhador a sua total disponibilidade, sob pena de se desvirtuar o carácter excepcional do pacto de exclusividade.
2.1.2. O ónus da prova do interesse do empregador
A validade do pacto de exclusividade não se basta com a mera alegação de que o interesse do empregador que subjaz àquele pacto limitativo da liberdade de trabalho é sério e legítimo.
Com isto queremos dizer que a entidade empregadora que se queira fazer valer de um determinado “interesse”, por forma a proceder licitamente à limitação de direitos fundamentais do trabalhador a seu cargo, terá de fazer prova idónea dos interesses que pretende acautelar com a celebração de um pacto de natureza restritiva.
Neste sentido, veja-se o entendimento de JOÃO ZENHA MARTINS44, com o qual
concordamos pelos motivos acima expostos, segundo o qual “será o empregador que tem de provar que a dispersão por outras atividades põe em risco o desempenho profissional do trabalhador ou que, na falta de proibição legal, o exercício de outras atividades potencia dependências profissionais, económicas e financeiras suscetíveis de comprometer os requisitos postulados para o exercício da atividade objeto do contrato de trabalho (…) ou de afetar, com gravidade, a sua imagem e os interesses económicos subjacentes”.
Em face da ausência de qualquer presunção legal para o que se poderá entender como interesses do empregador dignos de protecção jurídica
43 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, Almedina, pág. 205.
44 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 9.
compreende-se que seja exigido à entidade empregadora que faça prova idónea do interesse que alega, uma vez que com a celebração de um pacto que tenha em vista vedar ao trabalhador a possibilidade de exercer mais do que uma actividade profissional remunerada, está-se a proceder à restrição de direitos laborais do trabalhador constitucionalmente consagrados, como os já explanados direito de trabalho, previsto no art. 58.º, n.º 1, da CRP e a liberdade na escolha da profissão, com reflexo no art. 47.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
De facto faz sentido que assim seja, pois, como refere ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO45, o direito de trabalho e a liberdade de trabalho enquadram-se na categoria dos direitos, liberdades e garantias, tal como resulta do art. 18.º da CRP, pelo que as restrições que lhes sejam impostas devem ser reduzidas ao mínimo e, sempre, com salvaguarda do seu conteúdo essencial, situação que encontra
reflexo nos direitos fundamentais que se pretende limitar com a aposição de uma cláusula de exclusividade no contrato de trabalho celebrado entre trabalhador e empregador.
Analogicamente falando, e tal como dispõe o art. 342.º, n.º 1, do CC “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
Em conclusão, no caso da cláusula limitativa da liberdade de trabalho aqui em causa, pretendendo a entidade empregadora apor uma cláusula de exclusividade ao contrato de trabalho celebrado, terá de fazer prova idónea da seriedade e legitimidade do interesse que alega como sendo suficiente para poder gozar de protecção jurídica do mesmo.
2.1.3. O conteúdo da limitação e o princípio da proporcionalidade
Tendo presente a ideia de que a limitação da liberdade de trabalho é, dentro de certos limites e mediante a verificação de determinados pressupostos, admitida, cumpre agora delimitar o conteúdo da limitação em causa.
45 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, 2.ª Edição, Almedina, 2009, pág. 155 e ss.
Recorde-se aquilo que temos vindo a afirmar ao longo da presente dissertação quanto à finalidade do pacto limitativo da liberdade de trabalho aqui em apreço: os pactos de exclusividade têm como propósito restringir a possibilidade de o trabalhador, que haja celebrado um contrato de trabalho com uma entidade empregadora, exerça outras actividades profissionais remuneradas, por conta própria ou por conta de outrem, para além daquela a que se encontra vinculado por força do contrato de trabalho.
A limitação que resulta da celebração de um pacto de exclusividade pode, como já tivemos oportunidade de ver a propósito das limitações convencionais ao pluriemprego, assumir uma de duas modalidades. Com efeito, por um lado a limitação resultante do pacto de exclusividade pode ter como finalidade, apenas, a proibição do exercício, por parte do trabalhador, de actividades paralelas quando estas se apresentem numa relação de concorrência com a actividade desenvolvida pela entidade empregadora. Por outro lado, os pactos de exclusividade podem assumir uma vertente mais restritiva da liberdade de trabalho do trabalhador, assim será quando por via da celebração de um pacto de exclusividade o trabalhador se encontre impedido de exercer qualquer outra actividade profissional, seja esta concorrencial, ou não, com a actividade do empregador.
Quanto à primeira modalidade, refere PEDRO FURTADO MARTINS46, que o pacto
de exclusividade assume-se mais como um pacto de não-concorrência para vigorar durante a vigência do contrato de trabalho, tendo este como objectivo garantir o cumprimento do dever de não concorrência que sobre os trabalhadores impende.
Na mesma linha de pensamento, e sob o argumento “ad maioris ad minus”, JOÃO ZENHA MARTINS47 refere que os pactos de exclusividade quando visem unicamente a proibição do exercício de actividades profissionais concorrentes por parte do trabalhador podem ser entendidos como “uma espécie de pactos de
46 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, Almedina, pág. 202.
47 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 17.
semi-exclusividade”, sendo, em última análise, reconduzidos ao conceito de pactos de exclusividade strictu sensu.
Por sua vez, a segunda modalidade de pactos de exclusividade supra referida apresenta uma função distinta, mais “absolutista”, no sentido em que se pretende com a celebração dum pacto daquele tipo limitar a possibilidade de o trabalhador vir a desenvolver toda e qualquer actividade profissional, independentemente desta actividade paralela estar, ou não, em concorrência directa com a actividade levada a cabo pela entidade empregadora.
Definido o conteúdo da limitação, importa atender à sua proporcionalidade face às funções assumidas pelo trabalhador ao abrigo do contrato de trabalho.
Neste sentido, e tendo presente que nos encontramos perante um tema sensível de limitação de direitos constitucionalmente previstos, compreende-se que a limitação a estes operada apenas o possa ser na estrita medida do necessário, tal como resulta da limitação dos direitos, liberdades e garantias que resultam do art. 18.º da CRP. Com efeito, e atentando no princípio da proporcionalidade, o trabalhador apenas poderá/deverá ser impedido de exercer outras actividades quando tal se mostre absolutamente necessário à prossecução e protecção dos interesses da entidade empregadora, os quais deverão ser, sempre, tal como anteriormente explanado, idoneamente comprovados pelo empregador.
Neste sentido, JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES48, que refere que “Parece poder
exigir-se (…) que a cláusula de exclusividade se justifique face à natureza das tarefas do trabalhador e seja proporcionada à restrição da liberdade fundamental de trabalho que a cláusula implica relativamente ao escopo legitimo que com ela é visado”.
Por fim, e no que a este ponto diz respeito, importa referir que a necessidade de adequar o conteúdo e o grau da limitação ao princípio da proporcionalidade, implica, também, que a restrição resultante do pacto de exclusividade não interfira com o foro privado da vida do trabalhador, sob pena de nulidade do pacto.
48 ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 631.
2.2. A compensação a atribuir ao trabalhador
A validade do pacto de limitação da liberdade de trabalho, na modalidade de pacto de exclusividade, depende da verificação de duas condições: da existência de um interesse sério e legítimo da entidade empregadora, supra analisado e, bem assim, da existência de uma compensação a atribuir ao trabalhador pela limitação imposta por aquele pacto.
Em regra apenas se procura aferir da existência da atribuição da compensação após o empregador ter feito prova bastante da seriedade e legitimidade do interesse de que se pretende fazer valer.
2.2.1. Fundamento
Recorde-se que a celebração de um pacto de exclusividade implica, sempre, uma autolimitação de direitos protegidos ao abrigo da CRP, o direito de trabalho e a liberdade de escolha da profissão, sendo que a autolimitação assumida irá ter repercussões ao nível da execução do contrato de trabalho que o trabalhador haja celebrado com o empregador.
Com efeito, e como refere JOÃO ZENHA MARTINS49, no ordenamento jurídico
francês, a Cour de Cassation chegou mesmo a entender estas cláusulas como cláusulas modificativas do contrato de trabalho, sendo que, caso o trabalhador entendesse não querer ou dever aceitar tais limitações impostas pela exclusividade, tal não poderia servir de base a um despedimento com justa causa. Quando o trabalhador aceita, livremente, exercer o seu cargo, e as funções a este inerentes, para o qual foi contratado pela entidade empregadora em regime de exclusividade, está-se a vedar ao trabalhador a possibilidade de angariação de meios de subsistência adicionais através da proibição do desenvolvimento de outras actividades profissionais remuneradas, isto é, impondo-se uma proibição de
o trabalhador exercer a sua actividade profissional em regime de pluriemprego.
49 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 21.
Assim, e com base nos efeitos que as limitações resultantes de um pacto de exclusividade têm na esfera do trabalhador, justifica-se que este seja recompensado através do pagamento de uma retribuição pecuniária adicional adequada e justa, a denominada “compensação”. No fundo, a compensação deverá ter por fim remunerar o trabalhador pela perda de rendimentos, que poderia auferir através do exercício de outra actividade profissional remunerada, derivada da limitação da sua actividade50.
Neste sentido, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ LEITÃO51, que perfilha o
entendimento de que o pacto de exclusividade “implica uma séria limitação à liberdade de trabalho, sendo por isso normalmente associado a um acréscimo retributivo”.
Na mesma linha de pensamento, PEDRO ROMANO MARTINEZ52, que chega
mesmo a denominar a compensação em causa de “subsídio de exclusividade” e PEDRO FURTADO MARTINS53 que justifica a necessidade de atribuição de uma compensação ao trabalhador pela “(…) restrição do direito a angariar meios de subsistência (…)”.
Mais refere ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ que “(…) a obrigação de exclusividade, ao implicar uma limitação à liberdade de trabalho que está para lá das obrigações legais impostas ao trabalhador, tem de ser acompanhada por uma compensação, que traduza um mínimo de tutela dos seus interesses, na sequência, aliás da previsão contida no anteprojeto do CT2003 (n.º 1do art.º 138.º)”.
Em conclusão, a atribuição de compensação ao trabalhador pela limitação da sua liberdade de trabalho comporta dois elementos: (i) um elemento de carácter preventivo de abuso de poder por parte da entidade empregadora, que ao não proceder ao pagamento de um acréscimo retributivo estaria a ignorar a limitação de direitos fundamentais assumida pelo trabalhador e (ii) um elemento de carácter
50 Veja-se a este respeito o exemplo avançado por ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, relativamente à carreira docente universitária, na qual, “(…) em associação à opção pela dedicação exclusiva, prevê um subsídio complementar para os professores e um subsídio de formação-investigação” para os assistentes (…)”.
51 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2012, pág. 327.
52 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 7.ª Edição, Almedina, 2015, pág. 665.
53 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, Almedina, pág. 205.
reparador do prejuízo, ainda que potencial, resultante da limitação da liberdade de trabalho do trabalhador.
2.2.2. O princípio da autonomia privada
Muito embora os pactos limitativos da liberdade de trabalho, em especial o pacto de exclusividade e o pacto de não concorrência, pressuponham a atribuição de uma compensação ao trabalhador pela limitação que deles resultam, tal não encontra reflexo na lei no que ao pacto de exclusividade diz respeito.
A ausência de previsão legal dos pactos de exclusividade mostra-se penosa em vários aspectos, em primeiro lugar porque o facto de inexistir uma regulação destes pactos na lei laboral gera uma situação de incerteza constante quanto à admissibilidade dos mesmos à luz do Direito do Trabalho e, também, porque a serem admissíveis, não existe nenhum preceito legal que preveja a obrigação de uma atribuição ao trabalhador vinculado por um contrato de trabalho com aposição de uma cláusula de exclusividade, de uma compensação pecuniária pelo desempenho das suas funções em regime de exclusividade.
Tal situação encontra reflexo no entendimento sufragado por JOÃO ZENHA MARTINS54, segundo o qual “(…) é quase sempre omitida a indicação de uma referência à prestação que se gera a cargo do empregador, podendo, no limite, sustentar-se a gratuitidade do acordo ou, por caminho similar, entregar-se um
eventual acréscimo retributivo à autonomia privada”.
