MARIANA MICHELENA SANTOS
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TURN-AWAY E CONTRATO PSICOLÓGICO: UM ESTUDO COM PROFISSIONAIS DA ÁREA DE
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Psicologia.
Orientador: Prof. Dr. Iuri Novaes Luna
FLORIANÓPOLIS 2017
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Dedico este estudo aos professores Iúri Novaes Luna, Nádia Kienen e Vanderlei Brasil por terem plantado a semente da pesquisa na terra fértil dos meus planos de desenvolvimento de carreira. Também dedico ao meu esposo ▇▇▇▇▇▇, cujo turn-away motivou a minha pesquisa, pelo incentivo e confiança constante.
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RESUMO
A competitividade global e as mudanças na tecnologia da informação (TI) têm gerado impactos na forma como o trabalho é realizado nas organizações, assim como nos processos de desenvolvimento de carreira. À medida que a tecnologia influencia cada vez mais os negócios no mercado, aumenta a preocupação com o gerenciamento dos profissionais que a desenvolvem e a operam, os quais têm sido fortemente exigidos e necessitam ter elevada capacidade técnica, flexibilidade e mobilidade. Além disto, muitos profissionais que atuam na área técnica em TI têm assumido cargos de gestão em suas organizações. Esta transição de carreira na qual o profissional se afasta de sua área de atuação e assume uma posição distinta (dentro da mesma empresa ou fora dela) tem sido denominada pela literatura como turn-away. O objetivo desta pesquisa é compreender possíveis relações entre o turn-away e o contrato psicológico de profissionais que atuam na área de TI. Assim sendo, realizou-se um estudo qualitativo descritivo de casos múltiplos a partir de entrevistas semiestruturadas com 12 profissionais da área de TI que se encontram envolvidos, de diferentes formas, com processos de turn-away em duas empresas de prestação de serviços em tecnologia da informação. Responsáveis pelo setor de gestão de pessoas das duas empresas também foram entrevistados para aprimorar a caracterização das respectivas organizações. Nas entrevistas, buscou-se compreender as carreiras como processos psicossociais, considerando as trajetórias profissionais e os contratos psicológicos dos diferentes sujeitos que compuseram o estudo, bem como as práticas e políticas de suas organizações no que tange à gestão de carreira. As informações coletadas nas entrevistas, bem como uma análise documental realizada junto às organizações investigadas, foram submetidas à análise de conteúdo e contrastadas com o referencial teórico, permitindo uma triangulação dos dados. Os resultados desta pesquisa permitem afirmar que o turn-away e o contrato psicológico dos profissionais de TI são influenciados pelo contexto organizacional e podem estar relacionados de diferentes maneiras, destacando-se: o turn-away compreendido como o cumprimento do contrato psicológico, na medida em que pode ser percebido tanto como uma retribuição proveniente das trocas recíprocas considerando as necessidades da organização, quanto como o atendimento das expectativas dos profissionais de TI no que se refere à vivência de desafios e ao desenvolvimento da carreira e de competências; e o turn-away percebido como uma violação do contrato psicológico, na medida em que sua realização (ou não) pode ir de encontro às expectativas
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dos profissionais de TI. Isto permite identificar o quão múltiplas, sistêmicas e processuais são as motivações e possibilidades de desenvolvimento de carreira deste público específico e o quanto estudos mais aprofundados sobre esse tema ainda são necessários.
Palavras chave: Turn-away; Contrato psicológico; Desenvolvimento de carreira; Profissionais de TI.
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ABSTRACT
Global competition and changes in information technology (IT) have impacted the way organizations do their job as well as how career development processes develop. As technology increasingly influences businesses, concerns about professionals’ management grow. Those professionals, responsible for the development and operation of new and existing products, have been strongly demanded and require high technical skills, flexibility and mobility. In addition, many IT professionals have assumed management positions in their organizations. This career transition, in which the professional moves away from his area of activity and assumes a distinct position (within or outside the company) has been referred to in the literature as turn-away. The objective of this research is to understand possible relationships between the turn-away and the psychological contract of IT professionals. Therefore, a qualitative and descriptive study of multiple cases was carried out from 12 IT professionals semi-structured interviews who were involved, in different ways, with turn- away processes within two IT services companies. HR managers of both companies were also interviewed to improve the organizations’ characterization. The interviews aims to understand careers as a psychosocial processes, considering each individual professional trajectory and psychological contract, as well as the organizations career management practices and policies. Information collected in interviews, together with a documentary analysis carried out in the organizations, was submitted to content analysis and constrained with the theoretical framework, allowing a triangulation of the results. This research’s results allow us to state that turn-away and psychological contract of IT professionals are influenced by organizational context and can be related in different ways, highlighting: the turn-away understood as the fulfillment of the psychological contract, to the extent In which it can be perceived as a retribution from the reciprocal exchanges considering the needs of the organization, as well as the fulfillment of the expectations of the IT professionals with regard to the experience of challenges and the development of the career and competences; and the perceived turn-away as a violation of the psychological contract, in that its realization (or not) can meet the expectations of IT professionals. This allows us to identify how multiple, systemic and procedural are the motivations and career development possibilities of this particular audience, and how much further study on this topic is still needed.
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Keywords: Turn-away; Psychological contract; Career development; IT Professionals.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Tipos básicos de carreira............................................ | 49 |
Figura 2 – Representação gráfica da carreira objetiva dos participantes................................................................................. | 100 |
Figura 3 – Carreira Objetiva da profissional A1........................... | 114 |
Figura 4 – Carreira Objetiva do profissional A2.......................... | 121 |
Figura 5 – Carreira Objetiva do profissional A3........................... | 126 |
Figura 6 – Carreira Objetiva da profissional B1........................... | 132 |
Figura 7 – Carreira Objetiva do profissional B2.......................... | 138 |
Figura 8 – Carreira Objetiva do profissional B3........................... | 144 |
Figura 9 – Carreira Objetiva do profissional A4.......................... | 149 |
Figura 10 – Carreira Objetiva do profissional B4......................... | 155 |
Figura 11 – Carreira Objetiva do profissional A5......................... | 161 |
Figura 12 – Carreira Objetiva do profissional B5......................... | 167 |
Figura 13 – Carreira Objetiva do profissional A6......................... | 173 |
Figura 14 – Carreira Objetiva do profissional B6......................... | 179 |
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Novos modelos e metáforas de carreira encontrados na literatura............................................................. | 43 |
Quadro 2 – Categorias e subcategorias utilizadas para a análise do conteúdo obtido através das entrevistas e da consulta documental, bem como o seu nexo com os objetivos propostos..................................................................................... | 98 |
Quadro 3 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de A1................................................................................................ | 119 |
Quadro 4 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de A2................................................................................................ | 125 |
Quadro 5 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de A3................................................................................................ | 130 |
Quadro 6 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de B1................................................................................................ | 136 |
Quadro 7 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de B2................................................................................................ | 142 |
Quadro 8 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de B3................................................................................................ | 148 |
Quadro 9 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de A4................................................................................................ | 154 |
Quadro 10 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de B4................................................................................................ | 159 |
Quadro 11 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de A5................................................................................................ | 165 |
Quadro 12 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de B5................................................................................................ | 170 |
Quadro 13 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de A6................................................................................................ | 177 |
Quadro 14 – Expectativas de trocas recíprocas na percepção de B6................................................................................................ | 183 |
Quadro 15 – Extratos que elucidam que o turn-away foi motivado pelo desejo dos profissionais de suprirem uma demanda da organização.............................................................. | 199 |
Quadro 16 – Extratos que elucidam a necessidade de crescimento profissional de alguns dos participantes.................. | 202 |
Quadro 17 – Extratos que elucidam o desejo dos participantes de vivenciarem novos desafios e experiências............................. | 207 |
Quadro 18 – Extratos que elucidam o fato de não ter havido preparação prévia para assumir um cargo de liderança mediado pela empresa................................................................................ | 208 |
Quadro 19 – Relações observadas entre o turn-away e o contrato psicológico dos profissionais de TI............................................. | 212 |
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Caracterização dos participantes da Empresa A......... | 90 |
Tabela 2 – Caracterização dos participantes da Empresa B.......... | 92 |
Tabela 3 – Expectativas dos profissionais em relação ao que sua organização deve lhe oferecer..................................................... | 186 |
Tabela 4 - Expectativas da organização em relação aos funcionários na percepção dos próprios colaboradores................ | 195 |
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SUMÁRIO
1.1 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA 21
1.2.2 Objetivos Específicos 28
2.1 CARREIRA E TURN-AWAY: TRAJETÓRIAS QUE CONTEMPLAM O TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES 29
2.1.1 A relação homem e trabalho 29
2.1.2 As organizações em um cenário em transformação 36
2.1.3 A evolução dos modelos de carreira 40
2.1.3.1 As suposições de “natureza humana” que fundamentam os planos de carreira 52
2.1.4 Transições de carreira ou na carreira? O Turn-away neste contexto 55
2.2 OS VÍNCULOS DAS PESSOAS COM AS ORGANIZAÇÕES E COM O TRABALHO: CONTRATOS PSICOLÓGICOS 60
2.2.1 Diferentes tipos de vínculos estabelecidos entre as pessoas, suas organizações e trabalhos 61
2.3 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E SEUS PROFISSIONAIS 72
2.4 TURN-AWAY E CONTRATO PSICOLÓGICO DE PROFISSIONAIS DE TI 78
3.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA 85
3.2.1 Profissionais da Empresa A 90
3.2.2 Profissionais da Empresa B 91
3.4.2 Procedimentos de coleta de informações 95
3.4.3 Procedimentos de organização, categorização e análise das informações 96
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4 CONTEXTOS ORGANIZACIONAIS DOS PROFISSIONAIS ESTUDADOS 103
4.1 EMPRESA A 103
4.2 EMPRESA B 108
5 PROFISSIONAIS DE TI ESTUDADOS: DESENVOLVIMENTO DE CARREIRA, TURN-AWAY E CONTRATO PSICOLÓGICO. 113
5.1 PROFISSIONAIS QUE ATUAVAM NA ÁREA TÉCNICA DE TI, REALIZARAM O TURN-AWAY E ATUALMENTE SÃO GESTORES 114
5.1.1 Caso do profissional A1 114
5.1.2 Caso do profissional A2 121
5.1.3 Caso do profissional A3 126
5.1.4 Caso do profissional B1 132
5.1.5 Caso do profissional B2 138
5.1.6 Caso do profissional B3 144
5.2 PROFISSIONAIS QUE ATUAVAM NA ÁREA TÉCNICA DE TI, REALIZARAM O TURN-AWAY PARA CARGOS DE GESTÃO E OPTARAM POR VOLTAR A ATUAR NA ÁREA TÉCNICA 149
5.2.1 Caso do profissional A4 149
5.2.2 Caso do profissional B4 155
5.3 PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA ÁREA TÉCNICA DE TI E DESEJAM ASSUMIR FUNÇÕES DE GESTÃO 161
5.3.1 Caso do profissional A5 161
5.3.2 Caso do profissional B5 167
5.4 PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA ÁREA TÉCNICA DE TI E NÃO DESEJAM ASSUMIR FUNÇÕES DE GESTÃO 173
5.4.1 Caso do profissional A6 173
5.4.2 Caso do profissional B6 179
6 O TURN-AWAY E CONTRATO PSICOLÓGICO DE PROFISSIONAIS DE TI: POSSÍVEIS RELAÇÕES 185
6.1 OS CONTRATOS PSICOLÓGICOS DOS PROFISSIONAIS DE TI 185
6.2 O TURN-AWAY DOS PROFISSIONAIS DE TI 198
6.3 POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE O TURN-AWAY E O CONTRATO PSICOLÓGICO DOS PROFISSIONAIS DE TI 211
6.4 PROCESSOS EM CURSO: IMPLICAÇÕES DAS RELAÇÕES OBSERVADAS NO DESENVOLVIMENTO DE CARREIRA DE PROFISSIONAIS DE TI E GESTÃO DE PESSOAS 230
CONSIDERAÇÕES FINAIS 241
REFERÊNCIAS 247
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APÊNDICES 269
Apêndice A – Roteiro de entrevista para os profissionais que atuavam na área técnica de TI, realizaram o turn-away e atualmente são gestores e seu nexo com os objetivos específicos propostos. 270
Apêndice B – Roteiro de entrevista para os profissionais que atuavam na área técnica de TI, realizaram turn-away para cargos de gestão e optaram por voltar a atuar na área técnica e seu nexo com os objetivos específicos propostos. 272
Apêndice C – Roteiro de entrevista para os profissionais que atuam na área técnica de TI e desejam assumir funções de gestão, bem como para aqueles que não desejam assumir funções de gestão e seu nexo com os objetivos específicos propostos. 274
Apêndice D – ▇▇▇▇▇▇▇ de entrevista para os responsáveis pelos setores de gestão de pessoas das organizações pesquisadas e seu nexo com o objetivo específico proposto neste estudo. 276
Apêndice E – Carta de apresentação do estudo 278
Apêndice F – Documento de Autorização Institucional 280
Apêndice G – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 281
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1 INTRODUÇÃO
1.1 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA
A competitividade global e as mudanças na tecnologia da informação têm gerado impactos na forma como o trabalho é realizado nas organizações, assim como nos processos de desenvolvimento de carreira. À medida que a tecnologia influencia cada vez mais os negócios no mercado, aumenta a preocupação com o gerenciamento dos profissionais que a desenvolvem e a operam, visto que a sua contratação e capacitação envolvem significativos investimentos (RAMOS; JOIA, 2014). Diante disto, a gestão de pessoas tem sido considerada uma variável crítica em TI (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 1982; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ et al., 2007). Em virtude das
atualizações constantes da área de tecnologia da informação, os profissionais que atuam neste contexto têm sido fortemente exigidos e necessitam ter elevada capacidade técnica, flexibilidade e mobilidade (RAMOS; JOIA, 2014; VREULS; JOIA, 2012). Por outro lado, as
organizações têm sido desafiadas a motivar e reter seus profissionais de TI, já que estes sujeitos têm dificuldades para manterem-se motivados e responderem aos intensos desafios que enfrentam (VREULS; ▇▇▇▇, 2012).
Neste âmbito, dois fenômenos têm sido observados com frequência em profissionais da tecnologia da informação: o turnover, caracterizado pela mudança voluntária ou involuntária de emprego; e o turn-away, definido como a mudança da área pelo profissional, o qual assume uma posição em outra área distinta dentro da mesma empresa ou fora dela, geralmente evoluindo para uma posição gerencial (▇▇▇▇▇▇; ANG, 2001; ▇▇▇▇▇▇ et al., 2012; ▇▇▇▇▇; JOIA, 2014). O turnover é um fenômeno amplamente estudado na literatura, inclusive na área de tecnologia da informação (▇▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇; RAMOS FILHO, 2013; ▇▇▇▇▇▇ et al., 2007; ▇▇▇▇▇▇; TAN; ANG, 2011; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇ et al., 2015;
▇▇▇▇▇▇; BAROUDI, 1986). Já o turn-away configura-se como um fenômeno pouco explorado e apresenta um número reduzido de estudos tanto em cenário internacional quanto nacional (RAMOS; JOIA, 2014; MANGIA, 2013). No Brasil, a partir de um levantamento em bases de dados como Scielo, Google Acadêmico, BDTD e BVS, foram localizadas apenas duas pesquisas tratando desta temática, as quais resultaram em três publicações localizadas em âmbito nacional – dois artigos e uma dissertação de mestrado (▇▇▇▇▇; JOIA, 2011, 2014; MANGIA, 2013).
Nos estudos realizados por ▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇ (2011, 2014), os autores buscaram entender como e por que os profissionais de TI mudam de área, com a finalidade de identificar características típicas da transição da área de TI para outras carreiras dentro de uma mesma empresa. Para tanto, os pesquisadores realizaram estudos de casos em duas empresas de grande porte, uma atuando na área de serviços de TI e outra na área de energia e entrevistaram um total de doze profissionais de TI que haviam migrado para outras áreas dentro das respectivas empresas. Os resultados obtidos evidenciaram que estes profissionais que mudam de área são mais afiliados à empresa do que à profissão de TI e que a mudança de área não está diretamente ligada à insatisfação com as suas atividades ou a questões financeiras, mas sim, à busca por atividades interessantes e diferentes e por novos desafios e experiências (▇▇▇▇▇; JOIA, 2011, 2014).
Já Mangia (2013), em sua dissertação de mestrado, encontrou resultados diferentes de ▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇ (2011) no que tange à insatisfação do profissional de TI com a sua área. A pesquisadora buscou identificar as principais razões que explicam a intenção de turn-away de profissionais que ainda estão trabalhando na área em uma amostra de 323 sujeitos, os quais responderam um questionário disponibilizado eletronicamente. Dentre os achados, a pesquisa revelou que a insatisfação do profissional de TI pode estar relacionada à exaustão com o trabalho que gera fadiga física e mental. Os resultados da autora vão ao encontro de outras pesquisas realizadas em âmbito internacional, as quais apontam que a insatisfação com a área de TI pode levar os profissionais a mudarem de área de atuação motivados pelo esgotamento causado pela implementação de grandes e desgastantes projetos (ENNS; FERRATT; PRASAD, 2006; MANGIA, 2013; ▇▇▇▇▇▇; BAROUDI, 1986). Adicionalmente, pesquisas no âmbito internacional apontam como motivos de insatisfação: a ameaça de rápida obsolescência profissional (▇▇▇▇▇▇; ANG, 2001; VREULS; JOIA, 2012), a inércia, ignorância, indecisão com relação a TI nas organizações, o tédio durante a etapa de manutenção dos projetos de TI (ENNS; FERRATT; PRASAD, 2006; KAISER, 1983), e a falta de oportunidades para crescimento e capacitação (CORREIA, 2013; ▇▇▇▇▇▇▇▇; BAROUDI, 1988).
As pesquisas de ▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇ (2011) e Magia (2013) encontraram resultados similares no que se refere à migração para outras áreas em virtude das restrições de crescimento profissional na área técnica. Os resultados obtidos nestes estudos evidenciaram que os profissionais de TI precisam de mais oportunidades de crescimento do que as empresas são capazes de oferecer ou do que é possível oferecer dentro da área técnica.
Dessa forma, os autores destes estudos salientam que empresas interessadas em reter esses profissionais devem proporcionar-lhes esses tipos de oportunidades, permitindo a ascensão dentro desta área tanto na vertente técnica quanto na gerencial, o que poderia resultar em novas experiências para estes sujeitos e, consequentemente, minimizar a busca por crescimento em outras áreas dentro ou fora da empresa (RAMOS; JOIA, 2014; MANGIA, 2013).
Cabe ressaltar que o problema de ascensão na área técnica no Brasil não se constitui como uma demanda apenas na área da tecnologia da informação, mas sim como um problema crônico que atinge diferentes áreas de atuação no país. Tal como demonstram os resultados de estudos realizados em cenário nacional, os profissionais da área da engenharia, educação e saúde, por vezes também enfrentam dificuldades de ascensão na área técnica nas chamadas “carreiras em Y” ou “paralelas”, as quais são caracterizadas por duas vertentes de desenvolvimento: uma de natureza técnica e outra de natureza gerencial (BASTOS, 2011; CESAR, 1998; SEGALA, 2015). De um modo geral, a ascensão na área técnica requer que as empresas invistam em um setor de pesquisas ou de inovação e desenvolvimento tecnológico em sua área de atuação, o que é raro na realidade brasileira. Como consequência, em muitos casos, a ascensão pode ser vislumbrada apenas através de cargos gerenciais
No que tange à área específica de TI, estudos realizados sobre a retenção de profissionais corroboram que, além da possibilidade de vivenciar novas experiências e desafios, outro fator mencionado frequentemente como motivo de permanência nas empresas é, justamente, a possibilidade de crescimento em diferentes vias de ascensão (JENNRICH, 2014; ▇▇▇▇▇▇▇, 2013). A carreira destaca-se como um ponto comum para a retenção profissional na percepção de empregados e empregadores. Entretanto, apesar de ser possível identificar expectativas comuns entre estes dois agentes em relação à retenção, observa-se que as empresas têm dificuldade em definir o que esperam de cada profissional, bem como em definir o plano de carreira que podem oferecer para cada um. Neste sentido, faz-se relevante questionar: as expectativas em relação às trocas recíprocas entre empregadores e empregados da área de tecnologia da informação são congruentes? As possibilidades de crescimento, de remuneração, de vivências de novas experiências e desafios que têm sido ofertadas a estes profissionais têm atendido às suas expectativas? Diante do quadro configurado até então, um fator que carece ser explorado no que tange à área de tecnologia da informação são os contratos psicológicos estabelecidos entre estes profissionais e suas
respectivas organizações. Os contratos psicológicos são compreendidos como o entendimento subjetivo sobre trocas recíprocas entre o sujeito e a empresa (CHIUZI; MALVEZZI, 2014). Configuram-se como promessas não ditas, não escritas no contrato de emprego, mas que imprimem expectativas sobre o que empregador oferece ao empregado e o que este último entrega de retorno (▇▇▇▇▇▇▇▇, 1989; ▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 2005). Tais expectativas e promessas podem ser confirmadas ou não. Quando frustradas, ocorre a violação do contrato psicológico, o que pode resultar em sentimentos de desconfiança, perdas em comprometimento e contribuição dos empregados e redução de investimentos da organização no desenvolvimento da carreira dos trabalhadores (MAGALHÃES; BENDASSOLLI, 2013). Já o cumprimento do contrato psicológico aumenta a satisfação, o comprometimento e o desempenho (▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇, 1993).
O contrato psicológico é um tema de ampla tradição de pesquisa no cenário internacional, mas ainda pouco explorado no Brasil (BASTOS et al., 2014; ▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014; RIOS; GONDIM, 2010).
Especialmente no que se refere à intersecção entre o tema contrato psicológico e os profissionais de TI, em um levantamento nas mesmas bases anteriormente citadas, foram localizados apenas três trabalhos em âmbito nacional: uma dissertação de mestrado na área da administração (▇▇▇▇▇, 2006), um artigo científico originado desta dissertação (▇▇▇▇▇; SILVA, 2008) e um estudo apresentado em um congresso (▇▇▇▇▇; LIMA, 2010). O foco destas pesquisas era compreender o contrato psicológico de profissionais de TI contratados a partir de diferentes vínculos formais. A dissertação de mestrado visava a investigar profissionais terceirizados, buscando compreender como estes constroem seus contratos psicológicos tanto com a empresa contratante, como com a contratada (▇▇▇▇▇, 2006; ▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇, 2008). Já o artigo apresentado no congresso tinha como propósito verificar se diferentes modalidades de contratação (como celestista ou pessoa jurídica)1 realizadas pela mesma empresa influenciavam em distintos tipos de contratos psicológicos entre os funcionários e a organização (SILVA; LIMA, 2010).
Já no cenário internacional, é possível encontrar uma quantia maior de estudos que problematizam os contratos psicológicos na área de tecnologia da informação. A partir de um levantamento em bases de dados
1 O contrato como celetista é regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e o de pessoa jurídica (PJ) configura-se como uma prestação de serviços a partir do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
como Scielo, Web of Science e Scopus foram encontrados 15 artigos que discorrem sobre o contrato psicológico com este público específico. Existem pesquisas que articulam o contrato psicológico de profissionais de TI com: segurança no trabalho (▇▇▇▇▇▇ et al., 2009; ▇▇▇▇▇▇ et al., 2009), justiça no trabalho e cidadania organizacional (▇▇▇▇▇▇ et al., 2013), a intenção de sair da empresa (▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇, 2010), os regimes de trabalho tradicionais e virtuais (ENNS; FERRATT; PRASAD, 2002), a terceirização de profissionais (▇▇▇▇▇▇, 2006; TAN, 2009), o ajustamento da pessoa ao trabalho (▇▇▇▇▇▇▇; HARDGRAVE; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 2010), o tempo de permanência em uma organização e fatores de retenção (AGARWAL; DE; ▇▇▇▇▇▇▇, 2001, 2002; ▇▇▇▇▇▇▇; FERRATT, 1998, 2000), os possíveis aspectos que influenciam na violação de contratos psicológicos entre profissionais de TI (MOQUIN; RIEMENSCHNEIDER, 2014), as expectativas e experiências de profissionais que mudam de empresa (DHAR, 2013) e as características dos contratos psicológicos na perspectiva de estudantes da área de TI (KING; BU, 2005). Entre estas pesquisas, predomina o caráter quantitativo e a participação de profissionais que atuam na área de TI, sem a inclusão de seus respectivos gestores.
Diante do exposto, o presente estudo buscou compreender as possíveis relações entre a mudança de área dentro da organização (turn- away) e o contrato psicológico de profissionais da tecnologia da informação. Especificamente, pretendeu-se identificar como a mudança da área técnica para a área gerencial pode se relacionar com a percepção de cumprimento ou não do contrato psicológico.