A este respeito veja-se também PEDRO ROMANO MARTINEZ55, que, se por um lado advoga que a celebração de um pacto de exclusividade encerra em si uma obrigação implícita, a cargo do empregador, de compensação do trabalhador através do pagamento de um acréscimo retributivo, por outro lado também entende que nesta situação vigora o princípio da autonomia privada.
Entregue ao princípio da autonomia privada, a gratuitidade do pacto de exclusividade poderá, por hipótese, encontrar abrigo no regime que regula os
54 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 21.
55 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 7.ª Edição, Almedina, 2015, pág. 665.
pactos de permanência. Com efeito, neste tipo de pactos de limitação da liberdade de trabalho o trabalhador não recebe nenhuma compensação pela obrigação de permanência assumida, no sentido em que a contrapartida pela obrigação de permanência é o investimento que a entidade empregadora faz na formação profissional do trabalhador. Quanto a nós, não nos parece que esta analogia tenha cabimento à luz do Direito do Trabalho, uma vez que a limitação da liberdade de trabalho do trabalhador, ainda que voluntariamente assumida, merece de algum modo ser compensada.
Conforme referido, compreende-se que no âmbito do pacto de permanência inexista a obrigação de pagamento de um acréscimo retributivo por parte do empregador ao trabalhador que assumiu a obrigação de permanência na empresa, uma vez que o pacto de permanência, enquanto pacto oneroso e sinalagmático, importa, para além da obrigação de permanência a cargo do trabalhador, uma obrigação de investimento, mediante despesas comprovadamente extraordinárias, efectuadas pela entidade empregadora com a formação profissional do trabalhador.
Já não se compreenderá, contudo, que da celebração de um pacto de exclusividade apenas resultem obrigações para o trabalhador, in casu, a obrigação de exercer funções em regime de exclusividade para a entidade empregadora com quem haja celebrado um contrato de trabalho.
De facto, não nos parece viável que a entidade empregadora não sofra, pela assunção por parte do trabalhador a seu cargo de uma obrigação de exclusividade no exercício da sua actividade, um “agravamento” dos deveres que lhe cabem para com o trabalhador em regime de exclusividade. A entidade empregadora não pode, sem mais, sob pena de abuso de poder, impor ao trabalhador um pacto de exclusividade, através do qual o trabalhador passará, ao limitar a sua liberdade de trabalho, a ficar na total disponibilidade do empregador, sem que para o trabalhador, em função da limitação resultante do pacto de exclusividade, resulte uma compensação retributiva justa e adequada à limitação em causa.
Com efeito, não se pode equacionar um cenário em que o trabalhador que assumiu um compromisso, ainda que voluntariamente, que limita a sua liberdade
de trabalho seja, para efeitos de atribuição de remuneração pela actividade desempenhada, equiparado a um trabalhador que não celebrou um qualquer pacto de exclusividade. Como bem refere JOÃO ZENHA MARTINS56 para níveis de vinculação distintos não se poderá atribuir contraprestações idênticas57.
O pacto de exclusividade, a par com o pacto de permanência e com o pacto de não concorrência deverá, no nosso entender, assumir carácter oneroso, pelos motivos acima expostos.
Mais se atente, com relevância para este ponto, nos pactos de não concorrência, no âmbito dos quais, em função da obrigação de não concorrência post pactum finitum assumida pelo trabalhador, é atribuída ao trabalhador uma compensação pela limitação da sua liberdade de trabalho.
Este entendimento é amplamente aceite e perfilhado pela jurisprudência dos tribunais superiores, como se pode observar através da análise feita à Sentença do TRL, de 16 de Março de 201158, o qual determinou que “À luz dos princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade, é de considerar nulo o pacto de não concorrência, em que o montante da compensação fixada ao trabalhador não salvaguarda verdadeiramente os seus interesses no período em que se encontra claramente limitado no acesso ao mercado de trabalho, com a consequente perda de rendimentos, numa área em que a sua experiência e saber lhe poderiam proporcionar consideráveis proventos, e em que a dita compensação seria apenas recebível após o decurso do prazo de um ano, ficando o mesmo desprovido de qualquer rendimento àquele título (na vigência do referido pacto), numa altura em mais precisaria dele”.
Ora, numa lógica de pensamento, não faria sentido que o trabalhador fosse compensado por não exercer actividades concorrentes com a da entidade empregadora após a cessação do vínculo contratual que unia o trabalhador ao
56 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 23.
57 ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, a respeito da atribuição de uma compensação ao trabalhador pelo desempenho das suas funções em regime de exclusividade, dá o exemplo do regime dos contratos de trabalho dos profissionais de espetáculos, reforçando a ideia da união entre compensação adequada e o não exercício de outras actividades profissionais remuneradas, atribuindo carácter oneroso ao pacto de exclusividade.
58 Sentença do TRL, datada de 16 de Março de 2011, no âmbito do Processo n.º 5227/07.1TTLSB.L1.-4 (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
empregador, e não o fosse quando o trabalhador, na vigência do contrato de trabalho, autolimita a sua liberdade de escolha de profissão, direito constitucionalmente consagrado, passando a exercer apenas uma actividade profissional remunerada em regime de exclusividade. Recorde-se que o pacto de exclusividade pode assumir dois níveis de limitação: um em que do pacto apenas resulta a restrição do desempenho pelo trabalhador de outras actividades concorrentes com a da entidade empregadora enquanto o contrato de trabalho se encontrar em vigor, e outro em que a restrição resultante do pacto de exclusividade obriga a que o trabalhador não exerça, para além do vínculo assumido para com o empregador, quaisquer outras actividades paralelas remuneradas, sejam, ou não, concorrentes com a da entidade empregadora.
Assim, e em conclusão, ainda que a atribuição da compensação ao trabalhador pela assunção de uma obrigação de exclusividade não se encontre expressamente espelhada na lei, encontrando-se, assim, no âmbito da autonomia privada, do mesmo modo que não se encontra o próprio pacto de exclusividade, pelos motivos expostos tal não significa que sob o empregador não impenda um dever de compensar o trabalhador que vê a sua liberdade de trabalho restringida por um pacto de exclusividade.
2.2.3. A relação entre a atribuição de uma compensação ao trabalhador e o dever de lealdade
Cumpre ainda fazer uma breve comparação do dever a cargo do empregador de compensar o trabalhador pela limitação resultante do pacto de exclusividade com o dever de lealdade ínsito no CT.
O dever de lealdade encontra reflexo na lei laboral, no art. 128.º, n.º 1, alínea f), que dispõe que o trabalhador deve “Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios”.
Procurando, ainda, uma justificação para a ausência de atribuição de uma compensação ao trabalhador em face da celebração de um pacto de exclusividade, hipótese com a qual, como anteriormente referido, não concordamos, poder-se-ia ainda ponderar a exclusividade como um afloramento do dever de lealdade supra citado.
Não nos parece, contudo, que a exclusividade, na medida em que pressupõe a limitação da liberdade de trabalho do trabalhador, possa ser assumida como um simples “ramo” de uma árvore chamada dever de lealdade, porquanto a exclusividade, tal como acima definida, implica muito mais do que aquilo que o dever de lealdade acarreta.
Com efeito, e como bem refere, na nossa opinião, JOÃO ZENHA MARTINS59,
“reduzir a função do pacto de exclusividade a uma intensificação do dever de lealdade significa, por um lado, desatender à noção de interesse sério requerido para a validade dos pactos (…) e, por outro, desconsiderar que a proibição de exercício de atividades não concorrenciais a latere do contrato de trabalho não se cruza dogmaticamente com o dever de lealdade, visto que o incumprimento do pacto, operando com o exercício de atividade vedada ex ante, torna desnecessário qualquer juízo de valor acerca da deslealdade subjacente (…)”
Assim, e muito embora o dever de lealdade seja transversal ao Direito do Trabalho, não nos parece defensável que, tendo em vista justificar a ausência de atribuição de uma compensação ao trabalhador, se diga que a obrigação derivada de um pacto de exclusividade tão só representa um plus do dever de lealdade.
2.2.4. Modo de previsão do quantum da compensação e critérios da sua fixação
Perfilhando o entendimento segundo o qual aquando da celebração de um pacto de exclusividade se gera, na esfera da entidade empregadora, um dever de pagamento ao trabalhador de um acréscimo retributivo, cumpre agora aferir do
59 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 22.
modo de previsão do quantum da compensação, bem como dos seus critérios de fixação.
Neste sentido coloca-se a questão de saber se a compensação se enquadra no conceito de retribuição.
Cumpre, portanto, aferir daquilo que se pode definir como retribuição no âmbito do Direito do Trabalho, dispondo a esse respeito o art. 258.º, do CT que “Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”.
Assim, tendo presente o conceito supra, a resposta parece ser positiva, como refere JOÃO ZENHA ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, no sentido em que, uma vez que a remuneração aqui em causa resulta do acréscimo da disponibilidade do trabalhador para o desempenho das funções para as quais foi contratado pela entidade empregadora. Ou seja, a compensação não visa, somente, recompensar o trabalhador pela limitação da liberdade do trabalhador imposta pelo pacto de
exclusividade, ela assume-se mesmo como uma decorrência do aumento da disponibilidade da força de trabalho do trabalhador para com a entidade empregadora.
Deste modo, a retribuição poderá ser paga, nos termos do n.º 2 do preceito acima referido, em dinheiro ou em espécie.
Assumindo, ainda, que a compensação a atribuir ao trabalhador se compagina com o conceito de retribuição, aquela deverá seguir o regime previsto no CT para as garantias, conforme resulta do n.º 4 do referido art. 258.º.
Especificamente no que respeita à forma de cumprimento de compensações, estatui o CT, no art. 279.º, n.º 1, que “Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela”, o que se traduz numa garantia do trabalhador cuja limitação da liberdade de trabalho advém da celebração de um pacto de exclusividade.
60 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 27.
Numa fase seguinte importa atender ao modo de cálculo da compensação, a qual, como já vimos, se assume neste contexto dos pactos de exclusividade, como retribuição. Ora, se a autonomia privada no que toca aos pactos de exclusividade era total, quando se reduz a compensação ao conceito de retribuição, essa autonomia já não será absoluta, pelo que o valor a atribuir à compensação já não se encontrará na discricionariedade das partes, evitando-se, assim, situações de abuso de poder por parte da entidade empregadora, exigindo-se que a retribuição aqui em causa não perca o seu fim último: o de compensação.
Deste modo, compreende-se, em face da penosidade da limitação de direitos fundamentais assumida pelo trabalhador, que a compensação a atribuir seja adequada e justa, sendo o mesmo exercício feito aquando da fixação do valor da compensação a atribuir no âmbito dos pactos de não-concorrência.
A este respeito refere JOÃO ZENHA MARTINS61 que “(…) se na ausência de
fixação da contrapartida o pacto será nulo, não é, contudo, tarefa fácil fixar, em concreto, a quantificação do montante adequado ao sacrifício suportado pelo trabalhador”.
A dificuldade de determinação do quantum da compensação advém, uma vez mais, e tal como sucede com a generalidade da temática dos pactos de exclusividade, da ausência de previsão legal de critérios que tenham em vista a fixação deste montante. Assim, e em última instância, caberá aos tribunais, mediante a aplicação de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, em face da dimensão da limitação assumida através do pacto de exclusividade celebrado entre trabalhador e entidade empregadora, determinar o valor concreto a atribuir à compensação em causa.
3. O pacto de exclusividade e o trabalho a tempo parcial
Parece-nos pertinente, no âmbito da temática dos pactos de exclusividade, aferir da admissibilidade destes quando esteja em causa um contrato de trabalho
61 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 29.
a tempo parcial, sendo que este tipo contratual pressupõe que o trabalhador não exerça as suas funções a tempo inteiro.