A mudança da área técnica para a gerencial não parece estar entre os principais interesses de muitos profissionais da área de tecnologia (DUTRA, 2010; SANTOS, 2010). Em pesquisa realizada por ▇▇▇▇▇▇ (2010) que visava correlacionar a escolha por cursos de graduação e “âncoras de carreira” (SCHEIN, 1996), a autora identificou que o interesse em administrar negócios e gerenciar pessoas aparece como última prioridade entre futuros profissionais desta área. A âncora de carreira Competência Administrativa Geral foi a que apareceu em menor destaque entre os alunos do curso de Ciências da Computação. Já as âncoras Desafio Puro, Estilo de Vida e Competência Técnico-Funcional foram as predominantes, sendo que a primeira apresentou correlação estatisticamente significativa com o curso em questão (SANTOS, 2010; LUNA; SANTOS, 2013), o que reitera a importância de situações desafiadoras no cotidiano de trabalho deste público específico.
Por conseguinte, o presente estudo faz-se relevante na medida em que a quebra no contrato psicológico decorrente de progressões de carreira não satisfatórias pode aumentar a rotatividade no setor, o qual já sofre impactos. A demanda por profissionais de TI vem sendo potencializada tanto pela escassez de profissionais capacitados no mercado de trabalho quanto pelo déficit no que se refere à formação de novos profissionais, que não supre a demanda de mercado (MANGIA, 2013). No estado de Santa Catarina, onde a presente pesquisa foi realizada, o setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) é um dos que mais cresce (JENNRICH, 2014). Em 2011, a Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia estimava a necessidade de aumento de 70% no número de profissionais de TI para acompanhar o crescimento das empresas durante o período de 2011 à 2015 (ACATE, 2011). Neste sentido, esta pesquisa visa a contribuir para a gestão de recursos humanos na área de TI, servindo como subsídio para o desenvolvimento de estratégias que auxiliem na retenção desses profissionais na sua própria área de trabalho. Também pretende-se fornecer suporte para a compreensão dos aspectos que são relevantes para os profissionais de TI no que tange as suas trajetórias de carreira e possibilidades de desenvolvimento profissional.
Cabe salientar que não somente as rupturas nos contratos psicológicos, as quais podem impulsionar a rotatividade no setor, podem impactar na escassez de profissionais qualificados. As progressões de carreira satisfatórias de profissionais que migram da área técnica para cargos de chefia (turn-away) também podem contribuir para a escassez de mão de obra qualificada, na medida em que profissionais especializados que atuam no setor podem estar assumindo outras funções como forma de reconhecimento de suas contribuições para a organização. Segundo ▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇ (2014) o fenômeno do turn-away parece não estar sendo mensurado de forma efetiva no país. Em um dos mais completos trabalhos sobre profissionais de TI no Brasil, a Associação para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro (SOFTEX, 2012) buscou investigar a mobilidade da mão de obra em TI a partir de fontes oficiais, tais como a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego (Caged/TEM). O estudo concentrou-se nas mobilidades salarial (variação salarial entre os profissionais), setorial (mobilidade entre os vários setores econômicos), por porte do estabelecimento (entre empresas de diversos portes), geográfica (mobilidade entre as diferentes regiões do Brasil) e ocupacional (mobilidade dos profissionais de TI entre as famílias ocupacionais típicas da área de software e serviços de TI). Entretanto, não fez menção ao
fenômeno do turn-away, o que corrobora a relevância de estudos que investiguem este fenômeno.
Outrossim, a carreira configura-se como uma temática pouco explorada no campo da psicologia das organizações e do trabalho (POT) (RIBEIRO, 2011, 2015), especialmente na prática profissional dentro das empresas. Por este motivo, este estudo poderá contribuir para a área de POT, possibilitando aos profissionais que atuam neste contexto ou que pesquisam sobre a temática uma melhor compreensão das transformações nas carreiras em um cenário complexo e globalizado. Diante de um quadro multiforme no que tange ao desenvolvimento de carreiras, o psicólogo organizacional pode contribuir efetivamente para a gestão das mesmas, visto que desenvolve conhecimentos, atitudes e habilidades voltadas à compreensão da dinâmica dos sujeitos no trabalho (TOLFO, 2002). O subsistema carreira encontra-se entre as atividades do campo de atuação do psicólogo organizacional, articulado à gestão de pessoas. Nesta mesma direção, ▇▇▇▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ (2014) apontam a gestão de carreiras como um movimento inovador na atuação do psicólogo nas organizações, na medida em que este profissional pode contribuir para decisões em nível estratégico a partir do planejamento de cargos, movimentação de pessoal, remuneração e benefícios e programas voltados para a qualificação com foco no desenvolvimento de carreiras.
Ademais, embora o tema dentro do qual este estudo esteja inserido
– gestão de carreira de profissionais de TI – tenha sido explorado desde os anos 1970 (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 1982; TURNER; BAROUDI, 1986), o
material não é farto. No que tange, especificamente, aos fenômenos turn- away e contrato psicológico, conforme apontado anteriormente, a literatura é escassa no Brasil. Diante disto, a presente pesquisa poderá contribuir para ampliar a compreensão sobre estes fenômenos, bem como para subsidiar o desenvolvimento de novos estudos que abordem estas questões. Observa- se também sua inserção na área da Psicologia e as contribuições que esta ciência poderá trazer para o desenvolvimento e avaliação destes construtos, na medida em que ambos os fenômenos vêm sendo estudados, prioritariamente, pela área da Administração. Com este intuito, este estudo visa responder a seguinte pergunta: “Quais as relações existentes entre o turn-away e o contrato psicológico de profissionais da área de tecnologia da informação?”.
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo Geral
Compreender as possíveis relações existentes entre o turn-away e o contrato psicológico de profissionais da área de tecnologia da informação.
1.2.2 Objetivos Específicos
a) ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ as práticas, políticas e pressupostos subjacentes à gestão de carreira de profissionais de TI inseridos em empresas de tecnologia catarinenses;
b) Descrever o desenvolvimento de carreira de profissionais da área de TI;
c) Identificar as percepções de profissionais de TI sobre o turn-away
nas organizações;
d) Caracterizar as expectativas de profissionais de TI acerca das trocas recíprocas entre estes e suas respectivas organizações.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 CARREIRA E TURN-AWAY: TRAJETÓRIAS QUE CONTEMPLAM O TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES
Para que se torne possível compreender e delimitar um dos fenômenos centrais deste estudo, tal como constitui-se o turn-away, faz-se necessário, primeiramente, entender a relação do sujeito com o trabalho e o contexto organizacional, que surge como um dos espaços onde esta relação é estabelecida. Aliado a estes aspectos, faz-se relevante compreender um conceito que emerge deste âmbito, que sofreu várias modificações em decorrência das transformações no mundo do trabalho e que está no âmago desta discussão: a carreira.
Para tanto, antes de adentrar a discussão sobre o turn-away, far-se-á uma contextualização a respeito das transformações no que tange a estes construtos e as suas diferentes concepções. Não obstante vá haver um tópico destinado a descrever especificamente as tecnologias da informação e seus profissionais (subcapítulo 2.3), ao longo dos demais capítulos busca- se fazer aproximações das temáticas descritas com o contexto destes profissionais, com a finalidade de situar as características particulares do público alvo deste estudo.
2.1.1 A relação homem e trabalho
Em virtude da centralidade do trabalho na experiência humana com o mundo (ANTUNES, 1999; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 2013) e
das significativas mudanças ocorridas no que tange a este construto no último século, os estudos acerca desta temática vem se multiplicando. Variações no sistema socioeconômico e nos modelos de produção, que se intensificaram no final do século XX, transformaram as possibilidades de atuação profissional (▇▇▇▇▇, 2007; ANTUNES, 2006; ▇▇▇▇, ▇▇▇▇, ▇▇▇▇▇▇▇, 1995) e impactaram, de diferentes formas, no modo como o trabalho é significado pelos sujeitos. O crescimento da competitividade entre mercados estimulado pela globalização e mudanças tecnológicas ocasionou downsizing, “achatamento” dos níveis hierárquicos, outsourcing, fusões e aquisições (BENDASSOLI, 2009), implicando, também, em transformações no modo como o homem se relaciona com o trabalho. Deste modo, estas mudanças têm sido objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento, tais como a sociologia, a economia e a psicologia, as quais, sob diferentes óticas, debruçam-se sobre o trabalho e esmiúçam
suas definições, relações, variações e influências, entre outros aspectos, na vida dos seres humanos.
O trabalho pode ser definido como uma relação de transformação entre o homem e a natureza, a qual gera significado (CODO, 2006). É através do trabalho que o ato de dar significado à natureza se concretiza, visto que o significado é o “signo que fica (signo-ficare)” (CODO, 2006,
p. 81, grifo do autor), que transcende e permanece além da relação entre sujeito e objeto. Para Codo (2006), quanto mais completa for a relação entre sujeito, trabalho e significado, maior será o prazer no trabalho. Em contrapartida, se ocorre um rompimento no circuito de significados percebidos pelo trabalhador, o sofrimento é gerado, podendo comprometer a saúde mental do mesmo.
O ato de depositar significado humano à natureza, que possibilita que os indivíduos construam um significado pessoal e assim se igualem e se diferenciem entre si, é definido como trabalho enquanto valor de uso (CODO; SAMPAIO; ▇▇▇▇▇▇, 1993). O valor de uso do trabalho, assim como o valor de troca, foi concebido por ▇▇▇▇ em sua obra “O capital” (▇▇▇▇, [1867], 1982). O autor compreendia que o valor de uso de um produto está associado à capacidade de satisfazer as necessidades humanas, não dependendo da quantidade de trabalho empregado para garantir suas qualidades úteis. O valor de uso só se concretiza a partir da utilização ou do consumo. Já o valor de troca caracteriza-se pelo valor que determinado produto possui, permitindo trocá-lo por outro ou trocá-lo por dinheiro. É decorrente da relação quantitativa entre valores de uso de espécies diferentes, na medida em que podem ser trocadas (▇▇▇▇, [1867], 1982).
A troca de objetos entre os homens não é um fenômeno recente, visto que desde a antiguidade, nas comunidades primitivas, os homens efetivavam trocas quando produziam um excedente dos produtos necessários à sobrevivência individual (FERRETTI, 1997). Entretanto, neste primeiro momento das trocas entre produtos, tanto a produção quanto a troca tinham por objetivo o valor de uso. Quando os homens começaram a produzir tendo em vista a troca de excedentes como um fim em si mesmo e não só para satisfazer as próprias necessidades, as trocas passaram a se realizar não apenas em função de seu valor de uso mas, também, em função de seu valor de troca. Neste momento os objetos deixam de ser somente produtos, tomando a forma de mercadorias. Deste modo, seu produtor tem por objetivo trocá-lo no mercado (▇▇▇▇, [1867], 1982).
O mesmo ocorre com o trabalho humano. Para ▇▇▇▇ ([1867], 1982) o trabalho é transformado em mercadoria quando trabalhos distintos e individuais que atendem a necessidades igualmente singulares e específicas
adquirem além do valor de uso que possuem, um valor de troca, tornando trabalhos diferentes passíveis de serem trocados entre si. Deste modo, o trabalhador aliena o valor de uso do que produziu ao vender a sua força de trabalho como uma mercadoria, preponderando apenas o valor de troca (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014). Quando o trabalho se transforma em mercadoria, ele passa a valer a quantidade de trabalho injetado na natureza e não mais a qualidade de trabalho (▇▇▇▇, [1867], 1982). Na medida em que a qualidade do trabalho deixa de importar, passando a prevalecer a quantidade de trabalho injetado, ocorre a eliminação das diferenças individuais projetadas no trabalho devido à quantificação que a mercadoria promove (CODO, 1995).
Segundo Codo (1995), é no capitalismo que a mercadoria ganha sua forma mais completa, a qual desapropria os homens de seus meios de trabalho e deixa-os dependentes exclusivamente da sua própria força de trabalho. Na medida em que o homem começa a vender a sua força de trabalho torna-se possível a exploração do trabalho alheio, a qual promove lucro. A relação entre mercadoria e lucro promove uma cisão entre o homem e o seu gesto, ou seja, entre o trabalho e o seu produtor. Deste modo, o capital faz com que o trabalho perca o significado capaz de garantir a transcendência do indivíduo e o reconhecimento de si mesmo como um ser universal e histórico (CODO, 1995). E quando uma forma de exercer o trabalho busca eliminar a intencionalidade humana ou as suas capacidades cognitivas, pode acabar descaracterizando o próprio trabalho na sua condição humana (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014). Isso pode acarretar no sofrimento do sujeito e na transformação do trabalho em tortura.
No capitalismo, o tempo também é transformado em mercadoria. De acordo com ▇▇▇▇▇▇ (1997), isso ocorreu quando os proprietários das indústrias passaram a buscar maior produtividade através da “racionalização”, que implica na economia de tempo. Neste sentido, tempo pode ser considerado dinheiro. Levando em consideração tal aspecto, o norte-americano ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, no início do século XX, elaborou a teoria conhecida como taylorismo. ▇▇▇▇▇▇ estabeleceu um “controle científico”, por meio de medição por cronômetros, com a finalidade de tornar o processo de produção cada vez mais simples e rápido, partindo do princípio de que os operários não sabiam utilizar seus gestos de forma econômica e que gostavam de “fazer cera” (▇▇▇▇▇▇, [1911], 1990). Para o autor, “o trabalhador [...] produz muito menos do que é capaz; na maior parte dos casos, não mais do que um terço ou metade dum dia de trabalho é eficientemente preenchido” (▇▇▇▇▇▇, [1911], 1990, p. 26). Deste modo, eliminou movimentos desnecessários e substituiu os lentos e
ineficientes por movimentos rápidos. Para que a cronometragem dos movimentos fosse possível, foi necessário decompor tarefas em distintas operações, as quais eram classificadas e ordenadas pela gestão, resultando, consequentemente, em uma cisão entre a concepção e a execução do trabalho (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014).
Ainda no início do século XX, o também norte-americano ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇, com o intuito de aumentar a produtividade, introduziu a esteira da “linha de montagem” e o processo de padronização da produção em série na sua fábrica de automóveis, processo este que foi denominado fordismo. Deste modo, houve um parcelamento das tarefas, reduzindo a atividade de cada um a gestos mínimos (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014). Ao mesmo tempo em que aumentou a produção de maneira significativa, transformou o trabalho em etapas, impedindo que o operário tivesse acesso ao produto como um todo (ARANHA, 1997). Este modelo demandava um profissional pouco escolarizado, forte e resistente para executar um trabalho repetitivo nas esteiras de montagem.
Este novo modelo de produção fordista introduziu novidades do planejamento, na organização e na execução do trabalho. No contexto organizacional, houve a necessidade de padronizar a qualidade dos produtos e procedimentos, bem como adotar uma disciplina. A adaptação do trabalhador a esta nova realidade não ocorreu de forma simples, passando a constituir-se um desafio submetê-lo a tais condições. Ao mesmo tempo em que se almejava maior produtividade, o modelo de produção adotado provocava um esvaziamento do conteúdo do trabalho, bem como um desgosto do trabalhador com as tarefas realizadas. O trabalho, nesta época, era caracterizado como disciplinado, mecanizado, de larga escala, estritamente supervisionado, exigindo requisitos mínimos padronizados, planejado por especialistas e executado por outros (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014).
Neste contexto, emerge um assalariado especial, cuja função é organizar, controlar e disciplinar os trabalhadores, os quais em virtude de sua nova posição no contexto de produção, necessitam exercer suas atividades com exatidão e obediência para atingirem os objetivos da empresa (LUNA, 2008). Este trabalhador, surge como um representante do patrão e tem a atribuição de maximizar a extração da mais-valia a partir da organização e controle. Além de coordenar as atividades dos operários, este gerente também é responsável por conceber e organizar a mistura de diferentes tipos de trabalho. Em um cenário no qual emerge um “contrato livre de trabalho”, fazia-se necessário uma pessoa responsável por extrair dos funcionários uma conduta que melhor servisse aos interesses do
empregador, impondo determinadas tarefas aos trabalhadores enquanto efetuavam um trabalho com base contratual voluntária (BRAVERMAN, 1987).
No início do capitalismo, o próprio capitalista assumia as funções gerenciais e constutuia-se como o proprietário do capital e do tempo de trabalho assalariado (LUNA, 2008). Tendo em vista a complexidade de controlar o processo de produção como um todo, foi tornando-se cada vez mais difícil para o capitalista manter o controle sobre o processo de trabalho. Deste modo, este “(...) se desfaz da função de supervisão direta e contínua dos trabalhadores, entregando-a a um tipo especial de assalariados” (▇▇▇▇, [1867], 1982, p. 381), os quais passam a ter uma função exclusiva: a supervisão. A função de supervisão ou gerência vai ganhando força na medida em que este sujeito administra os antagonismos e contradições existentes entre os interesses do capitalista e dos trabalhadores (LUNA, 2008). Cabe a este profissional, então, a responsabilidade de proporcionar “a estrutura formal para o processo produtivo”, ao invés de lidar diretamente com os aspectos técnicos necessários à produção, os quais se constituem como o conteúdo do processo produtivo (BRAVERMAN, 1987). Este aspecto é muito relevante para o delineamento do presente estudo, na medida em que os sujeitos participantes desta pesquisa desempenharam ambos papéis ao longo de sua trajetória profissional – em um dado momento ocupavam-se com atividades técnicas na área de tecnologia da informação e agora figuram no papel de gerentes responsáveis pela organização do processo produtivo e pela administração dos interesses dos empregadores e empregados (outrora seus colegas de trabalho).
As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por profundas transformações no mundo do trabalho (ANTUNES, 1998; ARANHA, 1997; ▇▇▇▇▇▇▇, 2011), as quais começaram a suscitar novos padrões de produtividade, prevalecendo a tendência de quebrar a rigidez do fordismo e do taylorismo. O cronômetro e a produção em série e de massa são, aos poucos, substituídos pela flexibilização da produção e por novas formas de adequação à lógica do mercado (ANTUNES, 1998). Neste contexto, surge nas fábricas da montadora de automóveis Toyota, no Japão, o toyotismo. Diferente do modelo fordista que tinha como princípios a produção em grande escala e a estocagem da mesma, no toyotismo só se produzia o necessário (just in time), reduzindo ao máximo os estoques (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014). Este modelo tinha como elemento principal a flexibilização da produção e exigia um perfil de trabalhador diferenciado, sendo este mais flexível, polivalente e intelectualizado, sendo capaz de
controlar várias máquinas ao mesmo tempo e também de atuar em equipe, adquirindo maior capacidade de participação e decisão (ARANHA, 1997). O toyotismo tende a exigir novas qualificações do trabalho, as quais articulam habilidades cognitivas e comportamentais, imprescindíveis para a operação dos novos dispositivos organizacionais e da sua nova base técnica, a automação flexível (▇▇▇▇▇, 2007). Neste sentindo, conforme aponta Frigotto (1999), o “cognitariado” do toyotismo substitui o “proletariado” do taylorismo e do fordismo.
Deste modo, o toyotismo impõe um novo perfil de qualificação no mundo do trabalho. Em um contexto de reengenharia nas organizações, surgem políticas poupadoras de mão de obra que pressupunham que um único trabalhador ou equipe podia dar conta do processo como um todo, conduzindo à eliminação cada vez mais intensa do número de postos de trabalho e à redução significativa do número de empregos. Diante disto e da demanda por um aumento da produtividade, houve um crescimento da pressão que as organizações exerciam sobre os trabalhadores, sofisticando a cobrança por produção e gerando, consequentemente, um aumento da mais valia (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014), além de dar origem ao discurso da empregabilidade, que diz respeito à capacidade de adequação do profissional às novas necessidades e dinâmicas do mercado de trabalho e responsabiliza o sujeito pela sua condição de ser empregável ou não em decorrência de seu diferencial competitivo (▇▇▇▇▇, 2007; ▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 2009). Como consequência, ao mesmo tempo em que a polivalência dos trabalhadores deste modelo de organização da produção favoreceu a horizontalização, também impulsionou a exploração do trabalho.
Em paralelo à redução do número de postos de trabalho, que resultou em uma quantidade de força de trabalho excedente, surgem regimes e contratos de trabalhos mais flexíveis com uma tendência à informalização do trabalho e o crescimento de novas atividades na modalidade de autônomos. O declínio do emprego estável e planejado para “toda a vida” gerou um clima de insegurança e instabilidade. Neste cenário, houve a migração da oferta de empregos do setor industrial para o setor de serviços, a interdependência entre os segmentos formais e informais e o aumento dos empregos de tempo parcial e temporários (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014; LUNA, 2008). Embora esta flexibilidade possa ser (aparentemente) mutuamente benéfica para empresas e indivíduos, também gera consequências significativas para os trabalhadores como um todo, tais como a perda da cobertura do seguro, dos níveis salariais e da segurança no
emprego (LUNA, 2008). Esta série de “desregulamentações”, segundo ▇▇▇▇▇▇▇▇ (2007), equivale à “precarização” do trabalho.
No âmbito destas desregulamentações e novos contratos de trabalho demarcados pela instabilidade e insegurança, as relações e os ambientes de trabalho são cada vez mais influenciados pela tecnologia e por este novo perfil de trabalhador polivalente, flexível e em constante atualização. Neste sentido, como se caracterizam as relações de trabalho e as trajetórias de carreira dos profissionais responsáveis pela produção e manutenção destas tecnologias?
Desde a introdução da tecnologia da informação no mercado de trabalho na década de 1960, as possibilidades de trabalho para um profissional de TI mudaram significativamente. Nas décadas de 1960 e 1970, os desenvolvedores e mantenedores de TI, geralmente, desenvolviam sistemas de informação dentro das próprias organizações nas quais trabalhavam. Estes sistemas eram, em sua maioria, desenvolvidos para centros de processamento de dados (mainframes), que poucas empresas dispunham e que rodavam uma quantia limitada de tecnologias (ANG; SLAUGHTER, 2000). Atualmente, existe um cenário múltiplo de linguagens de programação, bem como de fornecedores destas plataformas. Por este motivo, softwares reutilizáveis são adquiridos de fornecedores, incorporados aos sistemas existentes e distribuídos em arquiteturas complexas de TI dentro das organizações. Cada vez mais o desenvolvimento de software é terceirizado para empresas de consultoria, contratantes independentes, fornecedores e empresas offshore, tornando as estruturas organizacionais mais enxutas. Neste sentido, muitos profissionais de TI passam a exercer o papel de resolver problemas e levantar possibilidades de negócios através da tecnologia da informação (▇▇▇▇; BEATH; ▇▇▇▇▇▇▇, 1996), para garantir a vantagem competitiva de suas respectivas organizações (HALL, 2002; REICH; ▇▇▇▇▇▇-▇▇▇▇▇, 2003). Para tanto, necessitam, ao mesmo tempo, ter uma visão generalista para conhecer diferentes possibilidades tecnológicas e “desenhar” a melhor solução frente as demandas da organização e atuar como especialistas em algumas delas para viabilizar a implementação destas soluções.
Assim, os conjuntos de habilidades relevantes para profissionais de TI mudaram de forma expressiva. A evolução da tecnologia da informação é veloz e muitas tecnologias emergentes têm uma vida útil extremamente limitada. Deste modo, em contraste com outras profissões em que a competência dos indivíduos aumenta ao longo do tempo com a experiência, as competências técnicas e habilidades profissionais dos trabalhadores da
TI tornam-se obsoletas rapidamente em termos de relevância e valor (ANG; SLAUGHTER, 2000). Por este motivo, os profissionais da área da tecnologia da informação são fortemente exigidos e necessitam ter elevada capacidade técnica, flexibilidade e mobilidade (LEE; ANG; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 1997; ▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇, 2014; REICH; ▇▇▇▇▇▇-▇▇▇▇▇,
1999; VREULS; JOIA, 2012). Assim, as habilidades críticas e competências do pessoal de TI, bem como as práticas de gestão de recursos humanos necessitam de constante desenvolvimento.
Conforme descrito ao longo deste subcapítulo, as relações do homem com o trabalho passaram por significativas transformações ao longo do tempo. A reestruturação produtiva e o incremento tecnológico demarcaram um novo perfil de trabalhador bem como novas possibilidades de atuação profissional que extrapolam as fronteiras organizacionais. Estas transformações tornam-se ainda mais críticas para os profissionais que atuam no desenvolvimento e manutenção destas tecnologias utilizadas em diferentes setores e contextos organizacionais. Por este motivo, faz-se importante compreender os ambientes onde estas modificações ocorrem – as organizações.
2.1.2 As organizações em um cenário em transformação
Definir organizações parece uma tarefa complexa e multiforme. O panorama teórico, que busca encontrar aspectos unificadores e destoantes entre as diferentes perspectivas teórico-metodológicas que abordam este fenômeno, é vasto. Estudiosos da área, a partir de uma apresentação e síntese de diversos autores que se propõem a conceituar organizações, apresentam frequentemente novos modelos de conceitos (BASTOS et al. 2014; ▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇, 2015; HALL, 2004; MORGAN, 1996). A
cada nova tentativa de definir este conceito, novos elementos são abordados. Porém, é consensual a ideia de que a sociedade contemporânea é estruturada em torno de organizações e que as pessoas se relacionam com estas instituições no cotidiano e ao longo de toda a vida.