Importa aqui ter presente a relação entre a redução do dito “tempo normal de trabalho” que resulta de um contrato de trabalho a tempo parcial e o conceito de interesse sério e legítimo da entidade empregadora.
A este respeito entende JOÃO ZENHA MARTINS62 que, muito embora não nos
encontremos perante uma situação em que o trabalhador desenvolva as suas funções a tempo inteiro e como tal, não obtenha os mesmos meios de subsistência de um trabalhador que se encontre no exercício das suas funções na integralidade do tempo, não parece haver justificação para que, com base nesse facto, se entenda que os pactos de exclusividade não têm aqui aplicação.
Com efeito, defende o Autor que, independentemente do tempo de trabalho, as funções exercidas por um trabalhador devem ser sempre pautadas por uma conduta de rigor e profissionalismo, com respeito pelos deveres que impendem sobre os trabalhadores, em especial o dever de não concorrência enquanto afloramento do dever de lealdade. Mais entende este Autor que o trabalho a tempo parcial deve ser incentivado e não o contrário, e que a existência deste não deverá, pois, justificar uma atenuação do dever de concorrência, o qual deve pautar qualquer que seja a relação laboral que se venha a estabelecer, actividade que deverá ser desenvolvida sempre segundo os ditames da boa-fé.
De facto, concordamos com o entendimento sufragado pelo Autor, não se compreendendo como se poderá equacionar um afastamento de princípios basilares que regem as relações laborais com base no argumento de que um horário de trabalho reduzido não se coaduna com uma proibição do trabalhador exercer outras actividades profissionais.
Muito embora se entenda que uma posição extremista quanto à (in)admissibilidade de um pacto de exclusividade no âmbito de um contrato de trabalho a tempo parcial possa ser contrária aos princípios e deveres que conformam a generalidade das relações laborais, há, também, que reconhecer
62 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 10 e ss.
algum mérito no propósito daquela posição, a qual tem como fim a protecção do trabalhador e dos seus direitos de obtenção de meios de sustento e liberdade de trabalho quando este haja celebrado um contrato de trabalho a tempo parcial.
Mas como já anteriormente referido, deverá não haver uma aniquilação total da possibilidade do exercício de funções em regime de exclusividade quando se esteja perante um contrato de trabalho a tempo parcial, mas sim aferir-se da legitimidade dos interesses do empregador que, devidamente por este comprovados, justificarão, ou não, a existência de um pacto de exclusividade, ainda que no âmbito de um contrato de trabalho a tempo parcial, bem como se as funções exercidas pelo trabalhador justificam a celebração de um pacto limitativo da liberdade de trabalho.
Atente-se neste aspecto nas sábias palavras de JOÃO ZENHA MARTINS63 “(…)
uma coisa é a aptidão do pacto para a protecção de interesses empresariais, e outra, que com esta não se confunde, é a proporcionalidade da obrigação gerada pelo pacto, que é atendida a partir da duração do trabalho subjacente, do montante compensatório atribuído ao trabalhador e da remuneração que este aufere”.
Em face do exposto, parece-nos, então, ser de admitir a existência de um pacto de exclusividade quando se esteja perante um contrato de trabalho a tempo parcial, desde que este se justifique à luz dos interesses sérios e legítimos do empregador e a limitação imposta seja proporcional às funções exercidas pelo trabalhador a cargo da entidade empregadora.
4. Da revogação e violação do pacto de exclusividade
No que respeita à revogação do pacto de exclusividade, e tendo presente que aquando da celebração deste o trabalhador procede a uma autolimitação dos seus direitos de personalidade, entende a maioria doutrinária que impera, neste contexto, o princípio da livre revogabilidade do pacto de exclusividade.
63 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ in Os Pactos de Exclusividade no Ordenamento Laboral Português: algumas notas, pág. 14.
De notar que, num cenário em que o pacto de exclusividade é tido como lícito, por verificadas as condições que depende a admissibilidade deste, quando o trabalhador decida pela revogação do pacto deve, nos termos da lei civil64, proceder ao pagamento de uma indemnização à entidade empregadora.
Veja-se a este respeito o entendimento de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO65
relativo à admissibilidade e consequente possibilidade de revogação da cláusula de exclusividade, considerando que esta será “(…) nula sempre que contrária à ordem pública – artigo 81.º/1 do CC (…) e mantem-se, sempre, revogável, pelo trabalhador, ainda que sob a cominação do n.º 2 do mesmo preceito: indemnizar os prejuízos causados às legitimas expectativas da outra parte”, in casu, o empregador.
Por outro lado temos a questão do incumprimento do pacto de exclusividade por parte do trabalhador. Com efeito, resulta do entendimento doutrinário66 que quando o trabalhador viole a sua obrigação de exercício das funções para as quais foi contratado em regime de exclusividade, designadamente pelo facto de ter iniciado o desenvolvimento de outras actividades profissionais, impendem sobre o trabalhador os princípios gerais da responsabilidade contratual previstos no art. 798.º do CC67.
Da violação do pacto de exclusividade equaciona-se, ainda, se poderá resultar o despedimento com justa causa nos termos do art. 351.º, n.º 1 do CT68, entendendo ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ que a
resposta a esta questão, sempre mediante uma análise do caso concreto, deverá ser positiva.
64 Art. 81.º, n.º 2 do CC, o qual versa sobre a limitação voluntária dos direitos de personalidade, dispõe que “A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte”.
65 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 551.
66 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2012, pág. 327.; ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 7.ª Edição, Almedina, 2015, pág. 659.
67 O art. 798.º do CC, sob a epígrafe “Responsabilidade do devedor”, determina que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
68 Sobre noção de justa causa de despedimento, dispõe o n.º 1 do art. 351.º do CT que “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Capítulo IV
O pacto de exclusividade noutros ordenamentos jurídicos
Entendemos que no âmbito da presente dissertação, particularmente dedicada aos pactos de exclusividade no ordenamento juslaboral português, importa, também, fazer uma breve alusão aos regimes previstos para os pactos de exclusividade noutros ordenamentos jurídicos distintos, designadamente os ordenamentos jurídicos espanhol e francês.
1. O pacto de exclusividade no ordenamento jurídico espanhol
No ordenamento jurídico espanhol prevê-se, à semelhança do ordenamento jurídico português, a liberdade de escolha de profissão, a qual se encontra prevista na Constitución Española, no art. 35.1, o qual dispõe que “Todos los españoles tienen el deber de trabajar y el derecho al trabajo, a la libre elección de profesión u oficio, a la promoción a través del trabajo y a una remuneración suficiente para satisfacer sus necesidades y las de su familia, sin que en ningún caso pueda hacerse discriminación por razón de sexo”.
Tendo presente o preceito supra citado, também no ordenamento juslaboral espanhol se entendem como admissíveis pactos limitativos da liberdade de trabalho do trabalhador, através do qual o trabalhador renúncia ao seu direito ao pluriemprego, seja através da celebração de pactos de não-concorrência seja através da celebração de pactos de exclusividade ou de “dedicación plena”.
Diferentemente do ordenamento juslaboral português, os pactos de exclusividade encontram do direito laboral espanhol reflexo no Estatuto de los Trabajadores, resultando, nomeadamente, do seu art. 21.1 que “No podrá efectuarse la prestación laboral de un trabajador para diversos empresarios cuando se estime concurrencia desleal o cuando se pacte la plena dedicación
mediante compensación económica expresa69, en los términos que al efecto se convengan”.
Como resulta da norma constante do Estatuto de los Trabajadores, também aqui o pacto de exclusividade pressupõe a atribuição de uma compensação ao trabalhador em face da limitação assumida por via da celebração de um pacto de exclusividade, não tendo, este, de assumir forma escrita.
Tendo em vista a revogação do pacto de exclusividade, este pode, à semelhança do regime português, ser revogado a todo o tempo pelo trabalhador, o trabalhador deverá, conforme resulta do artigo 21.3 do Estatuto de los Trabajadores, comunicar a sua intenção por escrito ao empregador, mediante um pré-aviso de 30 dias. Como consequência da revogação unilateral pelo trabalhador do pacto de exclusividade, o trabalhador ficará privado do pagamento da compensação a que tinha direito nos termos da lei supra citada.
2. O pacto de exclusividade no ordenamento jurídico francês
No ordenamento juslaboral francês os pactos de exclusividade têm sido também admitidos à luz do art. L 1121-1 do Code du Travail, o qual determina que “Nul ne peut apporter aux droits des personnes et aux libertés individuelles et collectives de restrictions qui ne seraient pas justifiées par la nature de la tâche à accomplir ni proportionnées au but recherché”.
Assim, e com base no preceito citado acima, a Cour de Cassation fixou no Acórdão datado de 11 de Julho de 200070, as condições de admissibilidade dos pactos de exclusividade, sendo os mesmos entendidos como lícitos, tal como no ordenamento juslaboral português, quando se verifiquem determinados requisitos.
69 Veja-se a este respeito a Sentencia del Tribunal Superior de Justicia de Cataluña, de 26 de marzo de 2010 (Rec. 8036/2008), segundo a qual “Es preciso recordar que lo que el pacto de plena dedicación excluye es la realización de actividades laborales lícitas durante la vigencia del contrato, ya que las ilícitas caen bajo la prohibición legal de la concurrencia desleal. Precisamente por ello el Estatuto exige que el sacrificio económico del trabajador que renuncia a otro u otros empleos concurrentes sea compensado con cargo al empresario. A tenor del art. 21.3 ET el trabajador puede revocar el pacto, perdiendo los derechos económicos inherentes al mismo, a partir de la misma” (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇▇▇▇.▇▇).
70 Cour de Cassation, Chambre Sociale, du Juillet 2000, 98-43.240, Publiéau au bulletin (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇)
Deste modo, também o Direito laboral francês exige para a validade dos pactos de exclusividade (i) a existência de um interesse sério e legítimo do empregador, (ii) que a limitação se justifique face ao cargo assumido e às funções desempenhas pelo trabalhador e, bem assim, que (iii) a limitação seja proporcional ao fim a prosseguir.
Daqui se retira que, no que diz respeito aos pactos de exclusividade no Direito Laboral francês, também este, em similitude com o sistema português, não completa uma norma expressa no Code du Travail que regule os pactos de exclusividade, encontrando-se, a admissibilidade destes, dependente de certos pressupostos, em parte compatíveis com os pressupostos exigidos pelo direito juslaboral português.
Capítulo V
Outros pactos limitativos da liberdade de trabalho – pacto de não- concorrência e pacto de permanência
No âmbito dos pactos limitativos da liberdade de trabalho, nomeadamente por uma questão de lógica sistemática do tema, não nos devemos limitar à análise do pacto de exclusividade sem mais. Assim, entendemos também adequado fazer, ainda que de modo breve, uma análise dos pactos que, a par com o pacto de exclusividade, integram o leque de pactos limitativos do direito fundamental da liberdade de trabalho. Referimo-nos, portanto, ao pacto de não-concorrência e ao pacto de permanência.
1. Pacto de não-concorrência
O pacto de não-concorrência, enquanto pacto limitativo da liberdade de trabalho, apresenta uma maior similitude com o pacto de exclusividade, designadamente ao nível dos pressupostos de que depende a sua validade – como seja a atribuição de uma compensação pela limitação imposta pelo pacto – motivo pelo qual iremos tratar deste pacto em primeiro lugar.
1.1. Noção e fundamentos
A liberdade de trabalho, prevista no art. 47.º da CRP, encontra reforço legal, no Direito do Trabalho, no art. 136.º, n.º 1 do CT. Com efeito, decorre deste último artigo que, após a cessação do contrato de trabalho não é permitido à entidade empregadora obstar ao livre exercício de actividades profissionais por parte do trabalhador que se encontrava a seu cargo.
A norma supra referida admite, contudo, excepções. Os pactos de não- concorrência são exemplo de uma das excepções admitidas, sendo estes enquadrados como pactos limitativos da liberdade de trabalho, admissíveis à luz do n.º 2, do art. 136.º do CT.
O pacto de não-concorrência têm em vista a limitação da liberdade de trabalho do trabalhador após a cessação do contrato de trabalho, pelo que não se confunde com o dever de não-concorrência resultante do art. 128.º, n.º 1, alínea f), do CT, o qual obriga o trabalhador, durante a vigência do contrato do trabalho, a abster-se da prática de actividades concorrenciais com a actividade da sua entidade empregadora.
O pacto de não-concorrência pretende, ao invés do dever de não-concorrência, vedar a possibilidade de o trabalhador exercer, post pactum finitum, durante um determinado período de tempo, actividades profissionais que se encontrem em concorrência com a actividade desenvolvida pela entidade empregadora, iniciando-se esta obrigação com a cessação do vínculo contratual, não relevando, para o efeito, a causa da sua extinção. Com efeito, a celebração de pactos deste tipo encontra razão de ser em factores de ordem diversa, designadamente pelo facto de o trabalhador que no âmbito do exercício das suas funções adquiriu determinado know-how e conhecimentos específicos da empresa, bem como pelo facto de ter estabelecido relações privilegiadas com clientes da empresa onde se encontrava inserido, o que “abre portas” a que – quando o trabalhador deixe de exercer funções para aquela empresa – possa proceder a um desvio da clientela tendo em conta o eventual exercício de actividade concorrente por parte do ex- trabalhador. Assim, estas situações concretas de perigo para a empresa justificam a aposição de cláusulas de não-concorrência em determinadas relações laborais.
Refere, ainda, PEDRO ROMANO MARTINEZ71 que o pacto de não-concorrência pode
assumir conteúdos distintos.
Mas a admissibilidade deste tipo de pacto limitativo da liberdade de trabalho não se encontra só na dependência da comprovação de uma situação concreta de perigo, carecendo da verificação cumulativa de outros pressupostos, os quais se encontram previstos no n.º 2, do art. 136.º do CT, que estatui que “É lícita a limitação da actividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, nas seguintes condições:
71 Veja-se a este propósito ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 7.ª Edição, Almedina, 2015, pág. 652 e ss.
a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste; b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador; c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional”.
Cumpre, assim, analisar individualmente cada um dos pressupostos por forma a aferir da validade dos pactos de não-concorrência72:
(i) A celebração do pacto de exclusividade implica a redução do mesmo a escrito, tal como decorre da alínea a), do n.º 2, do art. 136.º, do CT. Este tipo de cláusula pode ser, desde logo, incluída no contrato de trabalho, podendo, contudo, a sua estipulação resultar de uma alteração ao mesmo, por acordo entre as partes, assim como poderá resultar do respectivo acordo de revogação, encontrando-se o trabalhador sempre protegido ao abrigo do princípio da liberdade contratual que lhe assiste. O que não se permite é a aposição de uma cláusula deste tipo em instrumentos colectivos de trabalho, nem que a mesma resulte dos denominados “usos empresariais”. Sendo uma condição essencial de admissibilidade deste tipo de pacto, a sua não redução a escrito implicará a nulidade do pacto de não- concorrência73.
(ii) O segundo pressuposto, previsto na alínea b), do n.º 2, do art. 136.º, do CT, exige que, para que este tipo de pacto seja entendido como licito, a actividade profissional que o trabalhador possa vir a desenvolver após a cessação do contrato de trabalho se mostre danosa para a entidade empregadora. Com efeito, o prejuízo exigido pode resultar, nomeadamente do know-how e conhecimentos específicos que o trabalhador adquiriu no âmbito do desempenho das suas funções na empresa, ou das relações especiais que desenvolveu com a clientela desta última.
72 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2012, pág. 323 e ss.; ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 7.ª Edição, Almedina, 2015, pág. 652 e ss.; ▇▇▇▇▇▇▇, MARIA DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 243 e ss.
73 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2012, pág. 323 e ss.
(iii) Por último, e à semelhança do pacto de exclusividade, prevê-se na alínea c), do n.º 2, do art. 136.º, do CT a exigência de atribuição de uma compensação justa e equitativa ao trabalhador em virtude da limitação da liberdade de trabalho resultante da celebração de um pacto de não- concorrência. Esta compensação pode, contudo, ser reduzida em função da verificação de determinadas situações, como sejam as previstas no n.º 3 e n.º 4, do art. 136.º do CT74.
No que respeita à durabilidade do pacto de não-concorrência, este vigorará, à partida, por um período de dois anos após a cessação do vínculo laboral, sendo, contudo, permitida a extensão deste período para três anos, quando se verifique a situação prevista no n.º 5, do art. 136.º, do CT75.
Cumpre também determinar a amplitude geográfica da limitação resultante do pacto de não-concorrência, entendendo, a este respeito, JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES76 e PEDRO ROMANO MARTINEZ77 que a mesma será, à partida, geograficamente limitada, uma vez que “a restrição de atividade do trabalhador em todas as áreas pode não ter interesse, sempre que a empresa empregadora tenha um área limitada de implantação”.
Por último, e em similitude com o pacto de exclusividade, em caso de incumprimento do pacto de não-concorrência haverá lugar a responsabilidade contratual nos termos do já referido art. 798.º do CC, não se entendendo, contudo, como nulo o contrato de trabalho celebrado em violação do pacto de não- concorrência.
74 No que respeita à possibilidade de redução do quantum da compensação a atribuir ao trabalhador, dispõe o n.º 3, do art. 136.º do CT que “Em caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador, a compensação a que se refere a alínea c) do número anterior é elevada até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da actividade prevista na cláusula de não concorrência”, prevendo, ainda, o n.º 4 do mesmo artigo que “São deduzidas do montante da compensação referida no número anterior as importâncias auferidas pelo trabalhador no exercício de outra actividade profissional, iniciada após a cessação do contrato de trabalho, até ao valor decorrente da aplicação da alínea c) do n.º 2”.
75 O art. 136.º, n.º 5 do CT prevê que “Tratando-se de trabalhador afecto ao exercício de actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, a limitação a que se refere o n.º 2 pode durar até três anos”.
76 ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007.
77 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 7.ª Edição, Almedina, 2015, pág. 655.
2. Pacto de permanência
No âmbito da temática dos pactos limitativos da liberdade de trabalho importa, também, para além do pacto de exclusividade e do pacto de não-concorrência, ter em linha de conta o pacto de permanência, que, sob a égide de pressupostos distintos, também representa uma restrição da liberdade de escolha de profissão constitucionalmente consagrada.
2.1. Noção e fundamentos
A limitação à liberdade de trabalho do trabalhador pode também ser operada por meio da celebração de um pacto de permanência.
Este tipo de pactos limitativos da liberdade de trabalho encontra-se regulado no art. 137.º do CT, o qual determina que “As partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional”.
Este tipo de pacto pressupõe, nas palavras de JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES78,
que o trabalhador renuncie à possibilidade de “demissão livre”, ficando, assim, o trabalhador limitado no seu direito de denúncia previsto no art. 400.º do CT. Não fica, contudo, o trabalhador impedido de resolver o contrato de trabalho por justa causa, tal como previsto no art. 394.º do CT, cenário em que, por uma questão de lógica de pensamento, o trabalhador não terá de restituir os montantes despendidos pelo empregador com a sua formação profissional, tal como resulta de uma interpretação à contrario sensu do n.º 2, do art. 137.º do CT79.
78 ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 624.
79 O art. 137.º, n.º 2 do CT determina que “O trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do acordo previsto no número anterior mediante pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas”.
O pacto de permanência encontra-se, também ele, sujeito à verificação de determinadas condições de admissibilidade. Assim, para que um pacto de permanência seja tido como válido, o empregador deverá fazer prova idónea de que, com o trabalhador a seu cargo, despendeu quantias extraordinárias tendo em vista a sua formação profissional. No fundo, e como refere ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ DE MENEZES LEITÃO80, o pacto de permanência terá como finalidade a compensação
da entidade empregadora pelo seu investimento de carácter excepcional com a formação profissional do trabalhador, não tendo este tipo de pacto qualquer propósito de dificultar a cessação do vínculo laboral que une o trabalhador ao empregador.
Uma breve nota para o facto de que o investimento do empregador com a formação profissional do trabalhador dever traduzir um custo real e efectivo por parte do empregador, que não poderá, para este efeito, socorrer-se de fundos ou subsídios públicos81.
No que respeita à ausência do pagamento de compensação ao trabalhador, tal situação justifica-se pelo facto de a cláusula de permanência representar a contrapartida de um investimento, investimento esse que no fundo se pode, por analogia, comparar à existência de uma compensação, como sucede no pacto de exclusividade e no pacto de não-concorrência.
Relativamente ao momento da celebração de um pacto de permanência, entende a doutrina maioritária82 que esta não terá, obrigatoriamente, à semelhança do pacto de não-concorrência, de constar do contrato de trabalho inicialmente celebrado, podendo ser aposta durante o período de execução do mesmo. Com efeito, e ponderando bem o assunto, apenas fará sentido que o trabalhador limite a sua liberdade de trabalho através da celebração de um pacto
80 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2012, pág. 326.
81 ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 625.
82 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2012, pág. 325 e ss.; ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 7.ª Edição, Almedina, 2015, pág. 656 e ss.; ▇▇▇▇▇▇▇, MARIA DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 243 e ss.; ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 624 e ss.
de permanência quando a entidade empregadora proponha o investimento na formação profissional do trabalhador, de tal modo que a formação em causa importe o pagamento de “despesas extraordinárias”.
Por fim, e em caso de incumprimento, tal como sucede com o pacto de exclusividade e com o pacto de não-concorrência, o trabalhador ficará sujeito às regras da responsabilidade contratual ínsitas no art. 798.º do CC, não implicando a violação deste pacto a nulidade do contrato celebrado em violação daquele.
Capítulo VI Contrato de trabalho
1. Noção
Resulta do actual CT, designadamente do seu art. 11.º, a noção de contrato de trabalho, sendo, assim, este definido como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”83.
A noção de contrato de trabalho, tal como definida no CT, encontra acolhimento na definição constante do art. 1152.º do CC (regime geral) o qual, em comparação com a noção dada pelo CT, especifica que a actividade a prestar por uma pessoa se reconduz a uma actividade intelectual ou manual, que, na realidade, contribui para a definição daquilo que em que se pode traduzir o conteúdo da actividade do trabalhador. Deste modo, devem, assim, as definições do CT e do CC, as quais não se encontram em contradição, ser conjugadas.
A definição legal de contrato de trabalho, no ordenamento jurídico português, remonta ao primeiro Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, o qual foi aprovado pela Lei n.º 1952, datada de 10 de Março de 1937, sendo que tal noção constava do art. 1.º do referido Regime, o qual definia o contrato de trabalho como “(…) toda a convenção por força da qual uma pessoa se obriga, mediante remuneração, a prestar a outra a sua actividade profissional, ficando, no exercício desta, sob as ordens, direcção ou fiscalização da pessoa servida”. A noção antes citada transitou, com pequenas modificações, para o CC, no referido art. 1152.º, bem como para a LCT de 1966 e, posteriormente, para a LCT de 1969. Finalmente, a noção de contrato de trabalho foi mantida aquando da entrada em vigor do CT (constante do art. 10.º do código de 2003 e, subsequentemente, do art. 11.º, como supra referido, no código de 2009, actualmente em vigor)84.
83 Conforme resulta do disposto no art. 1153.º do CC, o contrato de trabalho está sujeito a legislação especial, a qual, no Ordenamento Português, é o CT.
84 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 17.
Tal como refere ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, a noção constante do art. 11.º do CT de 2009 optou por enfatizar a componente de “autoridade” em relação ao elemento “direcção” que constava da definição do art. 10.º do código de 2003. Acresce que o actual código em vigor faz referência ao facto de o contrato de trabalho dever ser executado por uma pessoa singular, o que se mostra revelador do carácter intuitus personae deste tipo contratual. Por último, e no que diz respeito às alterações que o código de 2009 trouxe, consta, ainda, agora, uma menção expressa ao facto de o trabalhador dever ser integrado da organização da entidade empregadora.