Junto às transformações ocorridas no mundo do trabalho a partir da década de 1970, as quais foram descritas no tópico anterior, ocorreram profundas mudanças nos contextos organizacionais produtivos. Neste período, o regime de acumulação fordista, o qual consolidou-se a partir de 1945 em países de capitalismo avançado e foi caracterizado por um longo período de estabilização econômica, crescimento de empregos, aumento salarial e benefícios sociais, começou a apresentar sinais de crise. Até então, a configuração econômica, política e social foi, em grande parte,
favorecida pela intervenção do Estado na economia. No Estado de Bem- Estar, o Estado assumiu funções relacionadas à educação, saúde e transporte, entre outras fundamentais para o crescimento do consumo e estabilização econômica. Por conseguinte, houve a implementação de programas de assistência social, direitos à pensão e direitos trabalhistas (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014; ▇▇▇▇▇▇, 2013).
Neste período, as organizações configuravam-se como estruturas destinadas à produção em massa, organizadas de forma vertical, demarcadas por rígidos processos hierárquicos, pela mecanização do trabalho, pela rotinização de tarefas, pela intensa divisão e extensa jornada de trabalho (▇▇▇▇▇, 2014). A estrutura organizacional típica destas empresas, era do tipo piramidal, organizada por funções, as quais atuavam de forma especializada e sincronizada, buscando atender a um chefe superior. O planejamento ocorria de forma centralizada e era executado a partir de uma cadeia de decisão hierárquica rígida. A maioria das decisões eram tomadas no topo da pirâmide, usualmente muito distante dos clientes da empresa. Neste período, as organizações eram caracterizadas pela burocracia, hierarquia, padronização de produtos, de serviços e de salários, centralização da informação, da autoridade, do controle, da decisão e do planejamento (▇▇▇▇▇▇▇▇▇; FERRANTE, 2000).
A partir da década de 1970, fatores como a saturação dos mercados internos, o aumento da competição, a crise do Estado Providência, as contestações causadas pela rigidez do trabalho e manifestações de grupos que não partilhavam dos benefícios do fordismo, aliada à forte recessão de 1973, contribuíram para o cenário de crise deste sistema produtivo e econômico (▇▇▇▇▇, 2014). Influenciado por um ideário neoliberal que pressupunha a liberdade de comércio e a não participação do Estado na economia, houve a reconfiguração do trabalho e da produção (HARVEY, 2013). Este cenário permitiu a estruturação do regime de acumulação flexível que se caracterizou pela flexibilização do trabalho, da produção e do consumo, desregulamentação dos direitos, aumento do uso da tecnologia da informação, racionalização das atividades e descentralização do trabalho, a partir de processos como a terceirização e subcontratação, gerando novas formas de organização do trabalho, da produção e dos serviços (HARVEY, 2013).
Com a finalidade de atender estas novas formas de trabalho e as novas demandas de mercado, muitas organizações evoluíram da típica estrutura funcional hierárquica para estruturas com uma base operacional horizontal e com um pequeno número de níveis hierárquicos. As estruturas horizontais favorecem a redução de perdas da comunicação entre o topo da
organização e o seu menor nível hierárquico, garantem maior autonomia dos níveis operacionais ao delegar maiores responsabilidades e poder para a base da organização. As relações hierárquicas rígidas foram abrindo espaço para relações mais flexíveis e autônomas. Deste modo, novas características organizacionais emergem deste contexto, tais como a flexibilidade, a agilidade, o enxugamento de níveis hierárquicos, a descentralização das decisões (ou descentralização do poder), do planejamento, da autoridade, do controle e dos recursos, trabalho em equipe, compartilhamento de informações e sinergia (▇▇▇▇▇▇▇▇▇; FERRANTE, 2000).
Muitas organizações modernas passam a utilizar estratégias que visam a modificar procedimentos de gerência e estrutura organizacional a partir da simplificação dos procedimentos e processos, introdução de remuneração baseada em resultados, implementação do controle de processos e não de pessoas e de gerenciamento participativo, mas com uma definição clara de responsabilidades. Atualmente, é comum a parceria com clientes e competidores com a finalidade de melhorar a competitividade dos parceiros no mercado global, tal como será demonstrado mais adiante através da descrição da rede de inter-relações entre as empresas de tecnologia localizadas no Vale do Silício e como esta rede contribui para a competitividade destas organizações (SAXENIAN,1996). Neste contexto, o “isolacionismo” cede lugar a parceria nos negócios, a partir da terceirização de serviços que podem atender a algumas necessidades da organização. Para ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ e Ferrante (2000), a ideia de que as grandes companhias são consideradas as mais seguras ou que podem ditar regras no mercado não é mais válida. Os autores defendem a ideia de que as companhias grandes e lentas tendem a desaparecer, abrindo espaço para organizações ágeis e rápidas, as quais possam estabelecer um novo tipo de relacionamento produtor-consumidor através do uso de informações e da eliminação de intermediações.
Na nova “Sociedade da Informação e do Conhecimento”, muitas organizações, com o intuito de enxugar custos e de serem ágeis e eficientes, tornaram-se virtuais. Neste sentido, ao invés de possuírem uma locação geográfica definida, passam a ser identificadas por um site na internet, um email ou um número de telefone. Esta é uma realidade comum, principalmente na área de tecnologia, permitindo por exemplo, empregar programadores de um país onde a prestação de serviços é mais barata. Deste modo, estes profissionais podem trabalhar em suas próprias residências, favorecendo a eliminação de custos de transporte, além de custos atrelados ao uso de instalações da companhia. (▇▇▇▇▇▇▇▇▇; FERRANTE, 2000).
Neste contexto, não só empresas virtuais se beneficiam desta modalidade de trabalho. Esta é uma tendência da área da tecnologia da informação como um todo, uma vez que o trabalho na organização desloca- se, cada vez mais, para as residências dos profissionais. É comum na área de TI que os profissionais trabalhem na modalidade home office e que utilizem a empresa para reuniões específicas, o que otimiza o trabalho à medida que os funcionários reduzem o total de horas que perdem com deslocamento (▇▇▇▇▇▇▇▇▇; FERRANTE, 2000). Assim, estes profissionais utilizam o computador e a internet para a troca de informações, e reuniões específicas são utilizadas para traçar planos e tomar decisões que dependam de uma maior interação. Isso quando as próprias reuniões não ocorrem, também, mediante o uso de computador e de tecnologias como o Skype. Portanto, as organizações de trabalho passaram a se estruturar de formas bastantes distintas das usuais.
Independente das estruturas que as definem, as organizações constituem-se como contextos onde as pessoas trabalham, a partir da divisão de diferentes atividades laborais (HALL, 2004). A divisão do trabalho diz respeito à especialização das tarefas e dos papéis desempenhados pelos integrantes de uma organização (BOWDITCH; BUONO, 2012). Tal divisão dá origem a distintas posições organizacionais, as quais encontram-se associadas a oportunidades e recompensas desiguais e podem ser definidas, mensuradas e avaliadas por diferentes critérios estabelecidos pelas respectivas gestões. Neste sentido, quando as organizações estão em fase de crescimento, geralmente existem maiores possibilidades de promoção, bem como quando estão em declínio, as suas estruturas de oportunidades também diminuem (ROSENBAUM, 1979).
Com o intuito de estreitarem as relações com seus empregados, as organizações, por intermédio de seus gestores, criam estratégias para serem mais “amigáveis” com os trabalhadores e suas respectivas famílias (HALL, 2004). Determinadas organizações oferecem possibilidades de trabalho a distância e de horários flexíveis, tanto como uma estratégia de reduzir custos quanto como uma possibilidade de atender as necessidades dos sujeitos. Deste modo, as fronteiras rígidas que distanciavam a família e o trabalho até o final do século XX, vão dando espaço para fronteiras permeáveis (DUTRA, 2010), facilitadas pelas organizações.
As mudanças fazem parte do contexto organizacional. Elas compõem o ciclo de vida das organizações, ao passo que estas instituições transitam do nascimento ao crescimento em direção à maturidade (HALL, 2004; SCHERMERHORN; HUNT; ▇▇▇▇▇▇, 1999). Modificações na
cultura e na estrutura organizacional podem ser compreendidas como
tentativas organizacionais de se adaptarem aos padrões de crescimento, bem como fusões, alianças estratégicas e vendas podem ser interpretadas como tentativas de redefinir a relação da organização com ambientes desafiadores.
As mudanças nas organizações podem ocorrer de forma planejada ou não. As mudanças não planejadas podem ocorrer espontaneamente ou aleatoriamente. Podem ser desestabilizadoras ou benéficas, como um conflito interpessoal que resulta em um novo procedimento para melhorar o fluxo de trabalho entre dois departamentos (SCHERMERHORN; HUNT; OSBORN, 1999). Ou ainda podem ocorrer como resposta à ociosidade na organização, ou seja, quando existem mais recursos disponíveis do que o necessário (HALL, 2004). Já as mudanças planejadas são resultados de esforços específicos realizados pelos agentes de mudança, tal como uma resposta direta à percepção de uma lacuna de desempenho, ou seja, uma discrepância entre uma situação real e uma situação desejada (SCHERMERHORN; HUNT; OSBORN, 1999). Para isso, tanto os agentes de mudança quanto os demais funcionários devem estar cientes com a finalidade de facilitar a mudança em andamento e criar um comprometimento com o melhoramento contínuo.
As políticas de desenvolvimento organizacional também podem impulsionar mudanças planejadas de estruturas de controle interno, as quais incluem sistemas de benefícios, recompensas (SCHERMERHORN; HUNT; OSBORN, 1999) e gestão de carreiras. As transições na carreira, incluindo o turn-away, podem ser compreendidas neste contexto como processos de mudança que visam, além de recompensar um funcionário com uma possibilidade de avanço, a agir como um componente estratégico na gestão de carreiras de uma organização. Por este motivo, as carreiras e os processos de turn-away configuram-se como temáticas dos próximos subcapítulos.
2.1.3 A evolução dos modelos de carreira
As transformações no mundo do trabalho trouxeram mudanças ao conceito de carreira e à maneira como os trabalhadores percebem e vivem a carreira profissional (▇▇▇▇▇▇▇, 2011). Para os profissionais da área da tecnologia da informação, estas mudanças tornam-se ainda mais presentes, à medida que eles atuam em um contexto demarcado por constantes atualizações e descontinuidades, as quais resultam em novos vínculos de trabalho e contratos psicológicos estabelecidos com as organizações. Visto que as transições na carreira de profissionais de TI fazem parte do escopo
deste estudo, faz-se relevante contextualizar a evolução da compreensão sobre a carreira para que se possa compreender suas implicações nas trajetórias de trabalho destes sujeitos.
Etimologicamente, a palavra “carreira” advém do latim carraria, ou seja, caminho ou estrada para carruagens (CHANLAT, 1995; ▇▇▇▇▇▇▇, 2001; ROTHMANN; ▇▇▇▇▇▇, 2009). A partir do século XIX, passou-se a utilizar este termo para definir a trajetória da vida profissional. Até recentemente, o conceito de carreira permaneceu circunscrito a esta analogia, como uma propriedade estrutural das organizações ou das ocupações (MAGALHÃES; BENDASSOLLI, 2013; ▇▇▇▇▇▇▇, 2001;
▇▇▇▇▇▇▇, 2011). Deste modo, o indivíduo adentraria em uma carreira (ou estrada), sabendo, de antemão, o que esperar do percurso (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 1996a). Neste sentido, a carreira se constituía como uma ferramenta administrativa, com fins pragmáticos de gestão organizacional das pessoas, cuja função principal era estruturar a trajetória de funcionários dentro das organizações (RIBEIRO, 2009, 2011). Esta trajetória era delimitada a partir da sistematização de cargos e funções a serem desempenhados, fundamentando-se em uma lógica de progressão vertical através de níveis ordenados. Por este motivo, estava circunscrita às organizações, de modo que quem não trabalhasse nestes espaços não tinha sua trajetória de trabalho reconhecida como carreira (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 1996a; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 2013; RIBEIRO, 2009).
Este modelo de carreira, o qual vigorou até as décadas de 1970 e 1980, foi denominado “carreira tradicional”. ▇▇▇▇▇▇▇ (2001) aponta que este modelo é marcado por três pontos que limitam o conceito de carreira. O primeiro refere-se à questão da ascensão, a qual ocorria de forma linear e vertical nas organizações e era acompanhada de crescente status e ganhos financeiros. A mobilidade ocorria de forma planejada, linear e ascendente na hierarquia organizacional. Desta forma, a carreira era compreendida como uma sucessão de posições crescentes em termos de hierarquia e esta trajetória ascendente era estruturada pela própria empresa, apresentando sinais palpáveis e claros de progresso em seus diversos estágios. O segundo ponto diz respeito à associação da carreira à profissão, de modo que um militar, um médico ou um sacerdote teriam carreiras, já um funcionário de escritório ou um operário de uma indústria não as teriam. E o terceiro aspecto é referente à estabilidade ocupacional, que propunha que a carreira era escolhida na juventude e não sofria grandes alterações ao longo da vida. Por conseguinte, o trabalhador iniciava sua vida profissional em uma
organização e permanecia na mesma até a aposentadoria, desenvolvendo atividades relacionadas à sua profissão.
Somado a estes fatores apresentados, Magalhães e ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇ (2013) pontuam outro aspecto característico do modelo de “carreira tradicional” que limita o conceito de carreira: as fronteiras delimitadas. Para os autores, este modelo implica em uma dimensão formal do trabalho, composta por fronteiras entre o trabalho e o não trabalho, entre localizações geográficas (não era comum que as pessoas fossem expatriadas para trabalhar em outros países), fronteiras ocupacionais (a mobilidade entre áreas era baixa), fronteiras jurídicas (emprego regulamentado por contrato mediado pelo Estado), entre outros aspectos.
As modificações ocorridas no mundo do trabalho a partir dos anos de 1970 em decorrência do capitalismo, tais como a globalização da economia, a flexibilização do trabalho, a necessidade de mudanças nas organizações, as estratégias de downsizing, achatamento dos níveis hierárquicos, outsourcing e terceirizações provocaram mudanças no que concerne ao modelo de carreira vigente na época (BARUCH; SZŰCS; GUNZ, 2015; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 2009; CHANLAT, 1995). Estes
fenômenos impulsionaram a ocorrência de turnover e as carreiras que pareciam estáveis e favoráveis ao progresso foram interrompidas e ampliadas para além dos limites das empresas, alcançando o mundo do trabalho como um todo (▇▇▇▇▇▇▇, 2009). Deste modo, o modelo de carreira tradicional – que surgiu no interior das fábricas para estruturar o movimento dos trabalhadores pelos vários postos de trabalho (RIBEIRO, 2011), marcado pela linearidade, objetividade e estabilidade ocupacional – vai dando espaço a novas formas de carreiras. Não obstante o modelo tradicional de carreira organizacional ainda prevaleça em muitas organizações (BARUCH; SZŰCS; GUNZ, 2015; ▇▇▇▇▇▇▇, 2011),
modelos ou metáforas de carreira mais atuais vão difundindo-se neste cenário, tais como a carreira sem fronteiras (ARTHUR, 1994), carreira proteana (HALL, 1976), craft career (POEHNELL; AMUNDSON, 2002), carreira portfólio (BORGEN; AMUNDSON; ▇▇▇▇▇▇, 2004), carreira multidirecional (BARUCH, 2004), carreira caleidoscópica (▇▇▇▇▇▇▇▇ et al., 2007), arco-íris de carreira (SUPER; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 1996) e carreira psicossocial (▇▇▇▇▇▇▇, 2009, 2011) as quais são mais flexíveis e menos lineares e pautam-se no papel ativo do sujeito frente ao gerenciamento de sua carreira. Uma sistematização das principais características destes novos padrões de carreira pode ser observada no Quadro 1.
Quadro 1 – Novos modelos e metáforas de carreira encontrados na literatura científica. Elaborado a partir de sínteses realizadas por ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇ (2013) e ▇▇▇▇▇▇▇ (2011).
Modelo | Proposições |
Carreira sem fronteiras (ARTHUR, 1994) | • Pluralidade de contextos de trabalho (o sujeito não se dedica a uma só organização ao longo de sua vida); • É comum transpor fronteiras ocupacionais, geográficas, organizacionais, setoriais e entre a vida pessoal e profissional; • Validação da carreira fora das empresas; • Maior mobilidade e flexibilidade; • Foco no autoconhecimento de competências como know-why, know-how, know-whom (sustenção através do networking); • Contrato psicológico instável e transversal. |
▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ (▇▇▇▇, ▇▇▇▇) | • ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ (▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇ é sempre o indivíduo e não a organização); • Versatilidade e flexibilidade; • Contrato psicológico transacional; |
Craft Career (POEHNELL; AMUNDSON, 2002) | • Autonomia, criatividade, invenção e reinvenção do próprio trabalho; • Sujeito e atividade como um único conjunto; |
Carreira Portfólio (BORGEN; ▇▇▇▇▇▇▇▇; REUTER, 2004) | • Diversificação das atividades profissionais (scripts); • Identidades profissionais múltiplas; • Flexibilização das identidades pessoais; • Múltiplas áreas de expertises individuais; • Autogestão como característica central; • Contexto de trabalho flexível. |
Carreira Multidirecional (BARUCH, 2004) | • Não linearidade das experiências de trabalho; • A carreira é planejada e gerida pelas organizações; • Variedade de opções e direções de desenvolvimento; • Contrato psicológico transacional; • Comprometimentos múltiplos. |
Carreira Caleidoscópica (▇▇▇▇▇▇▇▇ et al., 2007) | • Organização de diferentes aspectos da vida para formar padrões diferentes de carreira; • Foco na autenticidade (sustentação da carreira por valores internos), balanço entre trabalho e não trabalho e a necessidade de trabalhos desafiadores. |
Arco-íris de carreira (SUPER; SAVICKAS, 1996) | • Articulação espaçotemporal contínua de seis papéis sociais (membro da família, criança, estudante, tempo livre, cidadão, trabalhador) desempenhados pela pessoa; • Carreira articulada aos papéis centrais de cada um; • Carreira marcada pelo discurso engendrado nas relações sociais. |
Carreira psicossocial (▇▇▇▇▇▇▇, 2009, 2011) | • Microestrutura heterogênea que demanda uma construção contínua da relação psicossocial através de sínteses temporárias que precisam ser legitimadas socialmente; • Projeto de ação que contemplaria as trajetórias do sujeito no mundo do trabalho, as quais tem a potencialidade de relação e de transformação bem como de gerar sentido e continuidade. |
Fonte: Elaboração da autora, 2015.
Conforme é possível observar no quadro apresentado, existem muitas semelhanças nos modelos e metáforas de carreira que vêm sendo discutidos no campo de estudos sobre esta temática. A literatura especializada sobre carreira tem apontado que os estudiosos do tema parecem inventar novos termos para conceitos semelhantes e que tais termos em uso tendem a refletir as mudanças contextuais que os autores percebem estar acontecendo nas carreiras no momento em que estão escrevendo, focando em aspectos como globalização, insegurança, empregabilidade e percepção de sucesso (BARUCH; SZŰCS; GUNZ, 2015; BARUCH; BOZIONELOS, 2010).
Também se faz possível identificar que os novos modelos ou metáforas de carreira descritos partilham uma concepção específica acerca do sujeito e do significado do trabalho para os mesmos. De acordo com ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇ (2013), estes modelos enfatizam um sujeito ativo e agente da própria vida, que não se limita a receber instruções do meio. É um sujeito que se apropria de significados em interações com outras
pessoas e com os sistemas sociais e institucionais nos quais está inserido. Já o trabalho pode deixar de ser considerado exclusivamente como emprego, passando a ser compreendido como uma dimensão existencial, como uma atividade de transformação da natureza, de si mesmo e das outras pessoas (MAGALHÃES; BENDASSOLLI, 2013).
No âmbito da discussão sobre carreira, para demarcar estas diferentes concepções e os distintos papéis exercidos pelas organizações e sujeitos frente à gestão da carreira profissional, surgem duas dimensões do conceito: a carreira externa e a interna. A definição de carreira externa2 (Schein, 1978) vai ao encontro do conceito de carreira tradicional e pode ser compreendida como uma ferramenta utilizada para gerir a trajetória de cargos e funções a serem trilhadas pelos funcionários de uma organização (Ribeiro, 2011). É caracterizada pelas etapas concretas exigidas por uma profissão ou organização para que se obtenha progresso e elaborada exclusivamente pela gerência de modo que os sujeitos que ingressam em uma empresa devem ser inseridos neste plano (Schein, 1978, 1990, 1996, 2006a). Já a carreira interna3 (Schein, 1978) refere-se à ideia que a pessoa possui a respeito de seu trabalho e o papel que este desempenha em sua vida, ou seja, a percepção do sujeito a respeito da sua trajetória de vida no trabalho através de funções, cargos, empregos e trabalhos desenvolvidos, constituindo-se em um processo psicossocial (▇▇▇▇▇▇▇, 2011).
O conceito de carreira como um processo psicossocial, proposto por ▇▇▇▇▇▇▇ (2009, p.212), parte de uma concepção dialética na qual a carreira pode ser compreendida “como uma microestrutura heterogênea que demanda uma construção contínua da relação psicossocial através de sínteses temporárias e precisa ser legitimada socialmente”. Para o autor, a contemporaneidade, marcada pela instabilidade, mudança e descontinuidade, pressupõe trajetórias de carreira nas quais as pessoas não teriam que se adaptar a uma estrutura predefinida ou a um projeto social coletivamente instituído – tal como configura-se a carreira tradicional – mas teriam a possibilidade de transformar as incertezas do contexto em construções de carreiras viabilizadas na relação psicossocial. Isto permitiria ao indivíduo lidar com uma variabilidade de circunstâncias, sem ficar preso a elas na temporalidade do presente. Neste contexto, as carreiras seriam
2 Outros termos podem ser encontrados na literatura para denominar carreira externa, tais como carreira objetiva (HUGHES, 1937), burocrática (CHANLAT, 1995), corporocrática (KANTER, 1997) ou organizacional (VAN MAANEN, 1977).
3Também conhecida como carreira subjetiva (HUGHES, 1937) ou desenvolvimento vocacional (SUPER, 1957).
demarcadas por projetos que contemplariam as trajetórias do sujeito no mundo do trabalho, as quais tem a potencialidade de relação e de transformação, bem como de gerar sentido e continuidade.
A carreira psicossocial compreende construções relacionais que antes de tornarem-se práticas legitimadas socialmente, constituem-se como práticas narrativas sobre o que o sujeito faz, constituindo-se como um processo social, gerador de identidades, papéis e representações sociais (dimensão subjetiva) (▇▇▇▇▇▇▇, 2009). Por isto, configuram-se como projetos de ação construídos a partir de sínteses temporárias de trajetórias de vida (deslocamento espaço-temporais) no mundo do trabalho e como processos de transformação tanto da estrutura social (papéis e representações sociais) quanto da estrutura subjetiva (self e identidades psicossociais) (▇▇▇▇▇▇▇, 2009, 2014).
Estas estruturas são constantemente articuladas na história de vida de cada sujeito e, por isso, demarcam esta dimensão psicossocial. Para ▇▇▇▇▇▇▇ (2014), a história pode ser compreendida por meio de duas maneiras complementares: de um lado, pelo discurso que é compreendido como uma narrativa oficial, legitimado coletivamente e que busca promover uma conexão das descontinuidades, a partir de uma estratégia de racionalização através da inserção no tempo cronológico; por outro, através da narrativa singular de alguém que viveu determinada experiência, a qual implica em uma rememoração do passado, é seguida de uma reatualização do presente e onde a cronologia perde espaço para o livre desenrolar das lembranças.
Neste âmbito, fundamentado nos estudos de ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ (2001) e ▇▇▇▇▇▇▇ (1996) sobre a temporalidade no projeto de vida e na construção da identidade no contexto escolar, ▇▇▇▇▇▇▇ (2009, 2014), propõe que o discurso é demarcado por uma temporalidade Chronos e a narrativa é demarcada pela temporalidade de ▇▇▇▇▇▇. A temporalidade Chronos é marcada pelo tempo linear, lógico, previsível e gerador de significado, no qual o projeto de vida é concebido como uma antecipação do futuro e é denominado como time (PELLETIER, 2001). Nesta perspectiva, a noção de carreira como time pressupõe o desenvolvimento fixo e linear e no qual já se conhece as etapas a percorrer e as tarefas a serem realizadas. Aproxima-se das ideias de carreira externa (SCHEIN, 1978) ou objetiva (HUGHES, 1937). Já a temporalidade de ▇▇▇▇▇▇ é marcada pelo tempo descontínuo, inevitável, imprevisível e no qual o futuro é vivido e não planejado e é nomeado de timing (PELLETIER, 2001). A noção de carreira como timing é caracterizada por um desenvolvimento descontínuo, imprevisível, marcado por rupturas, por momentos de permanência e de
mudança. Tal perspectiva, aproxima-se das concepções de carreira interna (SCHEIN, 1978) ou subjetiva (▇▇▇▇▇▇, 1937).