De referir que noutros ordenamentos jurídicos, como seja o Alemão, o Francês, o Italiano, o Brasileiro e mesmo o Espanhol, “a delimitação do contrato de trabalho não passa por uma definição legal o mesmo, mas por outros critérios, como a noção de trabalhador subordinado ou a referência à posição jurídica de dependência que ele ocupa no vínculo laboral”. Apenas o ordenamento Belga apresenta alguma similitude com o sistema Português, possuindo, assim, também um critério de delimitação do contrato de trabalho.85
Da noção de contrato de trabalho é possível identificar elementos considerados pela doutrina como elementos essenciais, sendo eles a actividade laboral a desenvolver pelo trabalhador, a retribuição (os quais são tidos como os elementos objectivos da relação contratual), bem como a colocação da pessoa singular, in casu o trabalhador, sob a autoridade e no âmbito da organização da entidade empregadora (que se traduz no elemento subjectivo do contrato de trabalho). Este último elemento, tal como referido pela generalidade da doutrina, é entendido mais vulgarmente como “subordinação jurídica”.
Ainda que de forma sucinta, cumpre concretizar os referidos elementos essenciais do contrato de trabalho:
(i) a actividade laboral é tida como o dever principal do trabalhador, uma vez que este, ao abrigo do contrato que celebrou, tem o dever de prestar uma actividade manual ou intelectual86. Esta actividade é, como refere ▇▇▇▇▇ ▇▇
85 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina,2010, pág. 19 e 20.
86 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 293 e ss.
▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, do ponto de vista da qualificação jurídica, uma prestação de facto positiva, porquanto importa uma conduta humana que visa a satisfação de necessidades de outrem. Do ponto de vista do cumprimento do contrato, a actividade laboral impõe uma actuação positiva do trabalhador, que se pode simplesmente traduzir pela simples disponibilidade do mesmo ao serviço do empregador. Por último a actividade laboral, do ponto de vista do seu conteúdo, deve ser heterodeterminada, devendo, pois, o conteúdo da actividade ser definido pela entidade empregadora. Quanto à actividade laboral enquanto elemento essencial do contrato de trabalho, recorde-se que tal actividade, pela própria natureza das coisas, sempre estará relacionada com o resultado, muito embora o resultado não seja, aqui, elemento essencial como já o é num contrato de prestação de serviços, como mais à frente teremos oportunidade de ver. Como bem refere ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ “(…) todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele”87,
entendimento que é amplamente acompanhado por ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ e ANTÓNIO BORGES DE CARVALHO88;
(ii)a retribuição é, no contrato de trabalho, consequência directa da disponibilidade da força de trabalho por parte do trabalhador, traduzindo-se, ainda, no dever principal do empregador, tal como resulta do art. 127.º, n.º 1, alínea b), do CT, o qual determina que “o empregador deve, nomeadamente: pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho”, sendo, como refere ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇▇,
qualquer forma de trabalho gratuito excluído do âmbito do contrato de trabalho89. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO90 refere, quanto a este elemento, que da perspectiva juridica, a retribuição caracteriza-se por ser uma prestação de dare, de conteúdo patrimonial, essencialmente
87 TELLES, ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Contratos Civis (Projecto completo de um titulo do futuro Código Civil Português e respectiva Exposição de Motivos), BMJ, 1959, pág. 165.
88 ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ E OUTROS in Comentário às Leis de Trabalho, Volume I, Lisboa, 1994, pág. 28.
89 ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, pág. 136.
90 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 26.
pecuniário e, bem assim, periódica. A retribuição é, também, entendida como a contraprestação pela actividade laboral exercida pelo trabalhador, o que revela a natureza sinalagmática do contrato de trabalho;
(iii) por fim, a inserção do trabalhador na organização do empregador e o poder de autoridade exercido por este sobre o trabalhador. Este elemento evidencia a relação de subordinação jurídica existente entre as partes, relação essa de desigualdade, uma vez que o trabalhador se encontra, perante o empregador, numa posição de inferioridade hierárquica, de dependência, enquanto o empregador se encontra na, diga-se, favorável, posição de entidade superior, dominante, que resulta, como bem refere ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ “da titularidade dos poderes laborais de direcção e de disciplina”91. A relação de subordinação jurídica que se estabelece entre empregador e trabalhador é, como entende a maioria da doutrina92 e, bem assim, da jurisprudência, o último e mais importante critério delimitador do contrato de trabalho em face de outras figuras, como seja o contrato de prestação de serviços. Esta relação de subordinação jurídica encontra expressão no CT, o qual contempla os deveres, tanto do empregador, como do trabalhador93. Em suma, e como refere ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, “O elemento chave de identificação do trabalho subordinado há-de (…) encontrar-se no facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria (…) o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empregador
– à autoridade deste (…) derivada da sua posição na mesma organização”94.
91 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pág. 30.
92 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 518 e ss.
93 Resulta do art. 127.º, do Código do Trabalho, os deveres do empregador como seja respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade; do art. 128.º resultam os deveres do trabalhador, com especial relevo, na presente dissertação, para o dever de lealdade previsto no n.º 1, alínea f), do referido artigo; por fim, do art. 129.º resultam as garantias do trabalhador, como seja a proibição do empregar obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho por parte do trabalhador.
94 ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, pág. 140.
2. Delimitação do contrato de trabalho
2.1. O método indiciário – subordinação ou autonomia?
A temática da delimitação do contrato de trabalho em face de outras figuras nem sempre se mostra de simples resolução. A verdade é que o trabalhador goza, no ordenamento jurídico português, de uma protecção legal elevada, o que, consequentemente, torna a extinção do contrato de trabalho, pelos limites então legalmente impostos, uma tarefa árdua para o empregador. Assim, e tendo presente esta ideia, a entidade empregadora, com vista a simplificar o processo laboral, tem vindo inúmeras vezes a proceder à contratação de pessoas fora do modelo típico do contrato de trabalho, dissimulando, mesmo, contratos de prestação de serviços.
Ora, muito embora vigore no Direito laboral privado o princípio da autonomia contratual, o qual permite às partes atribuir determinada qualificação ao contrato que visam celebrar, bem como estabelecer o conteúdo e regime do negócio, a verdade é que, e muito embora o nomem iuris atribuído pelas parte ao contrato apresente relevância quando se coloca uma situação de dúvida, refere ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ LOBO XAVIER que “Verdadeiros contratos de trabalho podem surgir encobertos com o titulo de contrato de prestação de serviço (…) e no seu clausulado ocultar-se a regularidade da retribuição por tempo, disfarçando-se os poderes de direcção, assegurando-se «no papel» a autonomia do servidor (…)” mas “entende-se geralmenteque o Ordenamento permite ao juiz integrar as situações reais no quadro cenceitual do contrato de trabalho, desconsiderando manipulações constantes do titulo do contrato (…)”95.
Deste modo, tanto a doutrina, e em especial a jurisprudência, tendo em vista a delimitação do contrato de trabalho, defrontam-se com inumeráveis dificuldades quando o tema é a qualificação contratual, pelo que, com o propósito de atingir
95 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 326., referindo, ainda, o Autor, que os tribunais, tendo em vista afastar situações fraudulentas, não se encontram, portanto, vinculados à qualificação contratual constante do titulo que documenta o contrato.
uma boa resolução da causa que lhe é submetida, recorre a indícios, que podem ser tanto internos, como externos ao negócio celebrado, uma vez que nem sempre a qualificação atribuída pelas partes ao contrato, bem como o seu clausulado, corresponde à relação material que se desenvolveu.
Neste sentido, os tribunais têm procedido à aplicação daquilo que se intitula de “método indiciário” tendo em vista aferir da existência de um cenário de autonomia ou de subordinação jurídica.
Como refere ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ XAVIER “No plano qualificativo, verificam- se na prática jurisprudencial três momentos distintos (…) primeiro, individualizam- se os indícios de subordinação em função de abstracta qualificação «contrato de trabalho»; no segundo, há uma concreta identificação para certificar na relação em causa a existência ou não desses indícios (…) finalmente, opera-se uma avaliação global desses indícios”.
A este respeito, atente-se no Acórdão do STJ, datado de 18 de Dezembro de 2008, quanto àquilo que podem ser considerados indícios internos e externos do contrato de trabalho, segundo o qual “Perante a dificuldade de prova de elementos fácticos nítidos de onde resultem os elementos caracterizadores da subordinação jurídica, deve proceder-se à identificação da relação laboral através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado, por modo a que possa concluir-se pela coexistência, no caso concreto, dos elementos definidores do contrato de trabalho. Os indícios negociais internos normalmente referidos são a existência de um horário de trabalho, a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da actividade, o tipo de remuneração, o pagamento de subsídio de férias e de Natal, o recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade e a integração na organização produtiva. Em relação aos indícios externos são, normalmente, atendidos o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador dependente ou independente, a sua sindicalização ou não, e a prestação da mesma ou idêntica actividade a outros beneficiários. Os referidos indícios têm, todavia, um valor relativo se individualmente considerados e devem ser avaliados através de um juízo global, em ordem a convencer, ou não, da existência, no caso,
da subordinação jurídica. Cabe ao trabalhador que invoca a existência de contrato de trabalho, como pressuposto dos pedidos que formula, o ónus de alegar e provar factos reveladores ou indiciadores da existência de contrato de trabalho, por se tratar de factos constitutivos do direito accionado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).”96
▇▇▇, também a doutrina97 enumera alguns dos indícios mais relevantes:
(i) a titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho, isto é, normalmente o facto de os meios de trabalho serem disponibilizados e pertencerem à entidade empregadora é um indício da existência de uma relação de subordinação jurídica;
(ii) a existência de um local de trabalho é também indicativo da presença de uma relação onde existe subordinação jurídica, pois as instalações onde o trabalhador irá desempenhar a sua actividade pertencem ao empregador;
(iii) o tempo de trabalho, uma vez que o trabalhador se encontra, aquando da existência de um contrato de trabalho, sujeito a um determinado horário laboral, o qual delimita a sua disponibilidade perante o empregador;
(iv) a modalidade de cálculo da retribuição, pois normalmente esta indicia que o cálculo da remuneração é feito em função do tempo que o trabalhador se encontra na disponibilidade da entidade empregadora;
96No presente Acórdão do STJ, datado de 18 de Dezembro de 2008, proferido no âmbito do Processo n.º 08S2314, foi decidida uma questão de qualificação contratual, tendo o mesmo concluído que “Não é possível concluir pela existência de um contrato de trabalho entre as partes, se o autor, ao abrigo do contrato que o vinculou à ré, fazia consulta jurídica a esta e aos seus associados, nas instalações e com o equipamento da ré, patrocinava judicialmente uma e outros em causas que surgissem, relacionadas com as suas actividades (fazendo-o, por vezes, a pedido da ré e na sequência de pressão do associado, mesmo que ao autor parecesse que as possibilidades de sucesso seriam muito reduzidas ou inexistentes), com acompanhamento administrativo feito pela ré, mediante contrapartida mensal fixa, que foi sendo actualizada ao longo dos anos, tendo o autor gozado um mês de férias, sendo a ré que distribuía pelo autor e restantes advogados o trabalho relativo às reclamações e impugnações judiciais das decisões das Repartições de Finanças, constatando-se, todavia, também, que o autor tinha períodos de presença na ré, mediante acordo prévio entre ambos, mas se não houvesse nenhum associado para atender, ou o atendimento terminasse antes do fim do período de consultas, o autor podia abandonar as instalações da ré, e o aumento de serviço, verificado a partir de data não apurada, levou a que o autor e restantes advogados da ré preparassem nos seus gabinetes particulares parte do serviço que prestavam àquela.” (▇▇▇▇▇▇▇ disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
97 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 335; ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pág. 41-44; ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 310-313.
(v) o resultado do trabalho é em regra um indício da existência de trabalho autónomo, pelo que, no que ao contrato de trabalho importa, o empregador assumirá o risco da não produção de resultado.
Existem, ainda, outros indícios que, caso a caso podem ou não ser entendidos como relevantes quando se trata de uma situação de qualificação contratual, como sejam a qualidade das partes, o facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço, a dependência económica, o regime fiscal e de segurança social a que o trabalhador se encontra sujeito, entre outros.
2.2. A presunção de laboralidade ínsita no CT
Para além dos indícios supra identificados, existe, ainda, no CT uma presunção de laboralidade, no art. 12.º, que surgiu, na sua versão originária, no CT de 2003, e que veio a ser alterada no CT de 2009, no qual se encontram elencados alguns indícios (local, pertença dos equipamentos de trabalho, horário, retribuição periódica certa e o desempenho de funções de direcção).
Mas desde já se refira, como faz ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, que “Os indícios (…) no art. 12.º (…) não esgotam todos os indícios relevantes para sinalizar a presença ou não de um contrato de trabalho, importando ainda todos aqueles que a jurisprudência tem relacionado”98.
Sucede que, não obstante o contrato de trabalho apresentar traços que, como anteriormente referido, se caracterizam como elementos essenciais do contrato de trabalho, inúmeras vezes o julgador depara-se com o que ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ denomina de “zonas cinzentas”, questão que tem vindo a ser amplamente discutida, não só a nível doutrinário, mas também a nível jurisprudencial, confrontando-se, também os nossos tribunais, com infinitas dificuldades quando o tema é a qualificação contratual, pelo que, neste sentido cumpre salientar a importância que a prova assume quando se está perante um cenário de qualificação.
98 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 350.
De onde se conclui, como o faz ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, que “Ocorrem hoje constantemente situações de extrema complexidade em que existem traços de autonomia e de subordinação, havendo que optar por uma ou outra modalidade de contrato na qualificação do negócio em causa”99
Ora, por mais vasta que seja a argumentação jurídica, é a demonstração da realidade dos factos alegados que será crucial para a boa decisão da causa. É a prova carreada para os autos que irá, indubitavelmente, fazer com que o julgador se sinta apto a decidir sobre os cenários mais duvidosos, porque, tal como se costuma dizer na linguagem popular, “contra factos [provados] não há argumentos”.
No que ao ónus da prova diz respeito, decorre do art. 342.º do CC que “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Recorde-se, neste âmbito a posição adoptada por ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, segundo a qual “a melhor doutrina era aquela que sustentava que os elementos constitutivos do contrato de trabalho tinham de ser provados por quem alegava a sua existência”100.
Sem prejuízo do regime geral, o regime especial aplicável aos contratos de trabalho, constante do CT, prevê uma presunção de laboralidade, no seu art. 12.º.
Deste modo, de acordo com a presunção de laboralidade ínsita no art. 12.º, do CT, “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade a outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.
99 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 321.
100 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Revista do Ministério Público, Qualificação contratual e presunção de laboralidade, n.º 97, ano 25.º, Janeiro-Março 2004, pág 90.
Da simples leitura do normativo supra citado, desde logo se retira que, para que se considere que estamos perante a presença de um contrato de trabalho, não é imperativo que todas as alíneas se encontrem preenchidas (a norma refere que apenas “algumas” das características se têm de verificar), em sentido contrário ao que sucedia anteriormente, quando a lei laboral, para que se verificasse a presunção de laboralidade, exigia que estivessem preenchidas, cumulativamente, todas as alíneas do n.º 1, do art. 12.º.
Assim, e sempre que o julgador considere verificadas, algumas, das características acima enunciadas, deverá considerar-se, à partida, tendo sempre presente que cada caso deve ser analisado em concreto, que estamos perante um contrato de trabalho.
O que na realidade deriva da comprovação, pelo trabalhador, de algumas das características previstas no artigo ora em análise, é um cenário de inversão do ónus da prova, tal como previsto no art. 344.º, n.º 1, do CC, passando então, deste modo, a caber ao empregador a prova da inexistência de contrato de trabalho.
Não obstante, não se cogite que o trabalhador, por gozar de uma “protecção” através de uma presunção legal de laboralidade, se encontra dispensado da obrigatoriedade de comprovação da realidade dos factos que alega (in casu a existência de um contrato de trabalho), bem pelo contrário, porque para que o trabalhador possa gozar da referida presunção, terá que demonstrar a realidade de alguns daqueles elementos, o que incontáveis vezes se revela um caminho bastante árduo de percorrer, ficando só então, posteriormente, e caso assim o julgador o entenda, desonerado da prestação de prova adicional.
Ainda que verificadas que estejam algumas das características constantes do n.º 1, do art. 12.º, o empregador poderá, ainda, fazer prova em contrário, visto que se trata de uma presunção ilidível, tal como prevê o art. 350.º, n.º 2 do CC, isto é, ainda que se tenha dado por verificada a presunção de laboralidade, o empregador pode vir demonstrar nos autos que o contrato em apreço não é um contrato de trabalho, designadamente por não se verificar, entre outros, o já explanado elemento fundamental da subordinação jurídica e sim uma situação de autonomia do trabalhador.
Recorde-se que as partes, aquando da celebração do contrato, podem atribuir- lhe a denominação que entenderem mais adequada à relação laboral que visam constituir. Sucede que, muito embora o nomen iuris atribuído pelas partes possa ser um elemento a ter em consideração quando se coloca uma situação de qualificação contratual, este não é vinculativo para o julgador, que deve atender a todas os factos e provas à sua disposição por forma a decidir, adequadamente, quanto à questão que lhe é dirimida. Com efeito, e como refere ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ “É em face da factualidade apurada que o juiz deve qualificar uma relação de actividade como de trabalho, tendo agora a ajuda de critérios expressos como os do art. 12.º (…)”101.
Assim, como já anteriormente referido, verificados que estejam alguns dos indícios de subordinação jurídica constantes do art. 12.º do CT, a par dos restantes elementos essenciais do contrato de trabalho (actividade laboral, retribuição), poder-se-á considerar que estamos perante um contrato de trabalho.
Por último, de referir como o faz MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO102, ainda
que exista esta presunção de laboralidade, o trabalhador pode fazer prova da existência de um contrato de trabalho directamente através do art. 11.º do CT, (situação que hoje raramente se verifica visto a flexibilização que a presunção sofreu com a alteração do CT em 2009), uma vez que o trabalhador pode não conseguir fazer-se valer dos indícios previstos no art. 12.º do CT.
2.3. A exclusividade enquanto indício do contrato de trabalho
O exercício da actividade em regime de exclusividade é, na opinião da maioria da doutrina e da jurisprudência, tido como um indício, normalmente considerado externo, da existência de um contrato de trabalho.
Quando o trabalhador desempenhar as suas funções em regime de exclusividade para com a entidade empregadora, isto é, não desenvolvendo este mais nenhum tipo de actividade profissional, concorrente ou não com a actividade
101 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 326.
102 ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pág. 49.
do empregador, pode denunciar a sujeição do trabalhador a poderes laborais e, nesse sentido, uma relação onde impera a subordinação jurídica103.
No mesmo sentido, veja-se a anotação ao art. 11.º do CT, por ▇▇▇▇▇ ▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, que refere que “(…) o método indiciário, refere que através dos índices de subordinação, é possível aferir se a relação é de trabalho ou se é autónoma. Constituem índices de subordinação (…) a existência ou não de exclusividade (…)104”.
Na mesma linha, o Acórdão do STJ, de 27 de Setembro de 2000, que refere que “(…) exclusividade da prestação do serviço – relativamente a um único empresário indica um contrato de trabalho (…)105”.
Em sentido diverso ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ MESQUITA106, que entende que a
exclusividade tanto pode configurar um indicio interno como externo.
Numa linha de pensamento distinta, refere ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ que “o facto de o prestador de serviço desenvolver a mesma ou idêntica actividade para diferentes beneficiários indicia uma independência, não enquadrável na subordinação da relação laboral. Mas a exclusividade não é uma característica d contrato de trabalho, nada obstando à existência do designado pluriemprego, em que o mesmo trabalhador é parte em diferentes relações laborais”107.
103 RAMALHO, MARIA DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pág. 43.
104 MARECOS, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇ in Código do Trabalho Anotado, 2.ª Edição, Coimbra editora, 2012.
105 Acórdão do STJ, de 27 de Setembro de 2000, proferido no Processo n.º 00S126 (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
106 Com efeito, este Autor explica que numa situação em que o trabalhador se vincule, através da celebração de um contrato de trabalho, a desempenhar a actividade somente para a entidade empregadora, estamos perante um indício de natureza interna da existência de um contrato de trabalho. Por outro lado, se a exclusividade no exercício de funções resultar apenas das circunstâncias, sem que se tenha firmado uma obrigação nesse sentido, a exclusividade figurará apenas como indicio externo de subordinação jurídica. ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, pág. 257.
107 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 313.
Capítulo VII
O contrato de prestação de serviços
O contrato de prestação de serviços, pela importância que reveste, na vida prática, e na presente dissertação, merece ser tratado num capítulo autónomo.
Com efeito, no presente capítulo, trataremos de compreender este tipo contratual, assim como os indícios que se mostram necessários aferir para se concluir, ou não, pela existência de um contrato de prestação de serviços.
1. Noção
O contrato de prestação de serviços, na acepção dada pelo art. 1154.º do CC, “é aquele em que umas das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
Ora, da simples leitura do preceito supra citado, e tal como nos diz ▇▇▇▇▇ DO ROSÁRIO ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇, no contrato de prestação de serviços está “envolvida uma prestação laborativa (o trabalho intelectual ou manual), que é, todavia, valorizada pelo resultado em que se traduz”108.
Decorre, também, do elemento literal daquela norma, que no contrato de prestação de serviços o prestador do serviço não se encontra sujeito a nenhum poder de autoridade, contrariamente ao que sucede no contrato de trabalho, inexistindo, assim, a característica da subordinação jurídica que tão bem personifica o contrato de trabalho.
Os contratos de prestação de serviços podem, segundo o art. 1155.º do mesmo código, assumir três modalidades, (i) a de mandato, (ii) depósito e (iii) empreitada, (sem prejuízo dos contratos de prestação de serviços atípicos, regendo-se, estes últimos, pelo regime aplicável ao mandato) encontrando-se os seus regimes legais previstos, também, no CC.
108 RAMALHO, MARIA DO ROSÁRIO PALMA in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina,2010, pág. 59.
Sucintamente, cumpre, neste âmbito, fazer uma breve referência às modalidades contratuais supra enunciadas:
(i) relativamente ao mandato, e tal como resulta do artigo 1157.º do CC, “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra”.
O mandato, revestindo uma modalidade de contrato de prestação de serviços, pode então ser gratuito ou oneroso, conforme resulta do art. 1158.º do mesmo código, existindo, contudo, uma presunção de gratuidade, excepto quando os serviços em causa sejam prestados no âmbito da profissão do mandatário, cenário em que o mandato se presume oneroso. Desde já se refira que seja qual for a modalidade que o contrato de mandato venha a assumir, a ausência de subordinação jurídica é sempre constante, facto que permite, numa primeira análise, fazer a distinção entre do mandato, enquanto contrato de prestação de serviços, do contrato de trabalho.
(ii) por sua vez, o contrato de depósito, o qual se traduz, conforme referido, numa das possíveis modalidades de contrato de prestação de serviços, é entendido, nos termos do art. 1185.º do CC, como aquele “pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida”. À semelhança do mandato, o contrato de depósito pode ser gratuito ou oneroso. Neste tipo contratual impera também a ausência de poderes de autoridade e de direcção por parte do depositante. De facto, a ausência deste tipo de poder mostrar- se-á, aquando do exercício de qualificação contratual, de uma relevância extrema, uma vez que as diferenças entre este tipo contratual e um contrato de trabalho, cuja actividade a desenvolver pelo trabalhador seja a guarda de uma determinada coisa, são bastante ténues.