As concepções de discurso e narrativa e de temporalidade na carreira visam fundamentar a compreensão de que a história de cada sujeito não se constitui como um continuum linear, bem como não basta revelar seu encadeamento, mas sim refazê-lo a cada momento, em cada síntese temporal realizada pelos sujeitos em suas interações com o mundo (RIBEIRO, 2014). Neste sentido, conforme ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ (2014, pg. 126), “a proposta de carreira psicossocial tem a intenção de romper a tendência de dicotomizar as investigações no campo da carreira, seja pela dicotomia pessoa e sociedade, carreira subjetiva e objetiva, carreiras antigas e novas carreiras”. Deste modo, nesta concepção, parte-se do princípio de que a carreira como uma categoria analítica, não deve ser analisada de forma isolada, nem como carreira objetiva (demarcada por sua estrutura social e ou organizacional predefinida), nem como uma carreira subjetiva (que foca no desenvolvimento vocacional singular), mas sim como um processo psicossocial. De acordo com o autor, esta proposta possibilita contemplar a heterogeneidade das carreiras contemporâneas, visto que ao mesmo tempo em que suscitam novos modelos de carreira, também coexistem modelos e configurações mais genéricos e estruturados.
A partir de uma compreensão sobre carreira que contempla duas dimensões distintas que se inter-relacionam, as discussões sobre carreira tomaram dois rumos centrais: um que enfatiza o papel da pessoa e outro que foca mais no papel da organização (FRANÇA, 2013; ▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 2009). No que tange ao papel da pessoa na gestão da carreira, estudos apontam para a importância de um projeto profissional consciente, o qual pressupõe uma visão de carreira de dentro para fora, ou seja, a pessoa primeiro identifica seus pontos fortes, o que gosta de fazer e o que faz bem e, na sequência, analisa as oportunidades de carreira (DUTRA, 2010; FRANÇA, 2013; SCHEIN, 1996). Para tanto, é importante que a empresa ofereça atividades com as quais o sujeito possa se identificar e que lhe permita a sensação de progresso pessoal em direção ao desenvolvimento (BENDASSOLLI, 2009). Já o papel da empresa é oferecer um sistema de gestão de carreiras composto por diretrizes, estruturas e instrumentos de gestão, com a finalidade de manter os funcionários satisfeitos, úteis aos objetivos da empresa e comprometidos com a organização (BENDASSOLLI, 2009; FRANÇA, 2013). Além de elaborar planos organizacionais de carreira, cabe às empresas o grande desafio de, simultaneamente, auxiliar na gestão das carreiras individuais de seus colaboradores.
Diante disso, a literatura aponta que algumas pessoas apresentam uma resistência ao planejamento de suas vidas profissionais (▇▇▇▇▇, 2010; FRANÇA, 2013). Segundo estes estudos, esta resistência pode estar atrelada tanto ao fato das pessoas entenderem a trilha profissional como algo dado, quanto pelo fato de não serem estimuladas a refletir sobre isso ao longo da vida. Por este motivo, tendem a guiar suas carreiras mais por apelos externos do que por preferências pessoais (▇▇▇▇▇, 2010). Porém, ▇▇▇▇▇▇ (1978) sugere que o estabelecimento de um senso crítico por parte dos trabalhadores no que se refere às suas necessidades pessoais, valores, objetivos e expectativas pode ser determinante neste contexto e fundamental para o seu desenvolvimento de carreira. Na medida em que a gestão de pessoas pelas organizações passa por grandes transformações, a consciência do sujeito acerca do que é importante para si e do que espera como retorno do seu trabalho pode possibilitar o estabelecimento de novos contratos psicológicos entre os sujeitos e suas respectivas organizações, os quais mantém-se na medida em que a pessoa contribui para o desenvolvimento da organização e vice-versa.
Todavia, conciliar diferentes expectativas de carreira dos sujeitos com as necessidades organizacionais parece uma tarefa complexa. ▇▇▇▇▇▇ (1978), já na década de 1970, enquanto ocorriam mudanças provocadas pelo capitalismo, salientou que a essência do desenvolvimento da carreira estava na interação entre os interesses do indivíduo e da organização. O autor apontou que ambos são interdependentes, pois tanto as organizações dependem da performance de seus empregados quanto os sujeitos dependem das organizações para conseguirem empregos e oportunidades de carreira. Deste modo, seria necessário integrar seus interesses para o sucesso de ambos.
Conforme apontado anteriormente, uma forma significativa que possibilita a integração entre as diferentes expectativas de carreira e as necessidades organizacionais é as empresas oferecerem estruturas de carreira delimitadas como suporte para que os sujeitos possam avaliar as possibilidades e planejar suas trajetórias profissionais (BENDASSOLLI, 2009; ▇▇▇▇▇, 2010; FRANÇA, 2013). Tais estruturas não devem ser entendidas como molduras, nas quais as pessoas devem ser encaixadas, mas sim como uma maneira de organizar as diferentes possibilidades de caminhos que o sujeito pode percorrer ou almejar. As estruturas de carreira geralmente são divididas em três tipos básicos: em linha, em rede ou paralelas (esta última pode ser dividida em totalmente paralela, paralela em Y ou paralela múltipla) (FRANÇA, 2013). A estrutura em linha é caracterizada por uma sequência de posições alinhadas em uma única
direção. A estrutura em rede oferece várias opções para cada posição na empresa. Já a estrutura paralela permite orientar a trajetória profissional em duas direções: uma de natureza técnica e outra de natureza gerencial (Figura 1).
As carreiras paralelas surgiram da necessidade de criar uma carreira com maior possibilidade de crescimento para profissionais com maior especialização técnica (DUTRA, 2010). Neste sentido, possibilitam contemplar uma carreira técnica ou funcional com a mesma valorização da carreira gerencial. Geralmente está associada a carreira em “Y” e constitui- se como um recurso abrangente e flexível para instrumentalizar a gestão de carreiras. Porém, ▇▇▇▇▇ (2010) salienta que embora a carreira paralela tenha sido estruturada como uma forma de conciliar as necessidades das organizações e das pessoas especializadas, ela necessita adequar-se ao contexto onde se insere para alcançar seus objetivos, pois caso contrário, aspectos não definidos claramente podem levar a perdas de profissionais importantes no quadro funcional. Estes aspectos podem constituir-se em equidade e equivalência entre os braços técnico e gerencial, critérios de ascensão bem definidos, entre outros.
Figura 1 – Tipos básicos de carreira. Adaptação realizada por França (2013) a partir de um modelo de London e Stump (1982).
Fonte: FRANÇA, A. C. L. ▇▇▇▇▇▇▇▇ e perfil do gestor de pessoas. In . Práticas de recursos humanos – PRH: conceitos, ferramentas e procedimentos. São Paulo: Atlas, 2013.
As estruturas de carreira descritas – bem como os sistemas de incentivo e controle e as demais práticas administrativas delineadas por uma organização – são concebidas a partir de suposições acerca da “natureza humana”4 dos sujeitos que trabalham nestes contextos. Para Schein (2009), tais suposições organizacionais fundamentam-se em comportamentos, desejos, formas de incentivo e controle, orientações para atividades e desenvolvimento, os quais são pressupostos como inerentes aos diferentes sujeitos. Devem partir da concepção de que a “natureza humana” é complexa e maleável, não contemplando uma perspectiva única, mas sim as diferenças entre as pessoas, tal como será aprofundado no próximo subcapítulo desta pesquisa. Considerar esta variabilidade é essencial para que as organizações possam desenvolver um consenso acerca de suas próprias suposições e as compartilhem com os diferentes níveis hierárquicos, com a finalidade de evitar práticas inconsistentes e confusas.
Sobretudo no contexto de trabalho da tecnologia da informação, em decorrência da intensa dinâmica da área e de suas constantes atualizações, conhecer as diferentes motivações de carreira dos profissionais que atuam neste âmbito é fundamental para a retenção destes sujeitos (AGARWAL; FERRAT, 2000). Isto permitiria às organizações contratar funcionários que apresentam motivações de carreira que se adequem às necessidades da organização. Entretanto, o que tem sido observado como uma tendência atual no setor produtivo de TI é a realização de acordos altamente personalizados em resposta às demandas críticas da organização por competências escassas no mercado de recursos humanos, refletindo estruturas e possibilidades de carreiras mais modernas, tais como as denominadas sem fronteiras e proteanas.
As possibilidades de carreira para profissionais da área de TI são múltiplas e direcionam-se, cada vez, mais para modelos menos genéricos e mais singulares. Tais modelos, implicam em uma individualização da trajetória profissional, demarcada pela autogestão e autonomia, tanto para
4 Neste estudo optou-se pelo uso da expressão “natureza humana” com a finalidade de seguir fielmente os pressupostos e termos utilizados nos estudos pesquisados (SCHEIN, 2009). Embora o termo “natureza humana” também possa estar associado a características naturais do ser humano, determinadas a priori, na literatura pesquisada para este estudo entende-se a “natureza humana” como as características socialmente construídas de determinado sujeito que favorecem que este pense, sinta e aja de maneiras específicas frente a determinados contextos. O tópico 2.1.3.1 é destinado especificamente a esta temática.
a condução quanto para o desenvolvimento de carreira. Conforme ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇ (2011), os novos modelos de carreira não correspondem à totalidade das carreiras no interior das organizações, as quais, com frequência, permanecem determinadas pelo modelo tradicional de carreira organizacional, mas é bastante disseminada em grupos específicos de trabalhadores, dentre eles, os da tecnologia da informação.
Os mercados de trabalho para empresas de TI podem ser muito diferentes de mercados de trabalho mais tradicionais, pressupondo, muitas vezes, recursos humanos e estratégias altamente personalizados para atender às características do trabalho em TI em diferentes regiões (ANG; SLAUGHTER, 2000). Por conseguinte, esta heterogeneidade se reflete nas possibilidades de carreira no setor. Um exemplo desta diversidade pode ser observado no Vale do Silício, região localizada no norte do estado da Califórnia, Estados Unidos, onde está situado um conjunto de empresas implantadas a partir da década de 1950 com a finalidade de gerar inovações científicas e tecnológicas. O Vale do Silício representa o epítome de um mercado de trabalho aberto e os planos de carreira nesta região são a antítese das progressões de carreira tradicionais (SAXENIAN, 1996). Neste sentido, os modelos contemporâneos de carreira foram, inclusive, estruturados com base no que acontecia no Vale do Silício e, por isso, a área de TI seria vanguarda para mudanças nos planos de carreira organizacionais. As características peculiares deste contexto reforçam a difusão da mobilidade dos profissionais entre empresas e a importância das redes informais que transcendem as fronteiras da organização. Estas estratégias visam minimizar custos com a busca e troca de funcionários decorrente da rotatividade entre empresas. Deste modo, o aprendizado ocorre quando os indivíduos se movem entre as empresas e indústrias, adquirindo novas competências, experiências e know-how. Isto se torna possível à medida que trocam informações técnicas e de mercado, tanto na esfera formal quanto na informal, e através do deslocamento de equipes formadas por empreendedores reagrupados, os quais experimentam novas tecnologias e aplicações. Estes aspectos contribuem para que os profissionais da região “acordem pela manhã pensando que trabalham para a empresa Vale do Silício” e não para uma organização específica (SAXENIAN, 1996, p.23).
Para muitos profissionais que atuam na região, as carreiras de sucesso raramente são construídas dentro dos limites de uma única organização, mas são definidas a partir da capacidade de um indivíduo ou uma equipe definir novos mercados, tecnologias, produtos e aplicações. Portanto, os profissionais que atuam no Vale do Silício deslocam-se entre
empresas com tanta frequência que não só a mobilidade se tornou aceitável, como também se constitui como uma regra. É raro no Valle do Silício um profissional técnico ter uma carreira em uma única empresa. A média de permanência no emprego nesta região gira em torno de dois anos e os profissionais são, geralmente, caracterizados como job-hoppers, ou seja, sujeitos que trabalham brevemente em uma posição após a outra ao invés de permanecerem em uma organização por um longo prazo. As pequenas empresas e as startups5 são opções que despertam mais interesse nos funcionários do que as grandes corporações com reputações estabelecidas, despertando a motivação dos profissionais da região que buscam constantes desafios. Estes fatores contribuem para que as empresas localizadas no Vale do Silício continuem a superar os concorrentes com limites corporativos mais tradicionais (SAXENIAN, 1996). São oriundas desta região, empresas como Apple, Microsoft, Google, Yahoo! e eBay.
Conforme observado no decorrer deste tópico, a carreira vem se constituindo como um construto teórico e prático que contempla tanto uma dimensão objetiva, que visa a sistematizar a progressão das pessoas no interior das empresas, quanto uma dimensão subjetiva que envolve o desenvolvimento e a trajetória psicossocial das pessoas no trabalho (▇▇▇▇▇▇▇, 2009, 2015). Todavia, estas dimensões se inter-relacionam ao passo que o desenvolvimento da carreira se encontra na relação entre os interesses do indivíduo e da organização, conciliando a dinâmica das perspectivas e expectativas de ambas (DUTRA, 2010; ▇▇▇▇▇▇▇, 2011; SHEIN, 1978). Portanto, torna-se importante compreender a partir de que pressupostos as organizações estruturam seus planos de carreira, visando atender as demandas dos sujeitos que nelas atuam.
2.1.3.1 As suposições de “natureza humana” que fundamentam os planos de carreira
Conhecer a realidade dos sujeitos que atuam em determinado contexto organizacional e delimitar suposições consistentes acerca de seus comportamentos, objetivos e motivações faz-se importante tanto para que as organizações possam oferecer estruturas e oportunidades de carreira satisfatórias e atraentes para atrair e reter funcionários (ROTHMANN; ▇▇▇▇▇▇, 2009), quanto para que os profissionais possam avaliar as oportunidades de trabalho que vão ao encontro de seus objetivos. Os primeiros estudos sobre motivação no trabalho fundamentavam-se no
5 Empresas novas que buscam explorar atividades inovadoras no mercado.
pressuposto de que os únicos incentivos que os gerentes dispunham para negociar com os funcionários eram os monetários, partindo da suposição que a motivação essencial destes sujeitos era o interesse econômico (SCHEIN, 2009). Posteriormente, os estudos realizados em Hawthorne, somados as descobertas de Argyris (1964) e ▇▇▇▇▇▇ (1954) ampliaram este escopo, ao iluminarem outros aspectos que motivam os sujeitos a partir de diferentes necessidades.
Os estudos realizados em Hawthorne (▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 2004; SCHEIN, 2009) lançaram uma série de “suposições sociais”, as quais fundamentavam-se no pressuposto de que os funcionários eram motivados pela necessidade de se relacionar bem com os colegas e grupos e que esta motivação, frequentemente, superava o autointeresse econômico. Estas suposições se evidenciaram a partir de pesquisas sobre a restrição da produção, as quais demonstraram que os operários estavam dispostos a reduzir o salário para não trabalhar além da jornada diária de oito horas de trabalho, inclusive fazendo pressão sobre os colegas para que não fizessem horas extras (SCHEIN, 2009). Além de revelarem a existência de grupos de trabalho informais e seus controles sobre a produção, estes achados denotaram a importância de ter um supervisor compreensivo e a necessidade de tratar os funcionários de uma forma digna, ao invés de simplesmente como “capital humano” (MUCHINSKY, 2004).
Outra suposição importante acerca dos interesses dos funcionários foi descoberta por ▇▇▇▇▇▇▇ (1964). Este autor identificou que os operários autorrealizadores necessitavam de desafio e de um trabalho interessante para se auto-afirmar e de maneiras pelas quais pudessem expressar de forma plena os seus talentos. Esta descoberta vai ao encontro de um dos pressupostos da presente pesquisa, o de que os profissionais da área técnica de TI que migraram para cargos de chefia o fizeram em virtude da oportunidade de desafio e mudanças, corroborando o contrato psicológico estabelecido com as respectivas organizações. Ademais, outra sistematização importante acerca das motivações e necessidades dos sujeitos foi proposta por ▇▇▇▇▇▇ (1954), o qual as organizou em uma hierarquia: se o sujeito estiver na fase de sobrevivência, os motivos econômicos tendem a se sobressair; se as necessidades de sobrevivência forem atendidas, as sociais poderão vir à tona; já se as necessidades sociais forem atendidas, as de autorrealização serão reveladas.
Os estudos de ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇ e colaboradores (1999) acerca das mudanças organizacionais também podem contribuir de forma efetiva para a compreensão das suposições de “natureza humana” nas diferentes organizações, assim como nos impactos que estas concepções podem
provocar na gestão de carreiras na atualidade. Para os autores, na iminência de uma mudança organizacional planejada, gestores e agentes responsáveis necessitam utilizar diferentes meios para mobilizar o poder e obter apoio dos funcionários para o dispêndio de esforços em direção a estas mudanças. Neste contexto, diferenciam três estratégias principais utilizadas como base de poder social e que geram implicações específicas sobre o processo de mudança planejada: a força-coersão, persuasão racional e poder compartilhado.
A força-coersão ocorre quando um agente de mudança age unilateralmente para tentar comandar os demais para a mudança, baseado na força de seu cargo. Para tanto, utiliza a legitimidade, recompensas e punições como indução para a execução da mudança planejada. Deste modo, as pessoas respondem a esta estratégia a partir do desejo de ganhar a recompensa ou porquê tem receio da punição que pode ocorrer se não concordarem. Esta estratégia pressupõe uma concepção organizacional de que as pessoas são motivadas pelo autointeresse e pelo que a situação pode oferecer em termos de potenciais ganhos ou perdas pessoais. Partindo deste pressuposto, a gestão pode utilizar uma estratégia que visa descobrir os interesses dos sujeitos com os quais trabalham e pressioná-los, a partir destes motivos, para o processo de mudança. Entretanto, o cumprimento da ordem é temporário e só permanece enquanto persistir a autoridade do agente de mudança ou enquanto as oportunidades de prêmio e punição estiverem claras (SCHERMERHORN; HUNT; ▇▇▇▇▇▇, 1999).
A estratégia de persuasão racional presume que as pessoas são guiadas pela razão e interesse próprio ao decidirem se vão apoiar uma mudança ou não. Por este motivo, os agentes de mudança buscam convencer os demais de que a mudança vai deixá-los em uma situação melhor do que antes. Deste modo, por meio de informações e fatos, busca- se mostrar a conveniência essencial da mudança a partir da perspectiva do sujeito. Quando esta estratégia funciona, a mudança ocorre de forma mais duradoura e internalizada do que a da força-coersão (SCHERMERHORN; HUNT; ▇▇▇▇▇▇, 1999).
Já na estratégia de poder compartilhado, as pessoas que serão afetadas pela mudança podem ser envolvidas ativamente no planejamento e na tomada de decisões em relação à mudança. O apoio para a mudança ocorre por meio do envolvimento e concessão de poder. Parte-se da suposição de que as pessoas têm motivações complexas e que as mudanças organizacionais envolvem mudanças de atitudes, valores, habilidades e relacionamentos significativos e não apenas mudanças de conhecimentos, informações ou racionalização intelectual para a prática. Portanto, para
viabilizar as mudanças, procura-se esclarecer as opiniões e identificar os sentimentos e expectativas dos sujeitos (SCHERMERHORN; HUNT; ▇▇▇▇▇▇, 1999).
Estas três dimensões de poder social para a viabilização de mudanças no contexto organizacional também podem influenciar diretamente no modo como as empresas lidam com a gestão de carreira em seus contextos, tal como será observado na discussão dos resultados encontrados neste estudo. Portanto, faz-se relevante que a gestão organizacional possa estar atenta às diferentes necessidades e motivações de seus funcionários, para que se torne possível a estruturação de planos de carreira compatíveis com estes interesses e, até mesmo, para que possam surgir oportunidades de mobilidade entre diferentes cargos ou níveis hierárquicos que favoreçam a gestão estratégica da organização. Quando o gestor não consegue monitorar de forma adequada o seu ambiente, reconhecer as tendências, a necessidade de mudança e as alternativas possíveis para torna-las exequíveis, sua organização pode ir perdendo a competitividade (SCHERMERHORN; HUNT; OSBORN, 1999). Por este motivo, a mobilidade na carreira pode ser compreendida como uma estratégia organizacional para manter a competitividade, além de favorecer o desenvolvimento de seus funcionários e a percepção por parte destes de cumprimento do contrato psicológico (se for ao encontro dos interesses dos mesmos). Tais transições configuram-se como o tema do próximo tópico.
2.1.4 Transições de carreira ou na carreira? O Turn-away neste contexto
No século XXI houve um aumento expressivo do número de transições de carreira no Brasil (VELOSO; DUTRA, 2010). O termo transição de carreira consiste no período durante o qual um indivíduo está mudando e redirecionando suas funções, papéis profissionais ou orientações de carreira (LOUIS, 1980). Podem ocorrer tanto em termos objetivos quanto subjetivos, sendo que as mudanças objetivas podem ser publicamente notadas e conhecidas e as subjetivas são decorrentes da percepção individual entre o estado anterior e posterior à transição, bem como da avaliação pessoal sobre a nova situação e papel (VELOSO; ▇▇▇▇▇, 2010). Estas dimensões refletem aspectos que se relacionam, respectivamente, com os conceitos de carreira externa e carreira interna, já delimitados neste estudo, bem como com o conceito de carreira psicossocial que une estas esferas a partir da legitimação das narrativas dos sujeitos (▇▇▇▇▇▇▇, 2014).
As transições podem ser motivadas tanto por uma decisão pessoal do trabalhador que deseja buscar novos desafios, quanto por outras situações que impõem a necessidade de adaptação a novas realidades, tais como a perda de um emprego ou uma proposta de mudança de trabalho (VELOSO; ▇▇▇▇▇, 2010; VELOSO, 2012). Para Hall (2002), a maior
permeabilidade das fronteiras organizacionais torna mais comum que uma pessoa esteja em transição por iniciativa própria, no intuito de explorar novas opções de carreira e decidir os próximos passos de sua trajetória profissional. Estudos acerca da mobilidade na carreira reforçam esta tese ao apontarem que os profissionais mudam de carreira com a finalidade de aprender novas habilidades e se manter mais empregáveis em um contexto no qual as organizações têm realizado muitas mudanças que acabam em demissões (▇▇▇▇▇, 2006; ▇▇▇▇▇▇▇, 2001).
Veloso e ▇▇▇▇▇ (2010) apontam que a transição de carreira pode ser efetuada no mesmo nível de complexidade entre funções, porém, ao mudar de carreira a pessoa necessita absorver um conjunto de habilidades e conhecimentos de natureza diferente. Por conseguinte, precisa de um tempo para incrementar seu repertório de conhecimentos e habilidades, construir uma nova rede de relacionamentos e um novo conjunto de referências. Neste sentido, alguns estudos sugerem a existência de fases que compõem este período de transição (BRIDGES, 1991; LOUIS, 1980; QUISHIDA, 2007). Para ▇▇▇▇▇▇▇▇ (2007), o processo de transição de carreira se concretiza na passagem por diferentes estágios, tais como a pré-transição, descontentamento crescente, crise, redirecionamento e reestabilização. Já para Bridges (1991), a transição de carreira é um processo composto por três fases: término, zona neutra e novo começo. O término representa o momento em que se finaliza uma antiga situação de trabalho. A zona neutra compreende o período em que o sujeito não se identifica com a antiga realidade, nem se encontra ajustado plenamente a uma nova composição. E o novo começo representa o período em que o indivíduo experimenta uma nova oportunidade de trabalho. Porém, o autor ressalta que embora esta sequência seja a mais usual, as fases podem ocorrer simultaneamente.
Diante do quadro configurado até então, faz-se importante refletir acerca das terminologias utilizadas para estas mobilidades de carreira que compõem as trajetórias dos diferentes sujeitos, bem como sobre as diferentes “fases” que estruturam este processo. Precisariam os sujeitos passar por uma fase de descontentamento (QUISHIDA, 2007) ou não identificação (BRIDGES, 1991) para realizarem transições de (ou na) carreira? A transição de (ou na) carreira não pode ser decorrente de uma nova oportunidade que vem a motivar o sujeito mais do que a possibilidade
de trabalho anterior, sem necessariamente passar pelo estágio de descontentamento? Para realizar uma “transição na carreira” é necessário “abandonar” uma carreira e dar início a outra, como sugere a expressão “transição de carreira”?