Tendo, ainda, presente as características gerais dos contratos, cuja aplicabilidade se estende, evidentemente, ao contrato de trabalho, pode ainda referir-se que o contrato de trabalho, ao ser entendido como um
contrato não-real, distingue-se do contrato de depósito, uma vez que este se reveste de natureza real quod constitutionem, pois importa, neste tipo de contrato, a entrega da coisa que irá ser guardada. Com efeito, o trabalhador, cuja actividade se reconduzisse à guarda de uma coisa, ficaria sujeito a essa posição pela mera celebração do contrato de trabalho, independentemente da entrega da coisa em causa.
(iii) por fim, e no que aos contratos de prestação de serviços típicos diz respeito, resulta do art. 1207.º do CC que a empreitada “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. Tal como resulta do normativo citado, a empreitada é sempre onerosa, por oposição ao contrato de mandato e de depósito, os quais podem assumir a vertente de gratuidade, uma vez que a realização de uma obra implica a fixação e consequente pagamento de um preço.
Na verdade, o contrato de empreitada, de entre os contratos de prestação de serviços previstos no art. 1155.º do CC, é o contrato que mais dificuldades suscita quando se trata de delimitar um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviços, no sentido em que muitas vezes é celebrado um contrato de empreitada, em detrimento de um contrato de trabalho, pelo facto de a empreitada apresentar os mesmos efeitos práticos resultantes daquele.
Ainda a respeito da definição de contrato de prestação de serviço e, bem assim, das modalidades que este pode assumir, refere ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ CORDEIRO109 que, em Direito, a prestação de uma actividade é definida como a prestação de um serviço, pelo que, tendo presente esta ideia, entende o referido Autor que o
artigo 1155.º do CC, referido no ponto anterior, peca por defeito, por nele não incluir aquela que, nas suas palavras, representa a prestação de serviços com maior relevo no ordenamento jurídico português, o trabalho subordinado (v.g. contrato de trabalho).
109 ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ in Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, pág. 15, 1.
Efectivamente, no CC de 1966, actualmente em vigor, o contrato de trabalho não integra o leque dos contratos de prestação de serviços, contrariamente ao que sucedia no CC de 1867110.
Do exposto resulta, então, que no contrato de prestação de serviços o prestador de serviços é livre na sua actuação profissional, não se encontrando, assim, sujeito a um qualquer poder de autoridade característico do contrato de trabalho. O facto de não existir sujeição a poderes de autoridade significa, por outras palavras, a ausência de subordinação jurídica, que, como entende a generalidade da doutrina e, bem assim, da jurisprudência nacional, é o ponto distintivo essencial entre um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviços. Com efeito, no contrato de prestação de serviços o prestador de serviços não se encontra adstrito a nenhum dever de obediência perante uma entidade empregadora.
Uma pequena nota para frisar que a autonomia que caracteriza o contrato de prestação de serviços não se confunde com a autonomia técnica de que os trabalhadores subordinados também gozam, ainda que a actividade por si desempenhada se encontre sujeita a poderes de autoridade e direcção por parte do empregador. Na verdade, a autonomia técnica decorre da natureza das funções ou das habilitações profissionais do trabalhador.
Mais se conclui que enquanto o contrato de trabalho pressupõe a prestação de uma certa actividade, o contrato de prestação de serviços pressupõe a obrigação de proporcionar um determinado resultado. A este propósito referem ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ TOMÁS111 que “esta distinção tem a ver com a diferença entre prestação ou obrigação de resultado e a prestação ou obrigação de meios”.
Não se olvide, contudo, tal como refere sabiamente INOCÊNCIO ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, que (i) uma actividade produz sempre um resultado, (ii) um resultado pressupõe sempre a prestação de uma actividade, (iii) o resultado pode revestir-se de extrema importância quando se proceda à delimitação da actividade a prestar e
110 O Código Civil de 1867 foi o primeiro código português a regulamentar o contrato de trabalho subordinado.
111 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ in Lições de Direito do Trabalho, A Relação Individual de Trabalho, 4.ª Edição Revista e Ampliada, Almedina, 2016, pág. 37.
(iv) um contrato de prestação de serviços pode ter como objecto a prestação de uma actividade (v.g. médicos e advogados)112.
A partir desta ideia que contrato de prestação de serviços, cumpre, então, compreender quais os indícios que podem levar o intérprete a concluir, ou não, pela existência de um contrato de prestação de serviços em detrimento de um contrato de trabalho.
2. Indícios do contrato de prestação de serviços
Tal como já anteriormente referido, no ordenamento juslaboral português, as partes, aquando da celebração de um contrato, são, ao abrigo do princípio da liberdade contratual ínsito no art. 405.º do CC, livres de lhe atribuírem o nomen iuris que entendam mais adequado à relação laboral que visam constituir com a celebração daquele contrato. Às partes é também conferida a liberdade de estipulação do conteúdo do contrato e de aposição de quaisquer cláusulas que considerem pertinentes.
Sucede que, e como refere ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ AMADO “os contratos são o que são, não são o que as partes dizem que são”113. Assim, em prol da primazia do princípio da realidade, cabe aos tribunais, por forma a dirimir correcta e justamente das questões que lhes são submetidas, analisar todos os indícios existentes, tendo em vista a constatação de se se está perante uma realidade de subordinação ou de autonomia laboral.
No mesmo sentido veja-se o Acórdão do STJ, de 10 de Novembro de 2010114, o qual refere, numa situação que cabia delimitar a existência, ou não, de um contrato de trabalho, que “o nomen iuris que as partes deram ao contrato (…) e o facto das cláusulas nele inseridas se harmonizarem com o contrato de prestação de serviço, não sendo decisivos para a qualificação do contrato, não deixam de
112 TELLES, ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, in Contrato de Trabalho, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 63, 1959, pág. 165.
113 AMADO, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇ in Contrato de Trabalho, À Luz do Novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pág. 68.
114 Acórdão do STJ, de 10 de Novembro de 2010, proferido no âmbito do Processo n.º 3074/07.0TTLSB.L1.S1 (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
assumir especial relevo, uma vez que a vontade negocial assim expressa no documento não poderá deixar de assumir relevância decisiva na qualificação do contrato, salvo nos casos em que a matéria de facto provada permita concluir, com razoável certeza, que outra foi realmente a vontade negocial que esteve subjacente à execução do contrato”.
Assim, do mesmo modo que para os tribunais aferirem da existência de um contrato de trabalho se socorrem, em regra, do já explanado método indiciário, o qual contempla indícios tanto internos como externos do negócio jurídico celebrado, também aqui cumpre à jurisprudência analisar os factos do caso concreto por forma a entender se estes constituem indícios da existência, não de um contrato de trabalho, mas de um contrato de prestação de serviços.
Analisemos então os elementos indiciadores da existência de um contrato de prestação de serviços genericamente fixados pela doutrina:
(i) mais relevante e comummente utilizado do que qualquer outro indício que possamos mencionar, apresenta-se a (ausência de) subordinação jurídica. Com efeito, e tal como anteriormente explanado, no contrato de prestação de serviços o prestador de serviços não se encontra sujeito a poderes de autoridade e direcção da entidade empregadora, contrariamente ao que sucede no âmbito do contrato de trabalho;
(ii) conforme, também, já referido, resulta manifesto que no contrato de prestação de serviços o prestador de serviços se encontra perante uma obrigação de prestação de um resultado e não à prestação de uma actividade;
(iii) no que à titularidade dos meios de produção diz respeito, quando se haja celebrado um contrato de prestação de serviços, os meios produtivos e instrumentos de trabalho pertencem, em regra, ao prestador do trabalho;
(iv)se o prestador de serviços exerce os serviços para que foi contratado em instalações que sejam da sua propriedade, tal manifesta a existência de alguma autonomia, pelo que quando se verifica esta situação poderemos estar, à partida, perante um contrato de prestação de serviços;
(v) no que ao tempo de trabalho concerne, por oposição ao que sucede quando nos encontramos sob a égide de uma entidade empregadora que sobre nós exerce poderes de autoridade, no trabalho autónomo o prestador de serviços não se encontra sujeito a um qualquer horário de “expediente”, encontrando-se a gestão do tempo que despende, com a prestação dos serviços, a cargo daquele;
(vi)também a maneira como se procede ao cálculo da remuneração diverge do modo como tal se processa quando haja um contrato de trabalho. Recorde- se que, em regra, o contrato de prestação de serviços pode ser, ou não, oneroso, não se pressupondo, assim, a exigência de uma retribuição por oposição às relações laborais subordinadas. Sendo oneroso, a retribuição será determinada em função do serviço efectivamente prestado ou do resultado atingido;
(vii) quando um trabalhador exerça o seu trabalho com autonomia e se obrigue à prestação de um determinado resultado, é este que suportará o risco inerente a uma eventual falha na prestação do serviço para que foi contratado.Tendo sido acordada uma certa remuneração, esta poderá não ser paga que o prestador de serviços não atingir o resultado a que se propôs115;
(viii) quando o prestador de serviços tenha outros trabalhadores a seu cargo, tal situação poderá ser reveladora da existência de um contrato de prestação de serviços;
(ix)o regime tributário e o regime de Segurança Social a que o trabalhador autónomo se encontra adstrito é evidentemente distinto daqueles que se aplicam aos trabalhadores por conta de outrem. Assim, caso o prestador de serviços passe, pelo trabalho prestado, um denominado “recibo verde” e, bem assim, descontar para a Segurança Social nos termos legalmente definidos para os trabalhadores independentes, estamos perante elementos que indiciam a existência de um contrato de prestação de serviços;
115 ▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Almedina, pág.128.
(x) relativamente à ausência de integração do trabalhador no seio da organização empresarial, tal situação aponta no sentido da inexistência de um contrato de trabalho;
(xi)por fim, temos o indício da exclusividade, o qual reveste, para nós, especial importância. Com efeito, e como resulta da maioria doutrinária e jurisprudencial, um contrato de prestação de serviços não comporta a componente da exclusividade, encontrando-se o prestador de serviços livre para exercer, para além da prestação de serviços a que se propôs, outra qualquer actividade profissional remunerada. Mas quanto a este ponto retomaremos mais adiante.
Recorde-se, a este respeito, como foi já oportunamente referido no ponto 2.1. relativo ao método indiciário no contrato de trabalho, que por regra a jurisprudência tende a diferenciar os indícios supra enunciados entre indícios internos e externos.
Veja-se, neste sentido, o Acórdão do STJ, datado de 12 de Novembro de 2015, o qual na sua fundamentação cita um Acórdão anteriormente proferido, também pelo STJ, datado de 9 de Fevereiro de 2012, o qual passamos também a citar a propósito dos indícios internos e externos, tendo este referido que “Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da
actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização)”.
Não se olvide, contudo, como refere ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES116, que a
análise a ser feita aos elementos indiciários supra referidos deve ser feita numa perspectiva de globalidade, uma vez que cada um dos índices apenas apresenta um valor relativo.
3. A exclusividade enquanto indício do contrato de prestação de serviços
Tal como temos tido oportunidade de verificar ao longo da presente dissertação, os pactos de exclusividade são genericamente associados ao contrato de trabalho, designadamente pelo facto de a própria natureza do contrato de prestação de serviços, de trabalho autónomo, não se coadunar com um vínculo como o gerado pela celebração de um pacto de exclusividade.
De facto, e em linha com a maioria do entendimento doutrinário e jurisprudencial, parece-nos apenas fazer sentido um pacto de exclusividade no âmbito de um contrato de trabalho e não num contrato de prestação de serviços.
Observe-se a este respeito o ▇▇▇▇▇▇▇ do STJ, de 2 de Agosto de 2011117, segundo o qual “a cláusula de exclusividade aposta num contrato implica que o obrigado assuma uma prestação a favor de outrem, sem possibilidade de coexistência de vínculos da mesma natureza”.
Com efeito, o contrato de prestação de serviços surge sempre associado a uma ideia de liberdade de trabalho plena, em que o prestador de serviços exerce livremente a sua profissão, sem imposição de poderes de autoridade, leia-se subordinação jurídica, sem horários, encontrando-se, apenas, vinculado à obrigação de alcançar um determinado resultado.