Levando em consideração a concepção dialética de carreira psicossocial (▇▇▇▇▇▇▇, 2009) como sendo composta por projetos de ação sociais construídos a partir de sínteses temporárias de trajetórias de vida (deslocamento espaço-temporais) no mundo do trabalho, parte-se da compreensão de que os sujeitos realizam transições nas suas carreiras. Portanto, considera-se, na presente pesquisa, que a carreira é uma trajetória que contempla diferentes teses, sínteses e antíteses em um movimento dialético do sujeito no mundo do trabalho e não um caminho que o sujeito interrompe, finaliza e parte para outro. Envolve uma perspectiva de continuidade, de sequência, de novas produções orientadas para o futuro. Neste sentido, não se parte do pressuposto de que um sujeito transita de uma carreira para a outra, mas sim, que realiza transições dentro de sua trajetória de desenvolvimento profissional, as quais são legitimadas e sustentadas em suas relações sociais
Na literatura sobre mobilidade na (ou de) carreira, não existe um consenso acerca destas terminologias. É possível encontrar estudos que se referem às transições de carreira (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 1996b; BRIDGES, 1991), transições na carreira (CELESTINI; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇; GRISCI, 2012) e mudanças de carreira (▇▇▇▇▇▇▇, 2001). Em alguns estudos, os autores utilizam indistintamente as terminologias transições de carreira e na carreira (VELOSO; DUTRA, 2010). ▇▇▇▇▇▇▇ (1991) ao distinguir transição de carreira do conceito de mudança de carreira, aponta que o primeiro termo é decorrente de um processo interno que tem como foco a alteração do estado subjetivo e o segundo é situacional, decorrente de uma mudança externa ao indivíduo e tem como foco o resultado. Nesta mesma direção, ▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇ (2010) apontam que as transições de carreira implicam em uma alteração da identidade do sujeito, bem como ▇▇▇▇▇▇ (2003) considera em seus estudos o processo de mudança de carreira como sendo externa ao sujeito, que inclui trocas entre empresas e setores. Já ▇▇▇▇▇▇▇ (2001) pontua que uma mudança de carreira ocorre objetivamente quando um indivíduo muda de trabalho e de empregador e subjetivamente quando um sujeito percebe as mudanças ocorridas.
A partir destas definições, observa-se que o enfoque das distinções entre os termos encontra-se no âmbito das dimensões objetiva e subjetiva, as quais podem ser relacionadas ao conceito de carreira externa e carreira
interna, respectivamente. Entretanto, na discussão aqui proposta, considera-se que mesmo em uma perspectiva de carreira que contemple ambas as dimensões (objetiva e subjetiva), ainda assim as transições ocorreriam em uma carreira específica, em movimento dialético, e não de uma carreira para a outra.
Neste sentido, estudos apontam que, geralmente, as transições na carreira envolvem a assunção de novos papéis e a aquisição de novas competências (LOUIS, 1980; VELOSO; ▇▇▇▇▇, 2010; SCHLOSSBERG; ▇▇▇▇▇▇; GOODMAN, 1995; SCHLOSSBERG,
2011). Ao refletirem sobre suas trajetórias profissionais, é comum que pessoas que vieram da área técnica ou funcional e que atuam em posições gerenciais relatem a dificuldade de assumir distância em relação aos aspectos técnicos ou funcionais e colocar em primeiro plano as questões gerenciais. Geralmente, isto está atrelado ao fato de que estes sujeitos tinham em sua capacidade técnica ou funcional o seu diferencial profissional e sua principal identidade, incorporando paulatinamente a identidade gerencial. Por vezes, estas transições geram sentimento e emoções ambíguas, na medida em que por um lado podem representar rupturas e, por outro, podem resultar em realizações pessoais e profissionais (SCHLOSSBERG; ▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇, 1995; ▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇, 2010).
▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇ (2011), importante referência na literatura sobre transições, identificou que as pessoas lidam com as suas trasições de carreira a partir de quatro categorias de recursos potenciais, as quais denominou de 4S`s (Situation, Self, Support, Strategies). A situação envolve as características de contexto em que a pessoa se encontra no momento da transição, tais como ser cuidador de um parente e receber uma proposta de mudança de cidade, o que pode ser ansiogênico. O self se refere as características individuais que cada sujeito possui, tais como ser otimista e ser resiliente. O suporte abrange as percepções de apoio disponível no momento da transição. E as estratégias envolvem recursos que a pessoa disponibiliza para se adaptar com a nova situação.
Schlossberg (2011) aponta, ainda, que mais importante do que analisar estes recursos de enfrentamento, é avaliar o seu impacto na vida pessoa (quanto maior for o grau em que a mudança altera a vida diária da pessoa, seus relacionamentos, rotinas, percepções de self e de papéis desempenhados, maior será a demanda de desenvolvimento de recursos de enfrentamento e de tempo para se adaptar a estas transformações), o seu contexto (referente as pessoas envolvidas na mudança e como elas são afetadas) e a sua relatividade (o significado que a mudança tem para cada
pessoa) (SCHLOSSBERG, 2011; SCHLOSSBERG; WATERS;
▇▇▇▇▇▇▇, 1995). Estes fatores permitem identificar o quanto os efeitos das transições nas carreiras dos indivíduos são relativos e variam de acordo com a interpretação que cada sujeito. Este aspecto reforça como as carreiras não são significadas apenas de forma objetiva, mas contemplam também, o seu aspecto subjetivo e social.
Neste contexto de transições na carreira, dois fenômenos têm despertado o interesse de pesquisadores sobre a temática: turnover e turn- away. Segundo ▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇ (2014), o turnover é caracterizado pela mudança de emprego, para outra empresa, porém na mesma área e o turn- away consiste na situação em que o profissional muda de área, assumindo uma posição em uma área diferente dentro da mesma empresa ou fora dela, muitas vezes evoluindo para uma posição gerencial (▇▇▇▇▇▇; ANG; SLAUGHTER, 2015; ▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇, 2014). Entretanto, na literatura pesquisada para este estudo, o turn-away configura-se como uma transição na carreira do profissional dentro de sua própria empresa (ITUMA; SIMPSON, 2009; ▇▇▇▇▇▇; ANG, 2001; REICH; ▇▇▇▇▇▇-▇▇▇▇▇, 1999, 2003; ▇▇▇▇▇▇; BAROUDI, 1986).
O fenômeno do turn-away não é recente. Conforme apontado no início deste tópico, as transições na carreira, sejam elas para outras empresas ou dentro das estruturas organizacionais, vem se intensificando desde o início deste novo século (VELOSO; DUTRA, 2010). Entretanto, a terminologia turn-away vem sendo empregada em estudos mais recentes para demarcar um tipo específico de transição na carreira onde existe uma mudança de função (▇▇▇▇▇▇ et al., 2015; ▇▇▇▇▇▇; ANG; SLAUGHTER, 2015; MANGIA, 2013; ▇▇▇▇▇; JOIA, 2011, 2014).
Dutra (2010) salienta que a mobilidade entre funções da mesma natureza se dá naturalmente. Entretanto, entre funções de naturezas diferentes, onde desempenha-se atividades distintas, é comum observar dificuldades tanto para a empresa quanto para as pessoas. Para o autor, um exemplo clássico que reflete estas dificuldades é a migração de um excelente profissional técnico para a função gerencial, não levando em consideração os aspectos subjetivos do sujeito que contemplam suas características, habilidades, interesses, objetivos e expectativas de carreira. Isto ocorre, segundo ▇▇▇▇▇ (2010), pois o cargo gerencial é visto, muitas vezes, como um prêmio, como uma forma de reconhecimento da contribuição da pessoa para a organização e não levando em consideração as diferentes necessidades e motivações dos sujeitos, tal como descrito em subcapítulos anteriores. Deste modo, a empresa corre o risco de perder um ótimo profissional técnico e ganhar um gerente insatisfeito com sua carreira
e, por vezes, despreparado para a função que exerce, visto que é comum haver um conjunto de competências exigido de um sujeito que ocupa uma posição gerencial diferente do conjunto requerido de uma pessoa em posição técnica.
Soma-se a este panorama o fato de que muitas empresas que, em teoria, oferecem carreiras paralelas (geralmente em “Y”), possibilitando ao profissional a ascensão tanto pelo braço técnico/funcional quanto pelo braço gerencial, nem sempre possibilitam uma real equidade de desenvolvimento para os profissionais da área técnica. Deste modo, o profissional técnico, em virtude das restrições de crescimento profissional na sua área de origem acaba migrando para a área gerencial em busca de possibilidades de avanço, tanto no que se refere aos aspectos salariais quanto hierárquicos, tal como apontam os resultados de pesquisas na área de tecnologia da informação (▇▇▇; ANG; SLAUGHTER, 1997; MANGIA, 2013; ▇▇▇▇▇; JOIA, 2011, 2014; ▇▇▇▇▇▇; BAROUDI, 1986). Os
resultados obtidos nestes estudos evidenciaram que os profissionais de TI parecem necessitar mais oportunidades de crescimento do que as empresas são capazes de oferecer ou do que é possível oferecer dentro da área técnica. Levando em consideração o quadro configurado até então, observa-
se que as transições na carreira e o turn-away podem ser decorrentes de múltiplos fatores tanto individuais (busca por reconhecimento, avanço salarial ou hierárquico, vivência de novos desafios) quanto organizacionais (políticas de gestão, objetivos organizacionais). Deste modo, faz-se necessário compreender quais são as expectativas mútuas de empregados e empregadores no contexto de trabalho no que tange ao desenvolvimento, carreira, retornos monetários, entre outros aspectos que serão discutidos no próximo item deste estudo.
2.2 OS VÍNCULOS DAS PESSOAS COM AS ORGANIZAÇÕES E COM O TRABALHO: CONTRATOS PSICOLÓGICOS
As pessoas estabelecem diferentes tipos de vínculos com os seus respectivos trabalhos e organizações. Dentre estes vínculos, situa-se o contrato psicológico, um dos fenômenos abordados na presente pesquisa. Para que se torne possível compreender este construto e as suas possíveis implicações no modo como o sujeito se relaciona com o seu trabalho e com a sua empresa, far-se-á, inicialmente, uma contextualização acerca dos distintos tipos de vínculos que podem se desenvolver neste contexto.
2.2.1 Diferentes tipos de vínculos estabelecidos entre as pessoas, suas organizações e trabalhos
As relações, laços e vínculos estabelecidos entre os indivíduos e seus respectivos trabalhos e organizações envolvem uma complexa e diversificada variedade. Diante das variações de natureza física, estrutural, funcional, social, política e econômica que compõem o ambiente organizacional, as pessoas podem desenvolver percepções, sentir afetos, ou construir intenções muito particulares sobre o trabalho como um todo ou sobre aspectos específicos relacionados ao mesmo (SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 2014). Todavia, o modo e a intensidade com que as pessoas se identificam ou se apegam às suas respectivas atividades laborais podem ser bastante distintas, bem como a própria organização pode contribuir para que os sujeitos apresentem níveis diversificados de identificação, ligação e valores. É sobre estes aspectos que se pretendee discorrer neste tópico, com a finalidade de situar um tipo de vínculo específico que se constitui como um dos fenômenos de investigação desta pesquisa, o contrato psicológico. Os estudos sobre os vínculos com o trabalho vêm ganhando representatividade no campo adminsitrativo em virtude da necessidade cada vez maior de contar com trabalhadores engajados no que se refere às metas organizacionais (MAGALHÃES, 2008; RIOS, 2007). Embora grande parte das organizações trabalhe em torno de objetivos e metas, existe a presença de fatores que não compõem o planejamento e que dificultam a consecução dos objetivos. A consciência dos sujeitos de que devem executar uma tarefa pode ser obstruída (ou, até mesmo, incentivada) por fenômenos que emergem das relações interpessoais e da interação entre indivíduos e a organização. Estas relações constituem-se como vínculos que o indivíduo estabelece a partir do seu trabalho, que se caracterizam pelo seu grau de ligação com a organização, o grau de envolvimento com os seus projetos e objetivos, bem como o comprometimento com os seus problemas, políticas, desempenho e resultados (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇, 2007). A incerteza e a insegurança dos tempos atuais do mercado de trabalho têm causado impacto na intensidade e na natureza dos vínculos que o trabalhador desenvolve com a sua carreira e com a sua organização de trabalho (MAGALHÃES, 2008). Por este motivo, os vínculos estabelecidos entre o sujeito e a organização não garantem que os objetivos organizacionais serão realizados sem percalços, mas podem o comprometer com o desempenho e com os resultados alcançados ao passo que este funcionário se sente efetivamente identificado, pertencente e participante da organização (▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇, 2007). Do mesmo modo, vínculos
conflitivos podem comprometer o desempenho dos funcionários e a qualidade do trabalho desenvolvido.
Vários conceitos foram criados para representar a gama variada de reações dirigidas tanto ao trabalho executado, quanto à organização empregadora. Entretanto, são comuns as sobreposições, as quais originam uma redundância conceitual (CUNHA et al., 2007). Tal redundância pode ser decorrente da teia intrincada de relações existentes entre os diferentes tipos de vínculos, o que torna frequente a difícil aferição dos mesmos. Embora os vínculos de um indivíduo com o trabalho que realiza em uma organização possam estar intimamente relacionados com os vínculos com a própria organização – tal como pode ser observado em estudos que apontam relações positivas e significativas entre satisfação com o trabalho e comprometimento organizacional – existem conceitos distintos que partem da compreensão diferenciada acerca de ligações com o trabalho e das ligações com a organização (SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 2014).
Para ▇▇▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ (2014) as interações indivíduo- trabalho e indivíduo-organização podem envolver conceitos psicossociais, tais como satisfação no trabalho, envolvimento com o trabalho, comprometimento organizacional, suporte organizacional, reciprocidade organizacional e justiça no trabalho. Além do comprometimento organizacional citado por estes autores, ▇▇▇▇▇ e colaboradores (2007), pontuam outros tipos de vínculos estabelecidos entre um sujeito e sua organização, tais como os contratos psicológicos, a socialização, o sentido psicológico de comunidade de trabalho e o ajustamento pessoa- organização. Como elementos constitutivos destes vínculos organizacionais, ▇▇▇▇▇▇ e Faria (2007) apontam a identificação com a organização, sentimento de pertença, cooperação nas atividades, participação nas decisões, criação de inimigos, idealização da organização, reconhecimento e valorização dos indivíduos, solidariedade, integração entre os membros, crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional e autonomia.
Embora os autores utilizem diferentes terminologias para caracterizarem os tipos de vínculos estabelecidos entre os sujeitos e as organizações, é possível observar elementos comuns nas definições destes conceitos, bem como sobreposições entre os mesmos, o que reforça os dados encontrados na literatura, conforme apontado anteriormente. Neste sentido, faz-se relevante compreender as características dos principais tipos de vínculos, buscando sistematizar estas sobreposições.
A satisfação e o envolvimento com o trabalho constituem-se como vínculos significativos e concentram uma quantia elevada de estudos que
buscam identificar possíveis antecedentes que contribuiriam para os níveis de produtividade e desempenho, bem como taxas de absenteísmo e rotatividade (SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 2014). Por este motivo, embora estes construtos situem-se na esfera dos vínculos entre o indivíduo e o trabalho, eles também podem causar reflexos na interação do trabalhador com a sua respectiva organização. Em uma abordagem multidimensional, a satisfação com o trabalho pode ser compreendida como um vínculo afetivo com o trabalho realizado que pode envolver diferentes fontes, tais como a chefia, os colegas, o salário, as promoções e o próprio trabalho em si. Já o conceito de envolvimento envolve vínculos entre o indivíduo e seu trabalho, os quais perpassam o significado do trabalho para o sujeito, a adequação da supervisão, a socialização do indivíduo que o possibilita introjetar ou incorporar valores e normas sociais relativas ao trabalho e que contribuem para que o mesmo possa aceitar as regras da organização e pautar sua conduta no trabalho a partir delas (SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 2014).
Pesquisas na área do trabalho têm revelado que um sujeito satisfeito tende a manter níveis altos de envolvimento com o trabalho e a se comprometer com a organização que o emprega (SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 2014). Portanto, é possível supor que se forem avaliados os níveis de satisfação, envolvimento e comprometimento dos empregados, será possível encontrar pessoas que estão satisfeitas e envolvidas com o trabalho e comprometidas com a organização onde trabalham.
O comprometimento envolve os vários tipos de laços psicológicos que ligam as pessoas à organização (CUNHA et al., 2007). Pode ser compreendido em termos dos diferentes focos, ou seja, dos objetos dos vínculos (organização, trabalho, carreira, sindicato, entre outros) ou a partir de suas bases, as quais são caracterizadas pelos distintos processos psicológicos que as sustentam (afetiva, normativa e instrumental) (▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 2008; SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 2014). O modelo
tridimensional que sustenta o comprometimento organizacional foi proposto por ▇▇▇▇▇ ▇ ▇▇▇▇▇ (1996). A dimensão afetiva compreende o grau em que o funcionário se sente emocionalmente ligado e identificado com a organização. O que o motiva a permanecer na organização é o desejo. A esfera normativa é caracterizada pelo grau em que o funcionário possui um sentido de obrigação ou dever moral de permanecer na organização. E a dimensão instrumental (ou calculativa) compreende o grau em que o profissional se mantém ligado à organização devido ao reconhecimento dos custos associados com a sua saída da mesma. Neste sentido, o que o motiva a permanecer na organização é a necessidade que pode advir da ausência
de alternativas de emprego ou do sentimento de que sua saída geraria sacrifícios pessoais elevados (CUNHA et al., 2007).
Em relação à organização, o comprometimento tem sido definido como a dedicação, o engajamento e a pró-atividade do trabalhador, associadas ao desejo de contribuir para o alcance dos objetivos organizacionais (BRITO; BASTOS, 2001). Em tempos passados, este conceito já foi caracterizado como o antídoto da rotatividade, ou seja, o funcionário comprometido era aquele que permanecia na organização. Hoje esta ideia não é mais compartilhada. O sujeito comprometido, atualmente, é caracterizado por contribuir ativamente para os objetivos organizacionais (MAGALHÃES, 2008).
Um aspecto que contribui para que o funcionário possa agir ativamente frente aos objetivos organizacionais é o sentido psicológico de comunidade de trabalho, outro vínculo entre sujeito-organização. Este vínculo é caracterizado pelo reconhecimento do sujeito de que a organização vai ao encontro das suas necessidades e às da sua família e que lhe proporciona qualidade de vida. As organizações que costumam promover este sentido psicológico tendem a ser aquelas onde os superiores adotam posturas apoiantes, que são justas no que se refere às promoções, as funções são desafiadoras e encorajam a interação entre os trabalhadores e não há uma esmagadora pressão por responsabilidades. Isto favorece que o sujeito contribua para o bem-estar organizacional, resultando em um sentido de comunidade partilhado (CUNHA et al., 2007).
O vínculo denominado ajustamento pessoa-organização, proposto por ▇▇▇▇▇ e colaboradores (2007) auxilia na compreensão da compatibilização entre as necessidades das pessoas e de suas respectivas empresas. Segundo os autores, a compatibilidade entre as pessoas e as organizações ocorre quando: “a) pelo menos uma das entidades proporciona aquilo de que a outra necessita, ou b) ambas partilham características fundamentais similares, ou c) ocorrem ambas as coisas” (CUNHA et al., 2007, p. 239). Entretanto, os autores pontuam que esta é apenas uma das formas de compreender o ajustamento entre a pessoa e o ambiente, mas existem pesquisas que apontam para o ajustamento entre a pessoa e a ocupação, a pessoa e o grupo, os indivíduos e os cargos e os indivíduos e o supervisor.
As percepções de suporte e reciprocidade organizacional também são apontados na literatura como vínculos entre sujeito-organização e podem ser compreendidos como as percepções de empregados acerca do quanto a organização está vinculada aos seus empregados ou do compromisso que tem para com eles (SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇,
2014). O suporte organizacional compreende as crenças nutridas por empregados que se posicionam mentalmente como receptores de doações organizacionais durante uma troca social. Esta relação entre sujeito e organização envolve distintos papéis sociais, nos quais o funcionário é caracterizado como receptor e a organização como doadora. Estas crenças constituem-se a partir da observação por parte dos funcionários de como os seus gestores praticam as políticas e os procedimentos de gestão de pessoas. Já a reciprocidade organizacional caracteriza-se pelo conjunto de crenças acerca do estilo retributivo adotado pela organização frente as contribuições ofertadas pelos seus funcionários (SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 2014).
Neste sentido, o funcionário desenvolve expectativas sobre futuras retribuições organizacionais a determinados atos de trabalho oferecidos informalmente, tais como quotas extras de trabalho que extrapolam suas obrigações formais ou quando aplicam esforço extra para resolver situações problemáticas (SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 2014). Estas práticas são, muitas vezes, concebidas pelo funcionário como favores à organização. De acordo com ▇▇▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ (2014), estes atos benéficos à organização que são ofertados de forma espontânea pelos trabalhadores constituem-se em gestos de cidadania organizacional. Tais atos podem ser interpretados pelos funcionários como doações, posicionando as organizações como receptoras. E ao tomarem as organizações como receptoras, a norma de reciprocidade poderia permitir a este sujeito acreditar que no futuro a organização deveria retribuir seus gestos sociais de ajuda.
O conceito de reciprocidade organizacional pode ser contemplado na compreensão de contrato psicológico, caracterizado por ▇▇▇▇▇ e colaboradores (2007) como um outro tipo de vínculo entre o sujeito e a organização. O contrato psicológico, conceito que será aprofundado no próximo tópico deste estudo, compreende as expectativas de trocas recíprocas entre o funcionário e a organização e envolve as percepções de empregados e empregadores acerca dos deveres que a organização tem para com seus funcionários, bem como os que estes últimos têm em relação à organização.
A socialização organizacional, que também é identificada como um tipo de vínculo estabelecido entre os sujeitos e as organizações (CUNHA et al., 2007) pode contribuir para o estabelecimento de contratos psicológicos. A socialização é caracterizada pelo processo pelo qual o funcionário aprende o modo de trabalhar em uma determinada organização, a partir de normas, valores e comportamentos dele esperados e o
conhecimento social de que necessita para adotar um papel particular como membro organizacional. Neste sentido, os processos socializadores podem contribuir para que os novos membros da organização estabeleçam percepções sobre algumas promessas organizacionais. Estas promessas percepcionadas podem resultar de expectativas realistas (ou não) fomentadas pelos agentes organizacionais até mesmo nas fases de recrutamento e seleção (CUNHA et al., 2007) e podem impactar na continuidade do sujeito na organização. A percepção sobre o quanto as necessidades do funcionário serão supridas neste ambiente organizacional também pode ser fomentada durante os processos de socialização. Para ▇▇▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇ (2009), a socialização (ou integração) pressupõe o “ajustamento” do empregado ao modo como uma organização funciona, a partir de um processo de aprendizado que começa no recrutamento e continua após o mesmo ser alocado no cargo. Por este motivo, a socialização tem muitos aspectos em comum com o vínculo denominado ajustamento pessoa-organização, que envolve a percepção de compatibilização de necessidades.
Outro fator que pode gerar impactos na permanência do funcionário na organização e na percepção de violação ou quebra do contrato psicológico é a percepção de justiça nas organizações. Este vínculo fundamenta-se na compreensão de que as pessoas permaneceriam em uma relação caso percebessem que seus investimentos fossem proporcionais aos do outro. Caso contrário (ou se houvesse injustiça), este sujeito buscaria desenvolver estratégias de compensação que, se falhassem, poderiam contribuir para que o mesmo desistisse desse relacionamento (SIQUEIRA; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 2014). No contexto organizacional, as pesquisas têm focado na justiça distributiva e na justiça procedural. A justiça distributiva envolve as crenças de que as retribuições recebidas pelo funcionário são justas quando comparadas ao esforço dispendido na realização de suas contribuições (▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 1999). E a justiça procedural envolve a crença do funcionário de quão justos são os meios utilizados na determinação do montante de compensações que receberá pela sua contribuição (▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, 1999).
A partir de uma sistematização de pesquisas realizadas sobre os vínculos indivíduo-trabalho e indivíduo-organização, ▇▇▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇ (2014) esquematizaram três importantes constatações que auxiliam na compreensão global da temática. A primeira diz respeito ao desempenho do empregado, visto que os estudos vêm demonstrando que vínculos indivíduo-organização bem construídos e administrados podem refletir em desempenhos mais satisfatórios e de melhor qualidade. A segunda
constatação tem enfoque na natureza dos vínculos, ao passo que os estudos refletem que os vínculos gerados são oriundos de crenças e afetos desenvolvidos pelo funcionário e dirigidos à organização de forma antropomórfica. Este enfoque pressupõe que a geração dos vínculos se dá em uma perspectiva de troca, na qual a organização fornece subsídios (econômicos e sociais) e recebe de volta contribuições dos empregados (em forma de desempenho, dedicação e comprometimento). E a terceira constatação aponta que estes vínculos estão diretamente relacionados às políticas das organizações, ou seja, não basta a organização possuir critérios de salários, promoções e demissões; é preciso que os funcionários tenham conhecimento delas a partir de comunicações precisas e objetivas oriundas da gestão.
Por fim, levando em consideração as constatações acerca dos diferentes tipos de vínculos entre o sujeito e a organização, é possível observar limites pouco precisos entre as definições dos mesmos. Muitas vezes, observa-se uma fragmentação, confusão conceitual e extensões injustificadas de conceitos, que acabam por dificultar a articulação dos dados já disponibilizados no estado da arte sobre os possíveis vínculos do profissional com a sua organização. Diante deste cenário, faz-se possível introduzir o segundo fenômeno que será abordado neste estudo, o contrato psicológico.
2.2.2 Contrato psicológico
O contrato psicológico é caracterizado como um conceito central na compreensão do campo de estudos do comportamento organizacional (MENEGON; CASADO, 2012; ▇▇▇▇; GONDIM, 2010). É definido como
um conjunto de expectativas acerca das trocas mútuas entre empregado e empregador e demarcado pelo seu caráter subjetivo, dinâmico, relacional, majoritariamente implícito e não verbalizado (CHIUZI; MALVEZZI, 2014). Difere-se do contrato formal de trabalho e está associado a vários aspectos da vida laboral.
As primeiras referências diretas acerca do tema contrato psicológico datam a década de 1960, representadas pelos trabalhos de ▇▇▇▇▇▇▇ (1960) e de ▇▇▇▇▇▇▇▇ e colaboradores (1962). Nos anos seguintes, com base nestes estudos e em textos de ▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇, houve uma pluralidade de abordagens que enfatizaram diferentes aspectos deste fenômeno, sendo possível encontrar textos sobre contratos psicológicos fora da área da psicologia organizacional, tal como no contexto clínico (CHIUZI; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014; ▇▇▇▇; GONDIM, 2010). Embora sem utilizar a denominação “contrato
psicológico”, alguns estudos discorriam sobre as “expectativas” (SCHEIN, 1965) e “quase contratos” (GIBSON, 1966) e os caracterizavam como acordos não escritos que envolviam direitos e deveres de empregados e empregadores. O que existia em comum nestas noções primordiais sobre contratos psicológicos eram os conceitos de troca, mutualidade e reciprocidade (CHIUZI; MALVEZZI, 2014).
Desde o primeiro registro deste conceito em publicações científicas, o contrato psicológico tinha como escopo o acordo não escrito entre duas partes, as quais se comprometiam a respeitar normas recíprocas, de natureza implícita, demarcando a sua principal diferença dos demais tipos de contrato (ARGYRIS, 1960). Era concebido na esfera das relações entre chefia e subordinado, consistindo em expectativas mútuas acerca de deveres e concessões feitas por cada um destes (RIOS; GONDIM, 2010). Neste âmbito, ▇▇▇▇▇▇▇▇ e colaboradores (1962) destacaram o aspecto dos atores não estarem de todo conscientes acerca das expectativas que sustentam seus contratos psicológicos, embora elas modelem as relações estabelecidas entre diferentes sujeitos. Pontuam que, geralmente, as expectativas entre colaboradores e chefia são diferentes. Enquanto as expectativas dos empregados contemplam uma hierarquia de necessidades e valores pessoais diversos, as expectativas dos chefes são oriundas do ambiente organizacional em que se inserem, sustentadas em valores que se traduzem em políticas e práticas da organização.
Porém, apenas em 1989 o construto propagou-se a partir da publicação de um artigo lançado por ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇▇▇▇, denominado “Psychological and implied contracts in organizations”. Este artigo consolidou-se como um marco para a compreensão dos contratos psicológicos e para toda a produção subsequente, sendo esta autora a mais referenciada na literatura contemporânea sobre contratos psicológicos. Neste artigo, a autora enfatizou que os contratos psicológicos ocorrem no nível individual, ou seja, constituem-se como percepções subjetivas do indivíduo sobre a relação de emprego. Para calcar que o contrato jaz na percepção individual, utiliza a expressão “in the eyes of the beholder”6, indo de encontro as ideias postuladas sobre dualidade e mutualidade relacional defendidas nas primeiras teorizações (AGYRIS, 1960; ▇▇▇▇▇▇▇▇ et al.,1962; ▇▇▇▇▇▇, 1965). Esta reconceitualização elaborada por ▇▇▇▇▇▇▇▇ (1989) rompeu com a perspectiva dos contratos psicológicos como expectativas e passou a enfatizar as percepções de promessa, influenciando grande parte da literatura que veio a seguir, a qual baseou-se
6 Tradução livre: “Nos olhos de quem vê”.
especificamente nas percepções dos indivíduos sobre as promessas implícitas na relação de emprego (CHIUZI; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014; MENEGON; CASADO, 2012).
No entanto, alguns trabalhos desenvolvidos na sequência problematizaram essa reconceitualização. Guest (1998) apontou a necessidade de esclarecer o que está contido nesta nova definição de contrato psicológico, visto que são enfatizadas palavras como percepções, crenças, promessas e obrigações. ▇▇▇▇▇▇▇▇ e Schalk (1998) expandem esta crítica e focam na defesa do caráter subjetivo (difere de indivíduo para indivíduo), dinâmico (muda com o tempo e durante a relação empregado- empregador), na relação que implica em obrigações mútuas baseadas em promessas e no fato de serem ancorados ao contexto relacional, ou seja, empregados ou empregadores sozinhos não criam contratos psicológicos, mas os desenvolvem como resultado da interação entre as partes.
De acordo com ▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇▇▇ (2014), o conceito de contrato psicológico tem sido operacionalizado para incluir tantas variáveis psicológicas das quais se possui um ínfimo entendimento sobre as relação entre elas, de modo que tem se tornado “um verdadeiro pesadelo analítico” do ponto de vista da pesquisa científica. Neste sentido, cabe demarcar que o presente estudo aborda o conceito de contrato psicológico a partir da definição de ▇▇▇▇▇▇ e Malvezzi (2014) defendida no primeiro parágrafo deste tópico, a qual pressupõe uma construção de expectativas de forma mútua na relação estabelecida entre empregado e empregador.
As percepções sobre obrigações recíprocas podem consolidar-se a partir de diferentes fontes, tais como: a) promessas explícitas da parte da organização (referências a boas oportunidades de promoção no momento de recrutamento e seleção de pessoas); b) observação de ocorrências com outros membros organizacionais (o que foi ofertado ao meu colega, deve ser ofertado a mim também); c) observação de eventos passados (tratamento conferido a infrações disciplinares, ajuda financeira a empregados com dificuldades momentâneas (CUNHA et al., 2007). Ademais, é provável que os membros organizacionais gerem crenças sobre as obrigações recíprocas com base em esquemas mentais relacionados ao que é uma organização, o que é um empregado e quais as obrigações que cabem a cada um dos parceiros contratuais. ▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇ (2005) complementam esta perspectiva ao defenderem que os diferentes sujeitos tendem a esperar que algumas coisas tenham maior probabilidade de acontecer em detrimento de outras. Neste sentido, quando acreditam que uma promessa tenha sido feita, tendem a “antecipar a garantia de que tais promessas serão cumpridas, agindo de modo a checar se a promessa foi ou
não feita, planejando o que será feito assim que ela for realizada e, principalmente, buscando meios para cumprir a contrapartida do contrato” (MENEGON; CASADO, 2012, p.573).
▇▇▇▇▇▇▇▇ (1995) postulou que a estrutura de poder da organização não anula plenamente a vontade pessoal, visto que cada indivíduo age a partir de suas próprias crenças e percepções no que se refere as obrigações mútuas de empregadores e empregados. No entanto, quando as interpretações sobre o que se espera de ambas as partes não coincidem ou são frustradas, pode ocorrer a violação dos contratos psicológicos e, consequentemente, resultar em sentimentos de desconfiança, perdas em comprometimento e contribuição dos empregados e redução de investimento da organização no desenvolvimento da carreira dos trabalhadores. Já a experiência de cumprimento de contrato psicológico implica no aumento da satisfação, de comprometimento e desempenho (▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇ ▇▇▇▇▇, 1993).
O tradicional contrato implícito de trabalho, que predominava até meados da década de 1980, pressupunha que, em troca de lealdade, comprometimento e níveis aceitáveis de desempenho, os empregados recebiam estabilidade, segurança, oportunidades periódicas de promoções, aumentos de salário anuais, investimentos em treinamento e recompensas, geralmente financeiras. Entretanto, a nova lógica de mercado e as novas modalidades de articulação e vínculo entre trabalhadores e organizações, tais como o trabalho terceirizado e as mudanças nas estruturas organizacionais oriundas de downsizing, reduções de níveis hierárquicos e descentralizações, desestabilizaram os princípios de reciprocidade e comprometimento. Dado que grande parte das organizações não podem mais oferecer segurança no emprego e que as promoções verticais são menos prováveis em estruturas horizontalizadas, surge a demanda por novos contratos psicológicos (MAGALHÃES; BENDASSOLLI, 2013).
Em seus primeiros estudos sobre a temática, ▇▇▇▇▇▇▇▇ (1989) identificou dois tipos de contratos psicológicos, os quais tomam como base duas dimensões distintas: expectativas acerca da duração da relação entre funcionário e a organização e o grau de especificidade das obrigações recíprocas entre estes. Estas dimensões possibilitaram a fundamentação de dois tipos de contratos amplamente conhecidos: o transacional (onde cada parte tem obrigações específicas em uma relação de curta duração e termos como “confiança” e “comprometimento” não são priorizados) e o relacional (relacionamento com obrigações fluidas em um contexto de longa duração ou sem um final definido, onde existe a troca de benefícios
não monetários, como lealdade, comprometimento, dedicação ao trabalho e reconhecimento).
Estudos posteriores aumentaram este escopo ao descreverem, além dos contratos transacional e relacional, os contratos psicológicos transicionais, equilibrados e idiossincráticos (▇▇▇▇▇▇▇▇▇ et al., 2004; ▇▇▇▇▇▇▇▇; SCHALK, 2000; ▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇-▇▇▇▇▇▇▇, 1994;
▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 2007). Os contratos psicológicos transicionais refletem a ausência de comprometimento por parte da organização sobre o futuro do empregado e exibem reduzida ou nenhuma demanda explícita de desempenho. Os contratos equilibrados contemplam promessas de risco compartilhado entre indivíduo e organização, onde a empresa se propõe a desenvolver o profissional e este deve compreender que condições econômicas instáveis podem alterar os termos das trocas. Por este motivo, os termos deste contrato são continuamente renegociados em resposta as mudanças nas necessidades de empresas e profissionais e estes últimos são chamados a ter maior responsabilidade pela gestão e desenvolvimento de suas carreiras. Já os contratos psicológicos idiossincráticos ocorrem quando empregadores e empregados entram em acordos altamente personalizados em virtude da demanda da organização por determinadas competências escassas no mercado de trabalho. Os empregados que usufruem deste tipo de contrato podem ser mais bem pagos do que seus colegas e receber outros privilégios, visto que a negociação fundamenta-se no valor de mercado do profissional e em seu perfil único de competências (▇▇▇▇▇▇▇▇▇; BENDASSOLLI, 2013).
É importante ressaltar que podem haver variações de modelos de contratos psicológicos em diferentes países (▇▇▇▇▇▇▇▇; SCHALK, 2000). Na medida em que as expectativas existem em qualquer interação onde há trocas, sejam elas tácitas ou explícitas, as mesmas são reguladas por mecanismos próprios a cada contexto cultural (CUNHA et. al, 2007; RIOS; GONDIM, 2010). Neste sentido, pesquisas realizadas em diferentes culturas apontam que as oportunidades de desenvolvimento de carreira oferecidas por uma organização têm forte impacto sobre a percepção dos empregados quanto à violação ou cumprimento de contratos psicológicos (GRANROSE; BACCILI, 2006; PRINCE, 2005; ▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 2007),
reforçando um pressuposto do presente estudo. Portanto, os indivíduos e as organizações necessitam negociar acerca de quais oportunidades de carreira e atividades de desenvolvimento são oferecidas aos empregados em troca de sua dedicação na conquista de metas da organização, garantindo maior probabilidade de cumprimento mútuo do contrato psicológico (▇▇▇▇▇▇▇▇▇; BENDASSOLLI, 2013).
A produção de pesquisas em relação aos contratos psicológicos é considerada escassa e recente no Brasil (BASTOS et al., 2014; ▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014; GONDIM; RIOS, 2010). Em uma revisão acerca deste construto realizada por ▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇ (2010), os autores identificaram que, embora a expressão tenha sido cunhada em 1960, apenas na primeira década dos anos 2000 o construto aparece como tema principal de pesquisas em cenário nacional, sendo que a partir de 2010 os estudos acerca deste construto parecem ter se intensificado (BASTOS et al., 2014). A maior parte das pesquisas parece ser oriunda do campo da administração, sinalizando o distanciamento que a psicologia ainda possui de debates que ganham corpo e importância cada vez maior fora do país. Ademais, os autores também pontuam que a psicologia das organizações e do trabalho pode estar tratando um tema central de modo superficial, uma vez que os contratos psicológicos constituem-se como uma poderosa ferramenta e suporte às ações de gestão (GONDIM; RIOS, 2010). Por este motivo, faz- se relevante a compreensão dos aspectos que compõem os contratos psicológicos em cenário nacional, à luz da psicologia das organizações e do trabalho, tal como se propõe a presente pesquisa.
2.3 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E SEUS PROFISSIONAIS
Conforme descrito nos capítulos anteriores, as transformações no padrão de acumulação provocaram mudanças nos modelos de organização da produção, no trabalho, nos serviços, nas organizações, nas estruturas de gestão de carreiras, no perfil do profissional demandado, entre outros aspectos constituintes do mundo do trabalho (▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 2009; ▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇,
2013). Em um momento em que a crise do regime de acumulação fordista e as decisões políticas decorrentes impulsionaram o surgimento de um novo regime de acumulação, as tecnologias da informação e comunicação foram amplamente utilizadas com a finalidade de viabilizar as mudanças empreendidas. Foi neste período, demarcado pela conformação e difusão da ideologia neoliberal e de ideias e práticas gerenciais que enfatizavam a subjetividade dos trabalhadores, que se difundiram as ocupações voltadas para a indústria de tecnologia da informação (▇▇▇▇▇, 2014).
A tecnologia da informação (TI) pode ser compreendida como um processo de conversão de conhecimentos e práticas sociais em formas digitais, as quais podem ser manipuladas, disseminadas e controladas dentro de arquiteturas de códigos binários (EISCHEN, 2000). É constituída por hardwares, softwares, telecomunicações e serviços de pessoal de TI,
através dos quais o conhecimento ou informação social é transformado em processos digitais. Seus profissionais são responsáveis por planejar, desenvolver e dar suporte a toda uma infra-estrutura tecnológica e sistemas de informação em um mundo de redes. Dentro de uma organização, o profissional de TI geralmente trabalha em um centro de tecnologia, que emprega desenvolvedores para a internet, programadores de computadores, analistas de sistemas, operadores de computadores, especialistas em redes e segurança da informação. Também pode trabalhar em outros departamentos ou áreas funcionais, oferecendo suporte (STAIR; RAYNOLDS, 2010).
Para Breton (1991), o qual sistematizou a história da informática e do desenvolvimento do computador, a tecnologia da informação perpassou três fases distintas. A primeira relaciona-se aos interesses militares e reporta a construção dos primeiros computadores. A segunda, é demarcada pela construção de grandes sistemas centralizados (mainframes), os quais eram operacionalizados em escritórios, grandes empresas e corporações. A terceira fase comporta a diversificação de meios e métodos tecnológicos e da convivência entre microinformática, pequenos e grandes sistemas. Esta última fase, que contemplou o lançamento dos computadores pessoais na década de 1980, transformou o mundo da informática, distribuindo o poder de processamento de dados eletrônicos (CONTI, 2015). O que antes ficava restrito aos centros de processamento de dados (CPDs) de empresas e universidades, passou a ficar disponível para as pessoas comuns, caracterizadas como usuários domésticos. Paralelamente, pequenas empresas também puderam ter acesso a diferentes tecnologias e se informatizaram sem os altos custos dos computadores centrais (mainframes), da manutenção de salas especiais para os CPDs e de todo o pessoal necessário para a sua operacionalização (CONTI, 2015).
A popularização dos computadores, em primeira instância para as empresas e, na sequência, para as pessoas em geral, possibilitou uma revolução nas formas de organização empresarial e produtiva, nas demandas por qualificação dos trabalhadores e no surgimento de novas ocupações e profissões destinadas a desenvolver, manter e controlar esta tecnologia (▇▇▇▇▇, 2014). Deste modo, a partir da década de 1970, houve um aumento da demanda por programadores e desenvolvedores de software. Neste período, demarcado como surgimento da indústria de software, a International Business Machine (IBM), após sofrer longos processos, deixou de realizar uma política de preços que reunia em um mesmo conjunto o hardware e o software (BRETON, 1991). Essa desvinculação de um software específico de um hardware possibilitou não
apenas o desenvolvimento da indústria de software, mas o crescimento de sua importância (EISCHEN, 2003).
Neste contexto, a tecnologia da informação foi ganhando espaço dentro das organizações e favorecendo a redução de níveis hierárquicos (downsizing). Na medida em que se torna possível que uma empresa colete dados diretamente das unidades de produção (“sem a interferência humana”), os quais seguem o nível operacional e chegam até o nível estratégico em tempo real, diversas funções e tarefas necessitaram de uma readequação (ou extinção) (▇▇▇▇▇▇▇▇▇; FERRANTE, 2000). Este efeito é consequência da multiplicidade de funções que a tecnologia pode tomar para si, que se acentua na busca constante por inovação, redução de custos e aumento da produtividade.
Para Hall (2004), muitas análises sobre inovação organizacional têm se concentrado no aspecto tecnológico, ainda que envolvam, também, práticas organizacionais e administrativas. Entretanto, o autor pontua que estas esferas (tecnológica e administrativa) encontram-se em constante inter-relação. Ao passo que as organizações utilizam cada vez mais a tecnologia da informação (inovação tecnológica) para acompanharem as estratégias administrativas organizacionais, podem ser capazes de reduzir os níveis hierárquicos e o número de pessoas necessário para processar estas informações (inovação administrativa). Por conseguinte, o setor de tecnologia da informação (TI) desenvolve novos hardwares e softwares utilizados pelas organizações para manterem-se mais “enxutas” e produtivas (HALL, 2004). Uma vez que surgem inovações tanto na esfera administrativa quanto na esfera tecnológica no mercado, as quais provocam mudanças organizacionais, a gestão exerce pressão sobre o setor de TI, impulsionando o desenvolvimento de novas tecnologias e o ciclo inicia novamente.
Neste âmbito, a tecnologia da informação tem agregado muitas vantagens competitivas para as organizações (HALL, 2004; ROSTOCK, 2011). Em um mercado altamente globalizado e permeado pelo surgimento de novos produtos e serviços, as organizações se preocupam, cada vez mais, em identificar a melhor forma de empregar seus recursos, visando obter um diferencial para a manutenção de clientes e para a conquista de novos nichos de mercado. Ao longo dos anos, muitas organizações conseguiram realizar almejadas reduções de custos, aumento da qualidade, da flexibilidade, da rapidez, da integração da organização, entre outros tantos benefícios (ROSTOCK, 2011). Entretanto, outras também não conseguiram. Tais constatações permitem inferir que a implementação da TI por si só não garante uma vantagem organizacional. E o que as
organizações bem-sucedidas fizeram, além da implantação de TI, para garantir uma vantagem competitiva?
Um ativo importante que tem sido destacado pela literatura para o aumento da competitividade organizacional a longo prazo é o capital intelectual e a gestão estratégica dos profissionais de TI (REICH; ▇▇▇▇▇▇-▇▇▇▇▇, 1999, 2003; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇; FERRANTE, 2000;
▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇, 1996). Na “Era da Informação”, a base da riqueza das organizações não se fundamenta mais no ativo contábil, na massificação da produção, nos recursos tecnológicos, mas sim no capital intelectual, no uso sistemático do conhecimento de mercados, no domínio de processos e tecnologias e no relacionamento com outras empresas (MARTINS et al., 2003). Além disto, cada vez mais as empresas usam os mesmos pacotes, contratam os mesmos grandes fornecedores e utilizam serviços similares, favorecendo a compreensão de que a competitividade não viria de aplicações específicas que poderiam ser facilmente reproduzidas, mas sim de uma boa gestão dos ativos de TI, difícil de ser copiada, garantido uma longevidade da estratégia competitiva (MANGIA, 2013; REICH; KAARST-BROWN, 2003; ROSS; BEATH; GOODHUE,
1996).
Em pesquisa realizada por ▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇▇ (2004) com o propósito de avaliar a vantagem competitiva de recursos organizacionais no campo da tecnologia e dos sistemas de informação, os autores identificaram que recursos como hardware e software são, geralmente, passíveis de reposição em empresas de TI, sem que haja impacto na qualidade. Todavia, os recursos humanos com habilidades, sobretudo gerenciais, agregam valor para a empresa, o qual deve ser reconhecido e potencializado com o intuito de gerar a esperada vantagem competitiva e seus consequentes resultados. Em estudos de casos realizados em grandes companhias brasileiras também foi possível observar a importância dos recursos humanos para o desempenho superior sustentável nas organizações. Em sua tese de doutorado em Administração, Rostock (2010) buscou analisar como a constante inovação através da introdução de tecnologias pode contribuir para gerar uma vantagem competitiva a longo prazo. Para tanto, realizou dois estudos de casos, um na empresa General Motors do Brasil, que atua no setor automobilístico, e outro na Editora Gráficos Burti, que revolucionou o mercado brasileiro de editoração gráfica a partir de meados dos anos de 1990. Os resultados do estudo evidenciaram que, para além dos recursos tecnológicos, um sistema social complexo, formado pela tríade “pessoas – processos – tecnologia”, pode estabelecer um recurso ainda mais
valioso, raro e difícil de ser substituído ou copiado pela concorrência.
Com a finalidade de utilizar a TI para aumentar a capacidade das unidades de negócios, as organizações têm desenvolvido uma diversidade de estratégias que incluem diferentes vínculos, relações contratuais e de trabalho entre estas e os profissionais que atuam com tecnologia da informação. Os mais usuais incluem renting (que também pode ser denominado outsourcing ou body shop e que define-se como a contratação de consultores para trabalharem dentro das unidades de negócios), buying (contratação de novos funcionários para criarem uma unidade de TI dentro das unidades de negócios), leasing (deslocamento temporário de pessoas de TI para unidades de negócio para um projeto específico ou por um prazo determinado) ou training (adição de conhecimentos de TI aos funcionários existentes da unidade de negócios) (REICH; KAARST-BROWN, 2003).
Em virtude da multiplicidade de funções que estes profissionais desempenham e de sua importância para o desenvolvimento de diversos setores produtivos, os estudos sobre o perfil dos profissionais de TI têm se intensificado. As características e habilidades destes profissionais modificaram-se significativamente ao longo do tempo (MOSSI, 2012; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇; FERRANTE, 2000; ▇▇▇▇▇, 2014). Estes passaram a
contribuir de forma mais efetiva no gerenciamento dos dados e na análise dos negócios da organização e, para tanto, vem sendo demandados a desenvolverem além de capacidades técnicas, competências em comunicações verbais e escritas, um entendimento das organizações como um todo, no modo como operam e capacidade de trabalhar com outras pessoas, incluindo os usuários dos sistemas para os quais desenvolvem (STAIR; RAYNOLDS, 2010).
▇▇▇▇▇ (2014), em sua tese de doutorado que objetivava analisar o perfil profissional demandado em textos sobre carreira na área de TI, identificou que o discurso presente coaduna em torno de um profissional flexível, que esteja em constante aprendizado, que se adapte à realidade do trabalho, que seja competitivo e resiliente. Para a autora, embora os textos analisados não utilizem o termo “resiliência”, muitos focam na importância do profissional de TI não reclamar do trabalho e do salário e de resistir às críticas, “broncas” e pressões perpetradas pelos superiores, reforçando a ideia pressuposta pelo termo em questão. Estes textos, sobretudo os oriundos da área gerencial voltados para a tecnologia da informação, em sua maioria, responsabilizam apenas o trabalhador pelas constantes adaptações e não as formas de organização da empresa ou de sua respectiva cultura e valores.
O perfil do profissional da área de tecnologia da informação também evidencia uma população majoritariamente masculina e individualista. De
acordo com ▇▇▇▇▇ (2014), o discurso encontrado nos textos analisados presa o individualismo, atribuindo aos profissionais a responsabilidade por manter seu emprego. Para além da sua formação profissional e de uma gama de cursos e certificações que o sujeito realiza ao longo de sua carreira, a manutenção do emprego estaria vinculada à sua dedicação incondicional, a capacidade de enfrentar problemas e, sobretudo, de trazer lucro e ganhos para a empresa (▇▇▇▇▇, 2014). Este discurso coaduna-se com o ideário neoliberal e de empregabilidade, descrito anteriormente nesta pesquisa, que diz respeito à capacidade de adequação do profissional às novas necessidades e dinâmicas do mercado de trabalho, responsabilizando o sujeito pela sua condição de ser empregável ou não em decorrência de seu diferencial competitivo (▇▇▇▇▇, 2007; ▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 2009). Tal ideário se torna ainda mais presente para os profissionais de TI, os quais atuam em cenários que pressupõem atualizações e transformações constantes.
Embora estudos apontem que a atualização tecnológica constante se apresenta como o fator estressor menos relevante para os profissionais da área de TI, demonstrando que tais atualizações se constituem como naturais para estes profissionais (SERVINO, 2010; SERVINO; NEIVA; CAMPOS, 2013), este aspecto tem sido pontuado como um dos principais motivos que contribuem para a rotatividade de profissionais de TI nas organizações (MOORE, 2000). A estimativa de vida dos conhecimentos de TI é de menos de dois anos de modo que as competências técnicas e habilidades profissionais dos trabalhadores da TI tornam-se obsoletos rapidamente em termos de relevância e valor (ANG; SLAUGHTER, 2000).