116 ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 145.
117 Acórdão do STJ, datado de 2 de Agosto de 2011, proferido no âmbito do Processo n.º 954/07.6TBVFX.L1.S (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
Neste sentido o Acórdão proferido pelo STJ, em 3 de Setembro de 2017118, “Numa autonomia perfeita do seu tempo e do modo de exercício das suas funções, em que se obrigava à prestação desse resultado: a limpeza de espaços, fazendo-o da forma que considerava mais adequada e com plena liberdade”. Conclui-se nesta decisão pela inexistência de um contrato de trabalho, entre outros, pelo facto de não se verificar o exercício das referidas funções em regime de exclusividade.
Ainda assim, há doutrina, como a de PEDRO ROMANO MARTINEZ119, que defende
que a exclusividade não se apresenta como característica do contrato de prestação de serviços como também entende que não o é do contrato de trabalho, sendo, assim, perfeitamente lícito ao trabalhador o exercício de actividades paralelas à celebrada mediante contrato de trabalho.
Também o entendimento de ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇, a este respeito, vai em sentido um pouco diverso da maioria da doutrina, ao afirmar que “Quando a exclusividade é meramente factual, embora se trate do mais significativo dos indícios externos, ainda assim não se lhe deve conferir demasiada relevância, porque o pluriemprego é bastante comum, principalmente quando o trabalho é a tempo parcial e, por outro lado, um prestador autónomo de serviço pode ter apenas um credor”120.
Atente-se no interessante caso da Sentença proferida em 1.ª Instância, pelo TRP, em 14 de Março de 2016121, a qual entendeu que “O estabelecimento de uma cláusula de exclusividade, impedindo o alegado prestador de serviços de desenvolver qualquer outra actividade remunerada, por conta própria ou alheia, mesmo que não em concorrência, conjugado com o facto do exercício de funções ocupar o prestador a tempo inteiro, constitui um indício muito relevante para a qualificação, na medida em que exclui qualquer outra possibilidade da força de trabalho beneficiar da protecção laboral, do mesmo passo que revela uma
118 Acórdão do STJ, de 3 de Setembro de 2017, proferido no âmbito do Processo n.º 254/14.5T8MTS.P1.S1 (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
119 ▇▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 313.
120 MESQUITA, ▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ in Direito do Trabalho, Associação Académica da Faculdade de Lisboa, 2003, pág. 257.
121 Sentença do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Março de 2016, proferida no âmbito do processo n.º 237/14.5T8MTS.P1 (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
dependência económica absoluta do alegado prestador que se torna num elemento particularmente relevante da qualificação jurídica”, tendo concluído pela existência de um contrato de trabalho, ainda que as partes tivessem celebrado um contrato de prestação de serviços.
Posteriormente, e já em sede de Recurso veio o STJ, através da recente decisão materializada no Acórdão de 1 de Dezembro de 2017122, fundamentar, em sentido diverso, que “Nada obsta a que um contrato, celebrado por um “Inspetor Pré-Embarque” com uma empresa para o efeito contratada pelo importador, no qual o Inspetor se obriga, durante a vigência do contrato, a não prestar serviços ou trabalho subordinado a qualquer outra entidade singular ou coletiva, pública ou privada, que impeça a normal execução do contrato, que, para exercer a sua atividade, tem que se deslocar, em viatura própria, aos locais indicados pela empresa contratada, depois de esta ter combinado o agendamento do dia e hora da realização da inspeção com o importador, que usa os instrumentos de trabalho por ela fornecidos e aufere remuneração variável, em função das inspeções efetuadas, bem como o pagamento das deslocações superiores a 150/Km, contra a emissão de um recibo, modelo 6, artigo 115º do CIRS, e que cumpre as normas e os regulamentos de Angola respeitantes às importações em causa, seja qualificado como um contrato de prestação de serviço desde que os índices que o prognosticam sejam mais relevantes do que aqueles que sugerem que o seja como contrato de trabalho”.
No que há possibilidade de admitir a exclusividade como um indício da existência de um contrato de prestação de serviços concerne, assumiu este aresto a hipótese da existência de um contrato de prestação de serviços ao qual esteja associado um regime de exclusividade.
Daqui se conclui que a questão não é, ainda hoje, pacífica, quer a nível doutrinal como jurisprudencial, sendo que, a grande maioria se inclina no sentido de o regime de exclusividade surgir no âmbito do contrato de trabalho e não no contrato de prestação de serviços.
122 Acórdão do STJ, datado de 1 de Dezembro de 2017, proferido no âmbito do Processo n.º 237/14.5T8MTS.P1.S1 (disponível em ▇▇▇.▇▇▇▇.▇▇).
Capítulo VIII Nota conclusiva
Após uma análise exaustiva dos pactos de exclusividade no ordenamento juslaboral português, assim como da importância que estes assumem para efeitos de delimitação do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços cumpre reter algumas ideias essenciais, tendo as nossas conclusões como propósito apresentar uma síntese da presente dissertação, bem como deixar assente o nosso entendimento quanto ao tema ora em apreço.
Resulta da análise efectuada que o pacto de exclusividade se traduz numa restrição à liberdade de trabalho do trabalhador vedando, assim, a possibilidade de o trabalhador exercer outras actividades profissionais remuneradas, por conta de outrem ou em regime de trabalho independente, quer estas se encontrem, ou não, em concorrência com a actividade desenvolvida pela entidade empregadora.
Assim, e embora seja pacífico, ao nível da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores, o entendimento sobre os pactos de exclusividade, a verdade é que estes não se encontram reflectidos na legislação laboral portuguesa, designadamente no CT, o qual regula outro tipo de pactos limitativos da liberdade de trabalho, como seja o pacto de não-concorrência e o pacto de permanência, sobre os quais também tivemos oportunidade de nos debruçar, ainda que sucintamente.
Em regra, é permitido aos trabalhadores o exercício de mais do que uma actividade profissional remunerada, seja por conta de outrem ou por conta própria, conquanto que o exercício de actividades paralelas não contenda com o dever de não-concorrência ínsito no art. 128., n.º 1, alínea f) do CT, enquanto afloramento do dever de lealdade que sobre a generalidade dos trabalhadores impende.
Recorde-se, pois, que a liberdade de trabalho se encontra plasmada no art. 47.º, n.º 1 da CRP, na categoria dos direitos, liberdades e garantias, tal como resulta do art. 18.º da Lei Fundamental, pelo que a limitação de um direito constitucionalmente consagrado apenas o deverá ser dentro da medida do estritamente indispensável.
Assim, quando as partes numa relação laboral decidam pela celebração de um pacto de exclusividade – não se descartando que o desempenho de funções em regime de exclusividade para o empregador resulta de uma limitação voluntária dos direitos de personalidade do trabalhador por iniciativa deste – enquanto pacto limitativo de um direito laboral constitucionalmente consagrado compreende-se e concorda-se que a utilização deste tipo de pacto assuma natureza excepcional, apenas devendo ser aposta uma cláusula de exclusividade aos contratos de trabalho quando os interesses da entidade empregadora, devidamente por esta comprovados, assim o justifiquem.
No que respeita ao conteúdo da limitação, recorde-se que os pactos de exclusividade podem assumir duas modalidades: uma modalidade em que apenas se visa impedir o exercício, por parte do trabalhador, de actividades que contendam com a actividade desenvolvida pelo empregador, e outra modalidade em que com o pacto de exclusividade se visa garantir a total disponibilidade do trabalhador, encontrando-se este impedido de exercer toda e qualquer forma de trabalho paralelo. Não se olvide, também, a necessidade de adequação do conteúdo e do grau da limitação ao princípio da proporcionalidade, o qual é transversal a todo o ordenamento jurídico.
Acresce que, pelos efeitos que este tipo de pacto produz na esfera do trabalhador, se concorda com o entendimento segundo o qual – depois de verificada a seriedade e legitimidade dos interesses do empregador, que deve fazer prova idónea dos mesmos – deverá ser atribuída uma compensação ao trabalhador tendo em vista a reparação do prejuízo causado pela impossibilidade de exercício de actividades profissionais remuneradas em regime de pluriemprego.
Também no que respeita ao tema da atribuição da compensação nos deparamos com um vazio legal, que, não obstante, não deve ser entregue sem mais à autonomia privada sob pena de se criarem cenários de abuso de poder por parte da entidade empregadora. Do mesmo modo, em face da ausência expressa de critérios de fixação do quantum da compensação a atribuir, também aqui se
deve atender a princípios de razoabilidade e justiça, sob pena de se desvirtuar o carácter reparador da compensação.
Relativamente à temática da admissibilidade de pactos de exclusividade quando estejamos perante contratos de trabalho a tempo parcial, perfilhamos o entendimento segundo o qual os princípios orientadores das relações laborais, como o princípio da não-concorrência, não devem ser apartados pelo simples facto de um trabalhador não exercer as suas funções laborais durante um período de trabalho denominado como normal. Com efeito, desde que a entidade empregadora faça, também aqui, prova do interesse que alega, não nos parece de conceber um entendimento que amputa por completo a exclusividade de funções quando o trabalhador esteja ao abrigo de um contrato a tempo parcial.
Embora o pacto de exclusividade se possa mostrar redutor de certos direitos fundamentais, a restrição que dele resulta não é absoluta, estando o trabalhador a todo o tempo, livre na sua pessoa, para revogar o pacto em causa, daí derivando, contudo, uma obrigação de pagamento de indemnização à entidade empregadora ao abrigo do art. 81.º, n.º 2 do CC. Por outro lado, se o trabalhador incumprir com a sua obrigação de exclusividade, tal acarretará responsabilidades a nível contratual nos termos do art. 798.º do CC.
Assim, tendo presente a frequência com que este tipo de cláusulas é utilizada – que não é assim tão reduzida –, entendemos importante considerar, numa futura revisão do CT, a consagração expressa dos pactos de exclusividade, a par com os outros pactos limitativos da liberdade de trabalho já contemplados neste código.
No que respeita à importância da exclusividade de funções na delimitação do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, cumpre, também, formular algumas conclusões.
Como tivemos oportunidade de analisar, a temática da qualificação contratual não se mostra tão simples como por vezes pode transparecer. Deste modo, e muito embora vigore no âmbito laboral o princípio da liberdade contratual, o que permite às partes num contrato atribuírem o nomen iuris que entendam mais adequado, bem como conformar o seu regime e o conteúdo do contrato, a verdade é que a designação atribuída pelas partes, não se desconsiderando a sua
relevância quando se trata de aferir da existência de um contrato de trabalho ou de prestação de serviços, o facto é que este não se mostra suficiente para atingir uma tal conclusão.
Assim, e tendo em vista aferir se o exercício das funções desempenhadas por um trabalhador o são de forma autónoma ou em regime de subordinação jurídica, a doutrina elenca um conjunto de indícios dos quais a jurisprudência se socorre, distinguindo-os em indícios internos e externos do negócio laboral.
Entre o leque de indícios externos, a “exclusividade de funções” apresenta-se num lugar de destaque.
Assim, quando um trabalhador exerça o cargo para o qual foi contratado, bem como as funções a este inerentes, única e exclusivamente para aquela entidade empregadora, tal situação poderá denunciar a sujeição do trabalhador a poderes de autoridade, ou seja, que o trabalhador é parte numa relação onde impera a subordinação jurídica.
Daqui se conclui que a exclusividade de funções é – enquanto indício externo –, tanto quanto nos parece, um elemento típico do contrato de trabalho, e não do contrato de prestação de serviços. Com efeito, entendemos o contrato de prestação de serviços como aquele em que o prestador de serviços é completamente livre na sua pessoa, senhor do seu tempo, pelo que a sujeição a uma obrigação de exclusividade não se coaduna com este tipo contratual. Não obstante, o entendimento não é uniforme, designadamente a nível jurisprudencial, como podemos observar no capítulo dedicado à exclusividade enquanto indício do contrato de prestação de serviços.
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