A obsolescência profissional, compreendida como a erosão das competências requeridas para um desempenho de sucesso, é um elemento importante em TI (▇▇▇▇▇▇; ANG, 2001; VREULS; JOIA, 2012). Em
pesquisa realizada por ▇▇▇▇▇▇▇▇▇ (1999), o autor identificou que os profissionais de TI com idades mais avançadas parecem menos motivados a manter suas competências atualizadas. Para o autor, esta tendência pode estar atrelada ao pessimismo em relação a receber recompensas organizacionais, sejam elas hierárquicas, funcionais, sociais ou financeiras, reforçando a importância dos contratos psicológicos nas relações entre os sujeitos e suas organizações e de uma gestão de carreira condizente com as expectativas dos diferentes sujeitos, tal como se propõe a investigar esta pesquisa. A recusa à atualização neste âmbito pode comprometer a manutenção da competitividade das organizações em ambientes desafiadores, bem como pode causar impactos para o próprio sujeito na medida em que pode dificultar a sua estabilidade no mercado de trabalho.
A falta de profissionais de TI capacitados para trabalhar no setor produtivo nacional é um axioma significativo no contexto da tecnologia da informação. De acordo com os dados divulgados pela Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (BRASSCOM, 2010), para o ano de 2014 previu-se um déficit de 45 mil profissionais de TI no Brasil. Ademais, a projeção da Brasscom indicou que nos oito estados analisados (São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Paraná, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul), apenas 13% dos ingressantes nos cursos de graduação de TI efetivamente se formaram, o que evidencia os altos índices de evasão dos alunos desta área de formação. Isto gera impactos profundos no setor produtivo, uma vez que estes estados precisariam de 78 mil profissionais de tecnologia em 2014, mas apenas 33 mil concluiriam os cursos de TI naquele ano7. Para o International Data Corporation (IDC), as principais razões para esse déficit de mão de obra qualificada no Brasil são a rápida expansão das empresas de infraestrutura e tecnologia do país, a adoção acelerada de serviços de TI pelas inciativas pública e privada e os eventos sediados no Brasil, tais como Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016 (▇▇▇▇▇; JOIA, 2014). No entanto, as fontes citadas não consideram o fenômeno do turn-away no país, o que certamente poderia aumentar ainda mais a escassez de mão de obra qualificada no país (▇▇▇▇▇; JOIA, 2014), aspecto que reforça a relevância da presente pesquisa. Diante do quadro configurado até então, torna-se relevante compreender o que está presente no estado da arte acerca dos fenômenos do turn-away e do contrato psicológico de profissionais de TI, tema que será discutido no tópico seguinte.
2.4 TURN-AWAY E CONTRATO PSICOLÓGICO DE PROFISSIONAIS DE TI
Em um cenário demarcado pela competitividade global, mercados turbulentos e a demanda por produtos de alta qualidade à um baixo custo e em um curto período de tempo, as organizações necessitam mais do que nunca de processos tecnológicos que contribuam de forma efetiva para atender às demandas do mercado. Todavia, projetar e implementar
7 Cabe citar que a pesquisa realizada pela Brasscom estima o déficit de profissionais de TI no Brasil com base nos sujeitos formados e que estão por se formar nos cursos voltados para a tecnologia da informação. Entretanto, é importante ressaltar que muitos profissionais que atuam na área da TI não possuem formação técnica e/ou superior, os quais, se contabilizados, provavelmente, causariam impactos nos resultados do estudo realizado.
processos tecnológicos nas organizações não dependem somente de tecnologia em si, mas também de pessoas que desenvolvam e trabalhem diretamente com ela (REICH; KAARST-BROWN, 1999). Do ponto de vista de recursos humanos, uma discussão gira em torno de como atrair e reter profissionais da tecnologia da informação (TI), os quais têm sido fortemente exigidos e necessitam ter elevada capacidade técnica, flexibilidade e mobilidade (ANG; SLAUGHTER, 2000; ▇▇▇; ANG; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 1997; ▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇, 2014; REICH; ▇▇▇▇▇▇-▇▇▇▇▇,
1999; VREULS; JOIA, 2012). Neste sentido, faz-se importante compreender quais as expectativas destes profissionais no que tange ao trabalho e a carreira e que aspectos contribuem para a sua permanência na área de TI ou transição para outras áreas, utilizando como unidades de análise o estudo de seus contratos psicológicos e de suas transições na carreira.
No que tange aos contratos psicológicos estabelecidos na área da tecnologia da informação, estudos apontam encontrar similaridades entre diferentes culturas no que se refere as trocas recíprocas entre empregados e empregadores da área de TI. Em um estudo realizado por King e Bu (2005) com 395 graduandos em tecnologia da informação chineses e americanos, os autores identificaram que tanto os estudantes da China, quanto os dos Estados Unidos acreditam que é dever do empregador fornecer alta remuneração, autonomia e segurança a longo prazo, recompensa financeira para a obtenção de certificações em TI, possibilidade de participação em projetos interessantes e oportunidades para trabalhar em tecnologia de ponta. Já no que se refere as obrigações dos empregados, os estudantes apontaram: trabalhar horas extras quando necessário para ser leal e se voluntariar para fazer tarefas não solicitadas.
▇▇▇▇▇▇ e ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇ (2014) investigaram os possíveis aspectos que influenciam na violação do contrato psicológico de profissionais de TI com a sua profissão. O caráter único desta pesquisa foi a ausência do componente organizacional do contrato psicológico, geralmente representado por supervisores ou gerentes imediatos, gerentes de recursos humanos, vice-presidentes ou presidentes. A pesquisa buscou compreender o conjunto perceptual e subjetivo de um indivíduo acerca de promessas sobre a profissão de ▇▇. Deste modo, foi possível captar as nuances, realistas ou não, acerca do que a profissão poderia lhes oferecer. Por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com profissionais que atuam na área de TI, os autores identificaram os desafios, a flexibilidade da profissão e as muitas especialidades de TI como fundamentais para o compromisso com a profissão. Por outro lado, a violação ou ruptura dos
contratos psicológicos incidiam diretamente no descontentamento ou divergência destes profissionais com o campo. Os autores ainda salientam que o núcleo do contrato psicológico é emocional e afetivo, podendo sofrer impactos de promessas não cumpridas.
A necessidade de enfrentar desafios e transpor obstáculos aparece com frequência entre os interesses dos profissionais da área de TI. Em estudo realizado por ▇▇▇▇▇▇ (2010), a autora buscou identificar os valores, motivos e competências percebidos pelos sujeitos como referenciais em suas escolhas profissionais, os quais são denominados por Schein (1996) de Âncoras de Carreira. Os resultados evidenciaram que a Âncora de Carreira predominante entre os estudantes (e futuros profissionais) da área de tecnologia é a Desafio Puro, a qual apresentou uma relação estatisticamente significativa com os estudantes da área de TI. Esta âncora reflete os interesses das pessoas que valorizam transpor obstáculos aparentemente insolúveis e/ou vencerem adversários muito fortes. Para algumas pessoas, isto se resume em procurar empregos onde possam enfrentar situações cada vez mais difíceis. Para outros, estes desafios podem ser definidos em termos interpessoais e competitivos (SCHEIN, 1996). Novidade, variedade e dificuldade tornam-se fins em si mesmos para as pessoas que apresentam esta âncora como significativa, fazendo com que as atividades corriqueiras e fáceis do ambiente de trabalho se tornem imediatamente tediosas (SCHEIN, 2006a).
Já no que se refere à âncora que menos se destacou entre os alunos da área de TI, identificou-se a Competência Administrativa Geral, refletindo a falta de interesse e motivação destes sujeitos para assumir funções administrativas e gerenciais (SANTOS, 2010; LUNA; SANTOS, 2013). Embora ▇▇▇▇▇▇ (1996) defenda a ideia de que a gerência geral atrai as pessoas ancoradas em Desafio Puro em virtude da variedade e desafio intenso oferecido pelos cargos administrativos, isto não ocorreu com os alunos da área de TI. Ademais, um aspecto que chama a atenção quando se analisa as características principais que delimitam a âncora predominante entre os alunos da área de TI e a que menos se destacou é o antagonismo em relação às habilidades de relacionamento interpessoal destes sujeitos (▇▇▇▇▇▇, 2010; ▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 2013). Enquanto os sujeitos ancorados em Desafio ▇▇▇▇ parecem não demonstrar muita habilidade neste aspecto em virtude de poderem ser inflexíveis no que se refere à vontade de enfrentar constantes desafios, podendo até mesmo dificultar a vida daqueles que não possuem aspirações semelhantes, os ancorados em Competência Administrativa Geral devem ser hábeis no trato com as pessoas, tendo a capacidade de influenciar os demais e facilitar o processo
decisório (SCHEIN, 1996). Estes dados são significativos para que os gestores possam definir planos de carreira condizentes com as expectativas profissionais dos sujeitos que atuam com tecnologia e alertam que o turn- away envolvendo uma transição da área técnica para a área gerencial pode não estar entre os principais interesses destes profissionais, contribuindo, em alguns casos, para que os mesmos queiram mudar de emprego.
Estudos também apontam correlação entre a intenção de abandonar o emprego e a violação ou ruptura do contrato psicológico. Em uma pesquisa realizada na Índia com 533 profissionais da área de TI acerca da intenção de sair do emprego, os autores identificaram que esta pode ser resultante da violação do contrato psicológico e, consequentemente, conduz a desvios de comportamento, redução do desempenho e diminuição de comportamentos de cidadania organizacional (▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇, 2010). Tais comportamentos geralmente constituem-se como reações às expectativas não atendidas e à falta de um tratamento justo e podem aumentar com a intenção do funcionário em sair da organização. Por outro lado, um empregado que está satisfeito com sua organização em termos de recompensas de trabalho e apoio prestado é mais inclinado a ficar e exibir comportamentos pró-sociais (▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇, 2010).
Outro tema que vem sendo discutido na área de tecnologia da informação é a terceirização e suas implicações nos contratos psicológicos. Visto que as organizações têm intensificado suas atividades de terceirização, os profissionais de TI que atuam neste contexto são naturalmente afetados no processo. ▇▇▇▇▇ (2006), em sua dissertação de mestrado, investigou de que forma os profissionais de TI terceirizados constroem seus contratos psicológicos com a empresa contratante e com a contratada. A autora identificou que o contrato psicológico é moldado por fatores que vão além dos limites do vínculo empregatício, sendo influenciado, entre outros aspectos, pelas forças do mercado, pelo contexto de vida pessoal, pelas experiências anteriores que o sujeito vivenciou e pelo grau de identificação do indivíduo com as duas empresas. Também apontou que os contratos psicológicos com as duas empresas tendem a ser diferentes, influenciados pelas percepções dos indivíduos sobre as ações de gestão e as culturas das duas empresas. Já Tan (2009), buscou investigar a relação entre a ameaça de terceirização da tecnologia da informação e a satisfação no trabalho de profissionais de TI. Os resultados da pesquisa apontaram que os profissionais de TI que percebem a terceirização desta área como uma ameaça significativa para a sua segurança no emprego relataram menor satisfação no trabalho em relação a seus pares que não têm a mesma percepção, bem como aqueles que se envolvem com a negociação
da terceirização apresentam maior satisfação. A ameaça em relação a segurança no trabalho e a baixa satisfação podem influenciar diretamente na percepção de violação dos contratos psicológicos destes funcionários, os quais podem entender que a organização não está cumprindo com as suas obrigações.
Dentre os aspectos que vem sendo discutidos até aqui no que se refere a percepção de cumprimento ou violação do contrato psicológico e suas possíveis implicações para a permanência ou saída desta área de atuação, outro fator que merece destaque são as possibilidades de desenvolvimento de carreira ofertadas pela organização. Segundo estudos realizados nesta área de atuação, embora possa parecer paradoxal, os autores apontam que para manter os profissionais de TI, as organizações devem fornecer oportunidades de carreira tanto na área técnica quanto na área gerencial, para que em determinado momento estes profissionais possam decidir com base em diferentes possibilidades de desenvolvimento (▇▇▇▇▇, 2010; ▇▇▇▇▇▇▇▇, 2014; ▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇, 2014; ▇▇▇▇▇▇▇,
2013; REICH; ▇▇▇▇▇▇-▇▇▇▇▇, 1999).
Na literatura é possível observar que o espaço para crescimento na área técnica, geralmente tem sido menor do que na área gerencial, levando os profissionais tanto a mudarem de empresa (buscando outras onde possam crescer tecnicamente) quanto a mudarem de área dentro de sua empresa original (buscando outras áreas ou atividades nas quais as oportunidades de crescimento sejam mais promissoras) (▇▇▇▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇, 2006; ▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇, 1997; ▇▇▇; ANG; SLAUGHTER, 1997; MANGIA, 2013; ▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇, 2011, 2014; ▇▇▇▇▇▇;
BAROUDI, 1986). Neste contexto, geralmente o profissional tenta mudar de empresa várias vezes, só aceitando sair da área de TI após diferentes tentativas frustradas dentro da própria área (▇▇▇▇▇▇; SMITS; ▇▇▇▇▇▇, 1996; REICH; KAARST- BROWN, 2003).
Para Ituma e ▇▇▇▇▇▇▇ (2009) e ▇▇▇ e colaboradores (1997), o que leva os profissionais a buscarem oportunidades de evoluírem na área técnica ou mudarem de área com o intuito de ascenderem dentro de suas próprias organizações é o modo como cada um encara o sucesso profissional. Os sujeitos podem encarar o sucesso profissional e suas carreiras a partir de duas visões: o paradigma da realização ou o paradigma do avanço (GREENHAUS; CALLANAN; DIRENZO, 2008; RAMOS;
▇▇▇▇, 2014; ▇▇▇; ANG; ▇▇▇▇▇▇▇▇▇, 1997). O paradigma de realização geralmente está associado a funções mais técnicas e o sucesso vem a partir do reconhecimento dentro de uma comunidade de pares, com pouca estrutura hierárquica e pouco compreensível para quem dela não faz parte.
Já no paradigma do avanço, o sucesso está atrelado a novas posições de autoridade e com a ascensão dentro de uma hierarquia de poder de uma organização. Para ▇▇▇ e colaboradores (1997), os profissionais que são mais orientados pela visão da carreira de realização têm menos chance de sair área técnica de TI do que os sujeitos orientados pela visão de carreira do avanço.
Estudos encontrados sobre turn-away divergem no que se refere a mudança de uma área profissional para outra em virtude do grau de insatisfação com a área profissional anterior. Enquanto para alguns autores a insatisfação é particularmente importante para sair da área técnica (FELDMAN; NG, 2007; MANGIA, 2013; ▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇,
1996; ▇▇▇▇▇▇▇, 1992), para outros a mudança de área não está diretamente ligada à insatisfação com as suas atividades ou à questões financeiras, mas sim, dentre outros fatores, pela busca por atividades interessantes e diferentes e por novos desafios e experiências (▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇, 2011, 2014). Dentre os fatores relatados nestes estudos que levam à insatisfação com a área de TI, fazem-se presentes a ameaça de rápida obsolescência profissional (▇▇▇▇▇▇; ANG, 2001; VREULS; JOIA, 2012); a inércia, ignorância, indecisão com relação à TI nas organizações e falta de oportunidades para crescimento e capacitação (GINZBERG; BAROUDI, 1988; CORREIA, 2013); ao esgotamento causado pela implementação de grandes e desgastantes projetos (ENNS; ▇▇▇▇▇▇▇; PRASAD, 2006; ▇▇▇▇▇▇, 2013; ▇▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇▇▇, 1986); e o tédio
durante a etapa de manutenção dos projetos de TI (ENNS; FERRATT; PRASAD, 2006; KAISER, 1983).
Para além dos estudos que abordam o turn-away na perspectiva do profissional que vivencia esta experiência, é possível identificar na literatura pesquisas que abordam a mobilidade na carreira, incluindo o turn- away, como uma estratégia organizacional para garantir vantagens competitivas. Reich e ▇▇▇▇▇▇-▇▇▇▇▇ (1999, 2003) exploram esta perspectiva ao descreverem o estudo de caso realizado na empresa Clarica Life Insurance Company. A empresa criou um fluxo de negócios, permitindo inovações organizacionais contínuas a partir de mais de 70 transições na carreira de profissionais que migraram da área técnica em TI para a linha de negócios durante as décadas de 1980 e 1990. Estas transições partiram do pressuposto de que o turn-away poderia não só ampliar as oportunidades de carreira para os indivíduos, mas também favorecer a unidade de negócios a partir dos conhecimentos significativos do pessoal de TI durante um período de grandes mudanças tecnológicas (REICH; KAARST-BROWN, 1999, 2003). Para os gestores desta
organização, o capital intelectual destes profissionais poderia impulsionar o capital social e a formação de redes dentro da organização, criando um capital intelectual coletivo que visava a criação de novas ideias, processos e produtos dentro da empresa.
Conforme observado neste tópico, são vários os motivos que levam os profissionais de TI a saírem de sua área de origem, os quais podem ser fundamentados no próprio desejo do sujeito ou em iniciativas organizacionais. Dentre estes motivos, observam-se as violações ou rupturas dos contratos psicológicos estabelecidos com as organizações. Neste âmbito, de que forma o turn-away dentro das organizações provoca reflexos nos contratos psicológicos estabelecidos entre funcionários e suas empresas? Responder a este questionamento é o objetivo do presente estudo. Para tanto, no item subsequente será apresentado o método utilizado para alcançar este fim.
3 MÉTODO
Trata-se de um estudo de caráter qualitativo na medida em que buscou descrever as características dos fenômenos em questão a partir dos significados e percepções dos sujeitos investigados (MORSE; FIELD, 1995). O objetivo principal da pesquisa com métodos qualitativos é conhecer as vivências das pessoas em questão e as representações das mesmas acerca de suas experiências de vida. Este aporte metodológico possibilita, também, a compreensão do significado da ação humana, de como o sujeito compreende o seu movimento no mundo, e não apenas a descrição de seus comportamentos (▇▇▇▇▇▇; SANCHES, 1993). Ainda permite explorar o tema em profundidade e, por este motivo, geralmente é realizada com amostras pequenas (SIEBRA, 2000).
Partindo da concepção de carreira como um processo psicossocial (▇▇▇▇▇▇▇, 2014), tal aporte metodológico possibilita explorar detalhadamente as narrativas dos sujeitos acerca de suas trajetórias profissionais. Deste modo, a pesquisa volta-se para a compreensão acerca de como “as pessoas entendem, constroem e agem em relação aos desafios e oportunidades gerados pelas experiências de trabalho contemporâneas” (▇▇▇▇▇▇▇▇, SCHULTHEISS, FLUM, 2004, p. 424). A análise de suas
trajetórias neste viés possibilita a organização espaço-temporal destas experiências, na medida em que suas narrativas se configuram a partir da articulação dos eventos vivenciados e significados pelos sujeitos e conferem coerência à vida das pessoas. Ao passo em que contam suas histórias e as descrevem, os sujeitos buscam elaborar sínteses que justifiquem as suas escolhas para que sejam legitimadas socialmente (RIBEIRO, 2014).
Quanto ao objetivo desta pesquisa, trata-se de um estudo descritivo, visto que buscou compreender as características de determinados fenômenos através da descrição de suas propriedades e de como se manifestam (SAMPIERE; COLLADO; ▇▇▇▇▇, 1994; SIEBRA, 2000).
Com o objetivo de responder à pergunta desta pesquisa, foram realizados estudos de casos múltiplos, ou seja, um exame detalhado de diferentes unidades sociais que, neste caso, constituíram-se como as trajetórias de carreira de profissionais que atuam na área de TI, com o propósito de descrever estas unidades e cercar os fenômenos em estudo a partir de diferentes perspectivas (GODOY, 1995). Neste sentido, foram utilizadas variadas fontes de informações, tais como diferentes grupos de
profissionais que atuam com TI, responsáveis pelos setores de gestão de pessoas das respectivas organizações e documentos que caracterizam estas organizações. É importante reiterar que, embora o foco desta pesquisa sejam os profissionais de TI e suas trajetórias de carreira, considerou-se o estudo em profundidade dos contextos nos quais estes sujeitos atuam, na medida em que estes podem influenciar nas decisões de carreira e nas expectativas dos profissionais entrevistados, conforme apontado no marco teórico deste estudo. Ademais, a decisão de abordar a percepção da empresa como “pano de fundo” para a compreensão dos fenômenos investigados fundamentou-se em outros estudos realizados sobre o turn-away no Brasil (MANGIA, 2013; ▇▇▇▇▇; JOIA, 2014). Tais estudos concluíram que o fato de não terem explorado as características de cada organização e como estas influenciam nas movimentações de carreira de seus profissionais limitou o alcance dos resultados encontrados.
Os participantes deste estudo foram 12 profissionais de TI de duas empresas catarinenses do ramo de prestação de serviços em tecnologia, os quais se constituem como foco deste estudo, e duas responsáveis pelos setores de gestão de pessoas destas organizações (uma de cada empresa). Deste modo, primeiro realizou-se a seleção das organizações para, na sequência, delimitar os participantes que seriam entrevistados em cada uma delas. Os critérios de seleção destas organizações e dos sujeitos participantes foram divididos em dois tópicos, os quais serão apresentados a seguir.
a) Critérios de seleção das organizações estudadas:
Os critérios utilizados para a seleção das duas empresas foram: organizações catarinenses que atuam no setor de prestação de serviços em TI, uma que está no mercado há menos de 10 anos e outra que atua há mais de 20 anos no mercado de TI. A escolha por empresas com base no tempo de atuação no mercado de trabalho fundamentou-se no conceito de ciclo de vida organizacional (HALL, 2004; SCHERMERHORN; HUNT; OSBORN, 1999), o qual pressupõe que as empresas, ao longo do seu desenvolvimento, realizam mudanças como tentativas de se adaptarem aos padrões de crescimento. Estas mudanças podem situar-se no âmbito da cultura e da estrutura organizacional e podem gerar reflexos nos processos de mobilidade profissional, nos sistemas de benefícios e recompensas, entre
outros aspectos anteriormente descritos no marco teórico desta pesquisa. Deste modo, este estudo partiu do pressuposto de que empresas em diferentes momentos dos ciclos de vida e que perpassam por distintos processos de formalização (HALL, 2004) tendem a apresentar estruturas e planos de carreira diferenciados, os quais podem influenciar de maneiras singulares os contratos psicológicos estabelecidos entre funcionários e organizações.
Ademais, o critério de inclusão de organizações com base no tempo de atuação no mercado de trabalho fundamentou-se, também, nos resultados de pesquisas realizadas na área de tecnologia, as quais apontam que, para atingir a sinergia entre os recursos organizacionais (pessoas, processos e tecnologia), é preciso um certo grau de “maturidade” alcançado pela organização ao longo dos anos (OZ, 2005; ROSTOCK, 2011). Este grau de “maturidade” diz respeito, inclusive, ao uso de determinada tecnologia, a qual pode ser considerada “madura” quando os trabalhadores já se sentem confortáveis com o uso e a percebem como uma parte integrante do seu ambiente de trabalho (OZ, 2005). Por isto, se torna relevante o horizonte de tempo para que os resultados das estratégias empresarias possam ser percebidos nos novos modelos de negócios, incluindo nestas estratégias a mobilidade na carreira.
Com base nestes critérios, a pesquisadora elaborou uma lista de empresas do ramo de TI da região que preenchiam os requisitos de inclusão estabelecidos. Na sequência, entrou-se em contato com os responsáveis por diferentes organizações que atendiam tais critérios com o intuito de apresentar a pesquisa, bem como convidá-los a participarem da mesma. Três empresas recusaram-se a participar em virtude do receio de que uma pesquisa que abordasse a temática carreira pudesse despertar expectativas de mudanças em seus colaboradores. Neste contexto, os responsáveis por quatro empresas do ramo de TI mostraram-se disponíveis e interessados em participar do estudo. Em um primeiro momento, considerou-se realizar a pesquisa nas quatro organizações (duas com um tempo de atuação no ramo de TI inferior há 10 anos e duas com um tempo de atuação superior há 20 anos). Entretanto, considerando o que foi levantado no marco teórico deste estudo acerca das diferenças de perfil das organizações e de seus ciclos vitais, bem como de suas possíveis implicações nos contratos psicológicos estabelecidos com seus colaboradores, optou-se pela delimitação de duas organizações para que seus contextos pudessem ser estudados em profundidade.
Deste modo, foram selecionadas duas empresas de grande porte da região que atendiam aos critérios de inclusão delimitados, as quais foram
denominadas de Empresa A (que possui 05 anos de existência) e Empresa B (que possui 39 anos de atuação no ramo de TI). Corroborando o pressuposto deste estudo de que as empresas mais antigas dispunham de processos mais formalizados, os trâmites de aceite da pesquisa nas dependências da Empresa B mostraram-se mais rígidos e burocratizados do que na Empresa A, visto que demandou a submissão do projeto à avaliação de um comitê de pesquisa dentro da organização. Somente após a anuência da organização por meio de um protocolo de aprovação, foi realizado o contato com a responsável pelo setor de gestão de pessoas para a definição das próximas etapas da pesquisa. As organizações foram representadas neste estudo por meio das responsáveis pelo setor de gestão de pessoas de cada empresa, as quais foram denominadas como GA (Gestora da Empresa A) e GB (Gestora da Empresa B). Cabe apontar que a gestora de pessoas da Empresa A estava em período de licença durante a realização das entrevistas. Por este motivo, foi entrevistada a profissional que estava respondendo interinamente em seu lugar. A caracterização destas gestoras será apresentada nos próximos subtópicos. Já a descrição de cada contexto organizacional, por considerar-se a necessidade de realizá-la em profundidade, será apresentada no capítulo 4.
b) Critérios de seleção dos profissionais de TI:
Para a seleção destes profissionais foram utilizados os seguintes critérios: sujeitos que atuam em diferentes funções na área da tecnologia da informação, com formação de nível técnico ou superior na área de tecnologia, que atuam em empresas de prestação de serviços em TI na região da Grande Florianópolis e que pertencem a alguns dos subgrupos seguintes: 1) profissionais que atuavam na área técnica de TI, realizaram o turn-away e atualmente são gestores; 2) profissionais que atuavam na área técnica de TI, realizaram turn-away para cargos de gestão e optaram por voltar a atuar na área técnica; 3) profissionais que atuam na área técnica de TI e desejam assumir funções de gestão; 4) profissionais que atuam na área técnica de TI e não desejam assumir funções de gestão.
A seleção de quatro subgrupos distintos de profissionais de TI não teve a finalidade de promover comparações entre os mesmos, mas sim, de cercar os fenômenos estudados (turn-away e contrato psicológico) a partir de diferentes perspectivas. Foi selecionado um sujeito de cada empresa para cada um dos subgrupos delimitados, com exceção do subgrupo 1, para o qual foram selecionados três profissionais em cada organização, visto que esta categoria é formada por profissionais que ainda permanecem na função
de gestão e, por isso, podem descrever com propriedade as características de suas transições. Tendo em vista o escopo e o cronograma deste estudo, considerou-se realizar entrevistas com seis profissionais de TI de cada empresa.
A seleção dos profissionais de TI foi realizada de forma intencional ou típica (LAVILLE; DIONE, 1999), na qual se pressupõe a escolha de casos julgados exemplares ou típicos da população alvo do estudo. Foi possibilitada através de contatos indicados por profissionais da área de gestão de pessoas e de profissionais de TI. Estes últimos indicaram colegas através do uso da técnica de snowball, na qual cada participante indica outros possíveis sujeitos para o estudo (▇▇▇▇▇; ▇▇▇▇▇, 2004). Na Empresa A, o gerente geral encaminhou um email de apresentação da pesquisa aos líderes dos times (com o contato da pesquisadora em cópia), convidando-os a participarem do estudo. Alguns líderes manifestaram interesse em participar da pesquisa através de uma resposta por email, permitindo o agendamento das entrevistas na sequência. Durante as entrevistas realizadas com estes sujeitos, os mesmos indicaram outros profissionais. A partir de então, o contato e o agendamento com os profissionais de TI foi realizado de forma direta, sem a mediação da organização. Já na Empresa B, a responsável pelo setor de gestão de pessoas preferiu selecionar possíveis entrevistados que pertenciam a cada subgrupo pesquisado, bem como contatá-los pessoalmente para a apresentação da pesquisa. Na sequência, a mesma encaminhou à pesquisadora uma lista de contatos de profissionais que aceitaram participar do estudo e solicitou à mesma que encaminhasse um email a estes sujeitos para formalizar o convite e agendar as entrevistas, o que, novamente, demonstrou indícios de um caráter mais formal desta organização.
Para a apresentação das trajetórias de carreira dos profissionais de TI e de alguns excertos de suas narrativas, foi elaborada uma codificação para cada sujeito. Os mesmos foram caracterizados pelas letras A ou B, dependendo da empresa na qual atuam, e pelo número do respondente na empresa (de 01 a 06). Deste modo, foram caracterizados como ▇▇, ▇▇, ▇▇, ▇▇ e assim sucessivamente. Ainda no que se refere aos participantes deste estudo, cabe ressaltar que, durante o texto, em todos os momentos em que os sujeitos são caracterizados como “profissionais que atuam na área técnica” ou em “funções técnicas” isto não significa que tenham formação em nível técnico, mas sim, que atuam em atividades voltadas para programação, desenvolvimento e qualidade de software. Esta terminologia foi utilizada apenas para diferenciar os profissionais que atuam em atividades consideradas funcionais ou operacionais daqueles que exercem
atividades de gestão. Nos próximos dois tópicos serão caracterizados brevemente os profissionais da Empresa A e da Empresa B que participaram deste estudo.
3.2.1 Profissionais da Empresa A
Foram realizadas entrevistas com sete profissionais da Empresa A (06 profissionais de TI e uma responsável pelo setor de gestão de pessoas), os quais pertencem a diferentes áreas e níveis hierárquicos. A esses profissionais, atribuiu-se a seguinte codificação: A1, A2 e A3 (profissionais que atuavam na área técnica, realizaram turn-away e atualmente são gestores); A4 (profissional que realizou turn-away para um cargo de gestão e optou por voltar a atuar na área técnica da mesma empresa); A5 (profissional que atua na área técnica e tem a intenção de assumir um cargo de gestão em sua empresa); A6 (profissional que atua na área técnica e não pretende assumir um cargo gestão em sua carreira); e GA (profissional da área de gestão de pessoas que realizou a entrevista em nome da organização) tal como caracterizados na Tabela 1.
Tabela 1 – Caracterização dos participantes da Empresa A.
Nome | Grupo | Cargo | Escolaridade | Idade | Est. Civil | Tempo de atuação Empresa A | Tempo de atuação com TI |
A1 | Atualmente é gestora | Líder de Qualidade | Pós- graduada | 32 | Casada | 10 meses | 12 anos |
A2 | Atualmente é gestor | Líder Técnico | Superior Completo | 29 | Solteiro | 02 anos | 10 anos |
A3 | Atualmente é gestor | Líder Técnico | Superior Incompleto | 28 | Casado | 2,5 anos | 10 anos |
A4 | Assumiu um cargo de liderança e decidiu voltar para a área técnica | Desenvolvedor de software | Superior Completo | 25 | Solteiro | 1,2 anos | 08 anos |
A5 | Deseja assumir um cargo de liderança | Tester | Superior Completo | 24 | Solteiro | 08 meses | 03 anos |
A6 | Não deseja assumir um cargo de liderança | Desenvolvedor de software | Superior Completo | 29 | Solteiro | 07 meses | 12 anos |
GA | Gestora de Pessoas | Gestora de Pessoas interina | Superior Completo | 26 | Solteira | 2,5 anos | 2,5 anos |
Fonte: Elaboração da autora, 2017.
Atualmente, os profissionais entrevistados ocupam posições como líder da área de qualidade de software (um caso: A1), líderes técnicos de times de desenvolvimento (dois casos: A2, A3), desenvolvedores de software (dois casos: A4, A6); tester 8(um caso: A5) e gestora de pessoas (GA). Todos os profissionais entrevistados da Empresa A já tiveram a oportunidade de assumir cargos de liderança nesta ou em outras empresas. A média de idade dos profissionais de TI entrevistados na Empresa
A é de 27,8 anos e, em média, suas carreiras dentro da empresa são de 1,3 anos de duração. Seis dos respondentes possuem ensino superior completo. Um cursou até a última fase de um curso de graduação na área de TI, porém não concluiu (A3). Dos sete entrevistados nessa empresa, cinco são homens (A2, ▇▇, ▇▇, ▇▇, ▇▇) e duas são mulheres (A1 e GA).
Os profissionais que saíram da área técnica na Empresa A atuavam, em sua grande maioria, há pouco tempo na organização, até mesmo em virtude de a empresa ser relativamente nova (05 anos de existência). Também relacionado a este motivo, observa-se que estes profissionais tiveram um tempo restrito de permanência na área técnica desta empresa antes de migrarem para outra função.
3.2.2 Profissionais da Empresa B
Assim como na Empresa A, foram realizadas entrevistas com sete profissionais da Empresa B (06 profissionais de TI e uma responsável pelo setor de gestão de pessoas), os quais pertencem a diferentes áreas e níveis hierárquicos, todos com origem na área técnica de TI. A esses profissionais, atribuiu-se a seguinte codificação: B1, B2 e B3 (profissionais que atuavam na área técnica, realizaram turn-away e atualmente são gestores); B4 (profissional que realizou turn-away para um cargo de gestão e optou por voltar a atuar na área técnica da mesma empresa); B5 (profissional que atua na área técnica e tem a intenção de assumir um cargo de gestão em sua empresa); B6 (profissional que atua na área técnica e não pretende assumir um cargo gestão em sua carreira); e GB (profissional da área de gestão de pessoas que realizou a entrevista em nome da organização) tal como caracterizados na Tabela 2.
8 Aquele que realiza testes dos sistemas, programas e aplicativos desenvolvidos pela empresa com a finalidade de identificar possíveis melhorias em suas funcionalidades.
Tabela 2 – Caracterização dos participantes da Empresa B.
Nome | Grupo | Cargo | Escolaridade | Idade | Est. Civil | Tempo de atuação Empresa B | Tempo de atuação com TI |
B1 | Atualmente é gestora | Gerente de Desenvolv imento | Pós- graduada | 39 | Casada | 12 anos | 21 anos |
B2 | Atualmente é gestor | Gerente de TI | Pós-graduado | 30 | Solteiro | 09 anos | 13 anos |
B3 | Atualmente é gestor | Supervisor de Suporte | Superior Incompleto | 38 | Casado | 15 anos | 22 anos |
B4 | Assumiu um cargo de liderança e decidiu voltar para a área técnica | Técnico de Suporte | Técnico | 39 | Casado | 17 anos | 20 anos |
B5 | Deseja assumir um cargo de liderança | Desenvolv edor de software | Superior Completo | 36 | Solteiro | 16 anos | 17 anos |
B6 | Não deseja assumir um cargo de liderança | Analista de TI | Superior Completo | 27 | Casado | 07 anos | 10 anos |
GB | Gestora de Pessoas | Gestora de Pessoas | Superior Completo | 38 | Casada | 10 anos | 10 anos |
Fonte: Elaboração da autora, 2017.
Atualmente, os profissionais entrevistados ocupam posições como gerente de desenvolvimento de software (B1), gerente de TI (B2), supervisor de suporte (B3), técnico em suporte (B4), desenvolvedor de software (B5), analista de TI (B6) e gestora de pessoas (GB). Em funções de liderança ou técnicas, três dos respondentes atuam na área de desenvolvimento de software (B1, B3 e B5), e os outros três atuam na área de infraestrutura de TI (B2, B4 e B6). Com exceção de B6, todos os profissionais entrevistados da Empresa B já tiveram a oportunidade de assumir funções de liderança nesta empresa.
A média de idade dos profissionais de TI da Empresa B é de 34,8 anos e, em média, suas carreiras dentro da empresa são de 12,3 anos de duração. Seis dos respondentes possuem ensino superior completo. Um tem formação técnica na área de TI, cursou parte da graduação de Sistemas de Informação, porém não concluiu e atualmente está cursando Engenharia Elétrica e Telemática (B4). Dos seis entrevistados nessa empresa, cinco são homens (B2, B3, B4, B5, B6) e dois são mulheres (B1 e GB).
Os profissionais que saíram da área técnica na Empresa B fizeram carreira dentro da empresa e permaneceram na área técnica por um tempo significativo antes de migrarem para outras funções. Todavia, isto é
decorrente, também, do tempo de atuação destes sujeitos dentro da organização B ser significativamente superior ao tempo de atuação dos sujeitos da Empresa A dentro de sua respectiva empresa.
A coleta de dados foi realizada a partir de entrevistas semiestruturadas e da análise de documentos cedidos pelas responsáveis pelos setores de gestão de pessoas das organizações, bem como outros disponíveis nos endereços eletrônicos destas empresas. A apresentação dos instrumentos utilizados para a coleta das informações foi dividida em dois tópicos: instrumento para a coleta de dados com os profissionais de TI e instrumentos de coleta de dados com as organizações.
a) Instrumento para a coleta de dados com os profissionais de TI:
Com a finalidade de responder aos objetivos deste estudo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os profissionais de TI pesquisados. Estas entrevistas são caracterizadas por uma série de perguntas abertas, feitas verbalmente em uma ordem prevista. Podem ser flexíveis na medida em que o entrevistador pode acrescentar questões de esclarecimento ou mudar a ordem das mesmas em função das respostas obtidas com a finalidade de assegurar maior coerência em suas trocas com os entrevistados (LAVILLE; ▇▇▇▇▇, 1999). Tal flexibilidade possibilita um contato mais íntimo entre o pesquisador e o entrevistado, favorecendo uma exploração em profundidade de seus saberes, representações, crenças e valores.
Com base na revisão de literatura e nos objetivos específicos que orientaram esta investigação, foram elaborados três roteiros de entrevista (Apêndices A, B e C) direcionados a cada um dos subgrupos de profissionais de TI estudados: 1) um para profissionais que atuavam na área técnica de TI, realizaram o turn-away e atualmente são gestores; 2) outro para profissionais que atuavam na área técnica de TI, realizaram turn-away para cargos de gestão e optaram por voltar a atuar na área técnica; 3) e um único roteiro para abordar tanto os profissionais que atuam na área técnica de TI e desejam assumir funções de gestão, bem como para aqueles que não desejam. Os roteiros se propunham a explorar os seguintes objetivos: a) práticas, políticas e pressupostos subjacentes à gestão de carreiras nas organizações; b) trajetórias de carreira de profissionais de TI; c) percepção de profissionais de TI acerca do turn-away nas organizações; d)
expectativas de profissionais de TI acerca das trocas recíprocas entre estes e as suas organizações. A relação entre as questões abordadas nas entrevistas e os objetivos deste estudo pode ser observada nos roteiros de entrevista situados nos Apêndices A, B e C.
b) Instrumentos para a coleta de dados nas organizações:
Com o intuito de responder ao objetivo A deste estudo, a coleta de informações nas organizações foi possibilitada a partir da realização de entrevistas semiestruturadas com as responsáveis pelos setores de gestão de pessoas das empresas estudadas e, também, por meio de consulta documental. Para a realização das entrevistas semiestruturadas, foi elaborado um roteiro de entrevista (▇▇▇▇▇▇▇▇ ▇).
A consulta documental tinha como propósito a convergência de diferentes fontes de informação (profissionais de TI, responsáveis pelo setor de gestão de pessoas e documentos organizacionais) acerca das práticas, políticas e pressupostos organizacionais acerca da gestão de carreira dos profissionais de TI. Para tanto, foram solicitados documentos às profissionais responsáveis pelos setores de gestão de pessoas que versassem sobre o histórico, cultura, missão, valores, metas, estrutura do plano de cargos e salários e de desenvolvimento de carreira e benefícios.
procedimentos que foram utilizados neste estudo seguiram a resolução
466/2012 (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2012) que dispõe sobre
as regras para a realização de pesquisas com seres humanos nas ciências humanas e sociais. Neste sentido, para viabilizar a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina, entrou-se em contato com as organizações estudadas com a finalidade de obter as autorizações necessárias para a coleta de dados. Para tanto, foram apresentados dois documentos aos responsáveis pelas organizações: uma carta de apresentação do estudo (Apêndice E) e uma autorização institucional (Apêndice F) para que os responsáveis consentissem a coleta de dados com seus colaboradores.
Após a autorização das organizações para a realização da pesquisa e disponibilização dos endereços eletrônicos dos profissionais (conforme descrito no tópico 3.2), a pesquisadora entrou em contato com os sujeitos indicados por email, com a finalidade de explicitar os objetivos da pesquisa e convidá-los para responderem a entrevista. Neste contato, foi assegurado que a participação era voluntária, não remunerada e gratuita, bem como foi reforçada a questão do sigilo das informações pessoais disponibilizadas e a importância de suas contribuições para desenvolvimento deste estudo. Foi salientado que a entrevista seria realizada de forma individual e que os sujeitos não seriam expostos a fatores de risco. Também se salientou que riscos de possíveis constrangimentos decorrentes das questões levantadas seriam mínimos e que, caso se manifestassem, seriam realizados os encaminhamentos necessários.
Os participantes foram convidados a assinarem um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) (Apêndice G), no qual alegaram estar cientes dos objetivos e procedimentos da pesquisa. Neste mesmo documento, autorizaram a gravação da entrevista em áudio para a viabilização da transcrição das informações coletadas para a posterior realização da análise. Foi acordado com os sujeitos participantes, bem como com os responsáveis pelas organizações pesquisadas que, após a redação do relatório final da pesquisa, os mesmos receberiam retorno sobre os resultados deste estudo.
3.4.2 Procedimentos de coleta de informações
A coleta de informações foi realizada a partir do agendamento prévio das entrevistas com os sujeitos selecionados. No email enviado aos profissionais para fazer o agendamento, sugeriu-se a realização das entrevistas fora do ambiente de trabalho, com o intuito de priorizar locais isentos de barulhos e de passagem de outros sujeitos da empresa, bem como de evitar possíveis interrupções e constrangimentos. Todavia, conforme apontado pela responsável pelo setor de gestão de pessoas da Empresa B, alguns colaboradores teriam dificuldades para realizar a entrevista fora do local do trabalho e além do horário de expediente. Por conhecer seus colaboradores, a mesma afirmou que comumente os profissionais dessa empresa apresentam empecilhos para a realização de quaisquer atividades fora do horário de expediente e, por isso, autorizou que as entrevistas fossem realizadas no horário de trabalho e dentro da organização. Desta
forma, mesmo convidando-os por email a participarem da entrevista fora do ambiente de trabalho, abriu-se a possibilidade de que a mesma pudesse ser realizada neste ambiente caso fosse necessário. Embora esta limitação não tenha sido observada pela gestora de pessoas da Empresa A, também abriu-se a possibilidade de realização de entrevistas dentro desta empresa caso fosse necessário.
A maioria (07) das entrevistas foi realizada fora do horário de expediente de ambas, em locais próximos ao trabalho destes sujeitos (A3, ▇▇, ▇▇, ▇▇, ▇▇, ▇▇ ▇ ▇▇), outras quatro entrevistas foram realizadas em salas de reuniões nos locais de trabalho (A2, B1, B4 e B6) e uma entrevista foi realizada na residência da profissional (A1). As entrevistas realizadas com as gestoras de pessoas (GA e GB) foram efetivadas em horário de expediente, sendo uma por videoconferência (GA) e outra presencial (GB) em salas de reuniões de cada uma das organizações. As entrevistas realizadas tanto com os profissionais de TI como com as gestoras de pessoas tiveram duração aproximada de uma hora cada e transcorreram de forma adequada, sem interrupções ou possíveis constrangimentos.
No que tange à consulta documental, ambas as organizações se mostraram pouco disponíveis a compartilhar os materiais solicitados. Nenhuma efetivamente negou o compartilhamento. Porém, não deram retorno aos e-mails e contatos nos quais estes documentos foram solicitados ou compartilharam apenas partes dos materiais. Neste sentido, GA compartilhou somente um documento disponível no endereço eletrônico da organização, o qual versava sobre o Código de Cultura da Empresa A. Já GB, compartilhou por email um breve histórico da organização apresentado no processo de integração de novos funcionários, um esquema que ilustra de forma sintética a estrutura organizacional dividida por departamentos e as diretrizes estratégicas da organização. Ademais, foram extraídas informações disponíveis nos endereços eletrônicos das organizações acerca do histórico, missão, valores e benefícios ofertados pelas organizações, os quais permitiam compreender aspectos relacionados às respectivas políticas de gestão de pessoas e de carreiras dentro destas instituições.
3.4.3 Procedimentos de organização, categorização e análise das informações
As informações obtidas no presente estudo foram submetidas à análise de conteúdo de acordo com a sequência de procedimentos indicada
por ▇▇▇▇▇▇ ([1977] 2002). Para a autora, esta forma de proceder pressupõe um conjunto de técnicas de análise que, a partir de etapas sistemáticas e objetivas de descrição do conteúdo, visa a obter indicadores que permitam a inferência de conhecimentos acerca das informações levantadas. A análise de conteúdo, nesta concepção, se divide em três etapas de desenvolvimento: 1) a pré-análise, 2) a exploração do material e 3) o tratamento dos resultados, inferência e interpretação, as quais foram utilizadas como aporte para o delineamento metodológico da análise dos dados encontrados neste estudo.
1) Pré-análise:
Esta etapa foi caracterizada pela organização das informações coletadas. Em um primeiro momento, realizou-se a transcrição dos dados obtidos através da gravação em áudio das entrevistas. Na sequência, para facilitar a sistematização das informações, os dados obtidos foram divididos em categorias estabelecidas a priori, a partir dos objetivos específicos deste estudo, para que o material obtido pudesse ser contrastado com o referencial teórico. Na medida em que as informações foram sendo distribuídas entre as categorias, fez-se necessária a elaboração de outras categorias, bem como de subcategorias a posteriori. Tais categorias e subcategorias tinham como propósito serem exaustivas e mutuamente exclusivas (MINAYO, 2010). Deste modo, foram elaboradas categorias e subtagorias para a análise do conteúdo das entrevistas realizadas com os profissionais de TI, bem como outro conjunto de categorias e subcategorias para a análise das entrevistas com as responsáveis pelos setores de gestão de pessoas e para a análise do documentos consultados. As categorias estabelecidas através das informações coletadas por meio destas três fontes de informação, bem como o seu nexo com os objetivos propostos pode ser observada no Quadro 2.
No Quadro 2, os objetivos específicos deste estudo podem ser observados na primeira coluna, enquanto o conjunto de categorias utilizadas para a análise das entrevistas realizadas com os profissionais de TI pode ser verificado na segunda coluna e as categorias utilizadas para a análise das entrevistas realizadas com as responsáveis pelos setores de gestão de pessoas e documentos consultados pode ser visualizadas na terceira. As categorias foram representadas por números. Já as subcategorias elaboradas foram identificadas por marcadores.
Quadro 2 – Categorias e subcategorias utilizadas para a análise do conteúdo obtido através das entrevistas e da consulta documental, bem como o seu nexo com os objetivos propostos
Fonte: Elaboração da autora, 2017.
Para a organização das informações, foram construídas tabelas no Excel, nas quais os conteúdos coletados foram distribuídos de forma sistemática entre as diferentes categorias temáticas elaboradas. Em um primeiro momento, foram estruturadas três tabelas, uma destinada aos profissionais de TI, outra às responsáveis pelos setores de gestão de pessoas e ainda uma orientada ao material levantado na consulta documental. Nas tabelas destinadas a organizar os dados das entrevistas, os sujeitos foram divididos por linhas e as categorias e subcategorias foram representadas por colunas. Na sequência, foram selecionados excertos representativos das
entrevistas realizadas e do material consultado para preencher cada uma das colunas delimitadas nas tabelas.
2) A exploração do material:
Exploração das entrevistas:
Durante a exploração das entrevistas foram elaboradas “Tabelas sínteses” no Excel, com a finalidade de unir as informações coletadas sobre cada categoria a partir de diferentes sujeitos. Com o intuito de facilitar a discussão dos resultados, bem como a redação do relatório final deste estudo, também foram estruturadas “Tabelas comparativas” que constrastavam as informações obtidas com o referencial teórico desta pesquisa, buscando encontrar consonâncias ou dissonâncias que pudessem ser dicutidas neste trabalho.
Cabe apontar que a distribuição dos conteúdos nas tabelas e subsequente análise das informações coletadas foi realizada concomitantemente com a coleta dos dados, ou seja, enquanto as entrevistas com outros sujeitos estavam sendo realizadas a pesquisadora foi efetuando anotações sobre entrevistas realizadas anteriormente, as quais foram gerando insights para a condução das próximas. Creswell (2010) corrobora a importância desta sistemática ao apontar que a análise de dados qualitativos envolve uma reflexão contínua sobre as informações coletadas, formulando questões analíticas e escrevendo anotações durante todo o estudo.
A análise das informações coletadas a partir das entrevistas realizadas com os profissionais de TI foi guiada pelas seguintes categorias:
1) Planos de desenvolvimento de carreira; 2) Planos de cargos e salários; 3) Critérios para a realização de promoções; 4) Critérios para a realização do turn-away; 5) Estratégias organizacionais para o desenvolvimento de competências; 6) Carreira objetiva; 7) Carreira subjetiva; 8) Motivos para a realização do turn-away; 9) Expectativas em relação ao turn-away; 10) Percepção de suporte organizacional para a realização do turn-away; 11) Percepções sobre os deveres da organização em relação aos seus empregados; 12) Percepções sobre os deveres dos profissionais em relação à organização; 13) Percepções acerca do que a empresa espera de seus profissionais.
Durante a exploração das entrevistas realizadas com os profissionais de TI julgou-se que as informações obtidas referentes à categoria “Carreira
